Opinião

A inoportuna alteração do tratamento tributário das subvenções pela MP 1.185

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24 de dezembro de 2023, 15h22

A MP nº 1.185/2023, no momento pendente de sanção presidencial, altera o tratamento fiscal dado às subvenções para investimento, revogando dispositivos do Decreto-Lei nº 1.598/1977, e das Leis nº 10.637/2002, 10.833/2003, e 12.973/2014, e passando a submeter os incentivos à incidência do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Em contrapartida, permite a apuração de crédito de 25% do IRPJ sobre os incentivos, observados os requisitos e procedimentos definidos na norma.

A justificativa apresentada pelo governo para essa mudança foi o alinhamento às “Regras GlobBE” da OCDE, que traz a implementação de um imposto mínimo global de 15% para os países envolvidos. No entanto, essa medida é totalmente inoportuna e desconectada com as mudanças promovidas pela reforma tributária.

Com a publicação da Emenda Constitucional nº 132/2023, os incentivos fiscais estaduais serão extintos com o decurso do período de transição, pois um dos pilares da reforma é o tratamento uniforme em todo o território nacional.

Logo, não há razão para se editar uma medida provisória alterando significativamente o tratamento tributário das subvenções, que só terá aplicabilidade durante curto período de tempo, e poderá gerar amplo contencioso judicial, por apresentar diversos pontos que podem ser questionados pelos contribuintes.

A reflexão sobre as inconsistências da norma que submete os incentivos fiscais à incidência do IRPJ, CSLL e contribuições para o PIS e à Cofins deve ter como ponto de partida a compreensão sobre a natureza jurídica dos valores que se pretende tributar.

A Lei nº 4.320/1964, que institui as regras gerais de direito financeiro, classifica as subvenções econômicas como transferência capital destinadas a investimentos, o que nos permite inferir que correspondem a verdadeiro aporte de capital [1].

Outros dispositivos, como o §2º do artigo 38 do Decreto-Lei nº 1.598/1977 e, posteriormente, o artigo 30 da Lei 12.973/2014, corroboram esse entendimento, pois estabeleciam a exclusão dos valores creditados a reserva de capital, que o contribuinte recebesse a título de subvenções para investimento, da determinação do lucro real, limitando sua utilização para absorção de prejuízo ou aumento de capital.

A obrigatoriedade de creditamento desses valores na conta reserva de capital e impossibilidade de distribuição como lucro são decorrências lógicas da caracterização das subvenções como aporte de capital, que não podem ser confundidas com transferência de renda para os sócios da empresa, sob pena de se subverter da finalidade para qual são concedidos os incentivos pelo Estado.

O artigo 153, III da Constituição concedeu à União competência para instituir imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza”, cuja definição foi especificada pelo artigo 44 da Lei n° 5.172/1966, respectivamente, como: (i) o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; e (ii) os demais acréscimos patrimoniais.

Não é, porém, “todo e qualquer acréscimo de patrimônio […] que pode ser tomado como participante do fato gerador e da base de cálculo do imposto de renda […] o incremento patrimonial que integra a sua base de cálculo deve sempre ser originado de causas das quais participe a própria fonte produtora, que é o patrimônio ou o seu titular” [2].

O IRPJ tem como hipótese de incidência a disponibilidade jurídica ou econômica do resultado dos elementos positivo (receita) e negativo (despesa) do acréscimo patrimonial, sob pena de a tributação incidir sobre patrimônio em vez de renda e, assim, extrapolar os limites constitucionais que norteiam o imposto.

Desse modo, a transferência de capital, decorrente da concessão de subvenções econômicas, não está abarcada no critério material de incidência do imposto, pois não corresponde à renda da empresa, mas tão somente patrimônio.

Certamente que, se, em razão dos benefícios, a pessoa jurídica obtiver lucro, tais valores se caracterizam como produto do capital e devem ser oferecidos normalmente à tributação.

Quanto às contribuições para o PIS e à Cofins, regra geral, incidem sobre a receita bruta [3]. No julgamento do RE n° 606.107/DF [4] o STF manifestou posicionamento de que “sob o específico prisma constitucional, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”.

Embora as subvenções resultem em aumento indireto do patrimônio, por reduzirem um custo tributário, o suposto “ganho” não possui características de receita, pois não decorre de efetivo ingresso financeiro, pressuposto necessário para tributação pelas contribuições ao PIS e à Cofins.

Recentemente, inclusive, a primeira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou, por unanimidade, que os descontos não se enquadram ao conceito de receita pela perspectiva do adquirente, pois não configuram ingresso financeiro [5], aplicando o raciocínio de que redução de custo não deve ser considerado receita, o que reforça a possibilidade de tais argumentos serem acolhidos em eventual discussão judicial.

Além disso, destaca-se que não é toda e qualquer receita obtida pelo contribuinte que integra o conceito de “receita bruta”. Nesse sentido, posicionamento adotado pelo STF ao declarar inconstitucional dispositivo da Lei nº 9.718/1998: “no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvidas e da classificação contábil adotada”. [6]

O conteúdo do vocábulo receita, utilizado no artigo 195, I, da Constituição, como critério material dos tributos destinados ao financiamento da seguridade social, deve ser compreendido como ingresso financeiro que, além de se integrar ao patrimônio como elemento novo, “represente uma remuneração ou contraprestação de atos, atividades, ou operações da pessoa titular do mesmo […] de modo que a receita ainda traz consigo essa característica de ser o produto que vem de fora do patrimônio, mas que é derivado de dentro”. [7].

Ao apreciar o Tema nº 504, que tem por objeto a análise sobre a possibilidade, ou não, de o crédito presumido do IPI decorrente de exportações, instituído pela Lei 9.363/96, integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins, o STF fixou tese que reforça essa interpretação, definindo que “os créditos presumidos de IPI, instituídos pela Lei nº 9.363/1996, não integram a base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS, sob a sistemática de apuração cumulativa (Lei nº 9.718/1998), pois não se amoldam ao conceito constitucional de faturamento”.

Portanto, ainda que os benefícios fiscais sejam considerados como ingresso financeiro para fins de incidência das contribuições sociais, o que não parece ser o entendimento mais adequado, não podem ser tributados pelo PIS e Cofins, por se tratar de transferência patrimonial pois, conforme esclarecem os ensinamentos de Ricardo Mariz de Oliveira, não são frutos do patrimônio ou atividade de seu titular, mas aporte para o patrimônio, para gerar novos frutos [8]. Logo, não há de ser qualificada como receita.

Diante do exposto, conclui-se que a alteração da sistemática do tratamento tributário das subvenções para atender aos interesses do pacote fiscal criado pelo governo apresenta regramento passível de diversos questionamentos, tanto em relação à incidência do IRPJ e CSLL, como PIS e Cofins, sendo que, em relação às contribuições, os tribunais superiores possuem decisões que podem reforçar a tese dos contribuintes.

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[1] Art. 12, § 3º e 6º; e, art. 13.

[2] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. Volume 1. São Paulo: IBDT, 2020. p.175.

[3] Art. 195, I, “a”, da Constituição Federal.

[4] RE 606107, Relatora: Rosa Weber, Tribunal Pleno, Publicado em 25/11/2013. Tema 283 de Repercussão Geral, em que foi fixada a seguinte tese: “É inconstitucional a incidência da contribuição ao PIS e da COFINS não cumulativas sobre os valores recebidos por empresa exportadora em razão da transferência a terceiros de créditos de ICMS.”

[5] REsp nº 1.836.082/SE, Relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 11/4/2023, publicado em 12/5/2023

[6] Tribunal Pleno, RE n. 346.084/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 09.11.2005, DJ 1º.09.2006

[7] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. Volume 1. São Paulo: IBDT, 2020. p.108.

[8] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. Volume 1. São Paulo: IBDT, 2020. p.203.

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