Opinião

O princípio da reparação integral e as despesas do processo

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13 de dezembro de 2023, 17h20

Recente decisão proferida no último dia 30 de outubro pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no AREsp 2.135.717-SP, trouxe à tona a discussão do princípio da reparação integral na indenização por danos materiais e as despesas do processo.

Em síntese, o autor da ação pleiteou o ressarcimento dos danos materiais advindos da contratação de advogados e de técnicos para a defesa de seus interesses em processo que fora autuado administrativamente pela demolição de imóvel em que se desenvolvia empreendimento imobiliário. Após lograr êxito na ação anulatória de ato administrativo de demolição, o autor requereu a indenização pelas despesas realizadas no processo judicial.

O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou procedente o pedido, por entender que o princípio da reparação integral alcança as despesas dispendidas para a propositura de ação judicial, dentro da perspectiva de que aquele que deu causa ao processo deve restituir os valores despendidos pela outra parte com os honorários contratuais, que integram o valor devido a título de perdas e danos.

Entretanto, a decisão proferida pelo tribunal paulista foi reformada. Seguindo a orientação jurisprudencial (EREsp 1.155.527, relator ministro Sidnei Beneti e EREsp 1.507.864, relatora ministra Laurita Vaz), o voto da relatora, ministra Assusete Magalhães, referendou o entendimento de que os custos decorrentes da contratação de advogado para o ajuizamento de ação, por si só, não são indenizáveis, sob pena de atribuir ilicitude a qualquer pretensão questionada judicialmente.

Parece-nos, entretanto, que a orientação firmada pelo STJ está a conflitar com o regramento previsto no Código Civil.

Com efeito, a extensão do direito à reparação do dano é estabelecida pelo princípio da reparação integral que consiste na adoção de todas as medidas para que o lesado retorne à situação anterior ao ilícito em que se encontrava, incluindo não apenas o que perdeu (danos emergentes), mas, também, o que se razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes).

Trata-se de uma relação de equivalência entre a reparação e o dano, que, com o advento do Código Civil de 2002, foi adotada expressamente em seu artigo 944, pelo qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”.

Na primeira metade do século passado, o famoso autor italiano Giuseppe Chiovenda já expressava que a necessidade de se servir do processo para obter razão não pode reverter em dano a quem tem razão, pois a administração da justiça faltaria ao seu objeto e a própria seriedade dessa função do Estado estaria comprometida, se o mecanismo organizado para o fim de atuar a lei tivesse de operar com prejuízo de quem tem razão (Sagli di Diritto Processuale Civile, vol. I, p. 110).

A propósito, o STJ já decidiu que as perdas e danos estão submetidas ao princípio da reparação integral, de modo que o ressarcimento deve abranger tanto o desfalque efetivo e imediato no patrimônio do lesado, como a perda patrimonial futura (REsp 1.919.208, relatora ministra Nancy Andrighi).

Sendo assim, os honorários advocatícios contratuais e as despesas com técnicos dispendidos para a propositura de ação anulatória de ato administrativo devem integrar os valores devidos a título de reparação por perdas e danos, isto é, a fim de reparar o dano ocorrido de modo integral, uma vez que a verba é retirada do patrimônio da parte lesada, afigura-se cabível àquele que deu causa ao processo a reparação da quantia.

Trata-se de aplicação das regras previstas nos artigos 389 e 404, pelos quais, respectivamente, não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária e honorários do advogado, e as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária, abrangendo juros, custas e honorários do advogado. Caso contrário, a reparação por danos materiais não se afigura integral, dentro da ótica de que o sistema de responsabilidade civil adotado pelo Código Civil orienta-se no sentido do estabelecimento do que a extensão do dano, enquanto medida de ressarcimento, deve ser apurada por critério que aponte o real desfalque do patrimônio do lesado.

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