Opinião

PEC 45/2019: reforma tributária ESG

Autores

  • Breno Vasconcelos

    é doutorando na FGV Direito SP (beneficiário da bolsa Mário Henrique Simonsen) mestre em Dreito Tributário pela PUC-SP pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper e do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV e sócio em Mannrich e Vasconcelos Advogados.

  • Thais Shingai

    é mestra em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Contabilidade pela Fipecafi pós-graduada em Gestão Tributária pela Fipecafi advogada tributarista pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper professora no Insper e na Fipecafi professora convidada em cursos do IBDT e da Apet e sócia em Mannrich e Vasconcelos Advogados.

  • Daniel Clarke

    é graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. pós-graduado em Direito Societário pelo Insper e advogado tributarista em Mannrich e Vasconcelos Advogados.

11 de dezembro de 2023, 11h19

Nos últimos anos a pauta ESG (ambiental, social e de governança) tem ganhado destaque como um guia ético para práticas empresariais sustentáveis. Empresas em todo o mundo estão cada vez mais reconhecendo a importância de abordar questões ambientais, sociais e de governança em suas operações, como exigências do mundo contemporâneo e dos seus próprios stakeholders.

Neste contexto, este artigo tem o objetivo de explorar a conexão entre a pauta ESG e a reforma da tributação do consumo, nos termos da PEC 45/2019, recentemente aprovada pelo Senado, uma vez que as políticas fiscais desempenham um papel fundamental na promoção de comportamentos alinhados com os princípios daquela pauta, bem como causam efeitos a ela relacionados.

Comecemos pela pauta ambiental. Ao determinar que IBS e CBS serão tributos totalmente não-cumulativos e que incidirão em todas as etapas de produção e comercialização, a reforma tributária busca garantir a neutralidade tributária, isto é, que a incidência do tributo independa da forma como as atividades empresariais estão organizadas. Assim, espera-se que a reforma reduza as distorções alocativas e formas ineficientes de organização da produção.

Isso permitirá, por exemplo, uma redução de gastos com logística, uso de rodovias e consumo de combustíveis fósseis hoje necessários porque empresas se estabeleceram em locais distantes de seu mercado consumidor, exclusivamente para aproveitar benefícios fiscais. Esse efeito, por si só, já revela como as mudanças propostas são capazes de induzir comportamentos alinhados às práticas de ESG, como a redução da pegada de carbono e o uso responsável dos recursos naturais.

De forma mais específica, a PEC 45/2019 inclui na Constituição a previsão de que, entre outros princípios, o Sistema Tributário Nacional observará o da defesa do meio ambiente (artigo 145, §3º).

E prossegue a PEC 45 na pauta ambiental: (1) sempre que possível, a concessão de incentivos regionais considerará critérios de preservação do meio ambiente (artigo 43, §4º, CF/88); (2) a prioridade para projetos que prevejam ações de preservação do meio ambiente na aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), um dos instrumentos incluídos na PEC para reduzir discrepâncias entre os estados brasileiros (artigo 159-A, CF/88); (3) a criação de regimes fiscais específicos sobre “bens e serviços que promovam a economia circular e a sustentabilidade no uso de recursos naturais” e “para a microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica, incluindo o SCEE” (artigo 156-A, §6º, IX e X,  CF/88); e (4) que a tributação de biocombustíveis, inclusive de hidrogênio verde, será inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis (artigo 225, §1º, VIII, CF/88).

Some-se a isso a própria previsão de que o imposto seletivo incidirá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente (artigo 153, VIII, CF/88), abordagem que tem o potencial de contribuir para a causa ambiental de várias maneiras, ainda que caibam críticas à previsão de sua incidência sobre a “extração”, por ser potencialmente contraditório com a lógica do próprio seletivo [1]. Talvez a mais clara forma de contribuição à causa seja o desincentivo ao consumo nocivo ao meio ambiente, criando, por via transversa, um incentivo econômico para que empresas e pessoas busquem alternativas de bens e serviços mais sustentáveis, reduzindo, assim, a demanda por produtos prejudiciais ao meio ambiente.

No aspecto social, a responsabilidade social corporativa (RSC) tornou-se um componente essencial da estratégia empresarial, incluindo, mas não se limitando, ao cumprimento de elevados padrões éticos e socialmente responsáveis. Nesse contexto, o Direito Tributário pode emergir como um regulador que incentiva as empresas a desempenharem um papel construtivo na sociedade e ocasionar, direta ou indiretamente, avanços sociais relevantes.

Com isso em mente, a PEC 45/2019 prevê que o Sistema Tributário Nacional deve observar o princípio da justiça tributária, que comporta ao menos dois vieses principais: um de acordo com o qual a carga da arrecadação tributária seja distribuída de forma justa entre os cidadãos, e outro reforçando o princípio da capacidade contributiva.

De forma mais concreta, há a determinação que seja implantado um mecanismo de devolução do tributo sobre o consumo para a população de baixa renda, na forma do chamado cashback, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda (artigo 156-A, §5, VIII, CF/88), obrigatório no fornecimento de energia elétrica e GLP (artigo 156-A, §13, CF/88) e na aquisição de alguns itens da cesta básica (artigo 8º, §2º, ADCT).

Como amplamente debatido durante a tramitação da PEC 45, esse mecanismo não é uma novidade na experiência internacional, e, segundo estudo do Banco Mundial [2], sua implementação poderia inclusive ter um efeito muito maior sobre o aumento da progressividade do sistema fiscal brasileiro do que a isenção total de itens da cesta básica.

Também no espectro social, ressaltamos que a reforma tributária tem o potencial de fortalecer o pacto federativo e conceder maior autonomia aos entes federados mediante efeitos positivos para os Municípios, na medida em que se estima que ao menos 82% deles [3] terão aumento de arrecadação. Segundo o Ipea, “as simulações indicam que a regra de transição combinada com o maior crescimento da economia proporcionado pela reforma tributária, pode propiciar ganhos para a ampla maioria dos entes federados ao mesmo tempo que evita ou atenua as perdas de uma minoria, sobretudo nas duas primeiras décadas posteriores às mudanças” [4].

No campo da governança corporativa, a transparência fiscal está intrinsecamente ligada aos princípios ESG. Empresas que buscam conformidade e boa governança são pressionadas a adotar práticas fiscais transparentes e a rejeitar a opacidade fiscal, que representa não apenas um risco para a reputação corporativa, mas cada vez mais um fator de discriminação para não participação das empresas nos chamados programas de conformidade fiscal. O Direito Tributário desempenha, assim um papel crucial na imposição de padrões de transparência, incentivando empresas a adotarem práticas fiscais éticas e abertas.

Vinculada a essa pauta, a proposta de reforma prevê que, além dos princípios já citados, o nosso sistema tributário deve ainda observar os princípios da simplicidade e da transparência (artigo 145, §3º, CF/88).

Para alcançar esses princípios, o texto da PEC estabelece que (1) o projeto de lei que exigir ou aumentar tributo deverá conter avaliação e demonstração de seu impacto econômico-financeiro (artigo 150, §9º, CF/88) e (2) que as normas infralegais sobre matéria tributária devem vir acompanhadas de estudos e pareceres que as embasaram, com avaliação do seu impacto sobre o grau de complexidade e a capacidade arrecadatória do sistema (artigo 150, VII, CF/88).

Na perspectiva da simplicidade, é correto prever que a uniformização do sistema reduzirá a complexidade e as incertezas que levam à falta de conformidade no cumprimento de obrigações acessórias. Lembre-se que o IBS, por exemplo, que substituirá o ICMS e o ISS, terá regulamento único, interpretação e aplicação uniformes (artigo 156-B, CF/88), e será instituído pela mesma lei complementar da CBS (artigo 195, §15, CF/88), sendo que ambos os tributos observarão regras comuns sobre fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência, sujeitos passivos, entre outras (artigo 149-B, CF/88).

A redução dos custos de compliance e com litígios poderá induzir a novos investimentos. Relatório do Banco Mundial evidencia que, atualmente, as empresas gastam em média 1.958 horas por ano e R$ 60 bilhões no cumprimento de obrigações acessórias [5].

Recente estudo do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper [6] revelou que, em termos globais, cerca de 95% do contencioso tributário envolvendo ISS, ICMS, IPI e PIS/Cofins das companhias abertas (aproximadamente R$ 120,7 bilhões em 2021) seria impactado pela reforma dos tributos sobre o consumo, considerando as características gerais da CBS e do IBS: base ampla de incidência, não-cumulatividade plena, alíquota que não distinga setores ou tipos de bens e serviços, restrição à concessão de incentivos fiscais, cobrança unificada e informatizada, dentre outras.

Se em algum momento do passado acreditou-se que a pauta ESG fosse uma tendência passageira, definitivamente esse não é mais o caso: ela é, em realidade, uma mudança fundamental nas expectativas sociais e empresariais. A interseção entre a pauta ESG e o Direito Tributário destaca a necessidade de uma abordagem integrada para garantir a sustentabilidade e a responsabilidade nas práticas corporativas. À medida que as empresas buscam prosperar em um ambiente global cada vez mais consciente, a compreensão e a aplicação efetiva das nuances entre a pauta ESG e o Direito Tributário tornam-se imperativas para o sucesso de todos a longo prazo.

 


[1] Afinal, a extração pode ser destinada à produção de bens ou serviços necessários à própria promoção da saúde e proteção do meio ambiente.

[2] Disponível em: https://www.worldbank.org/pt/news/opinion/2023/09/05/brasil-reforma-tributaria-atencao-tema-desigualdade

Acesso em 1/12/2023

[3] IPEA – Impactos Redistributivos da Reforma Tributária: estimativas atualizadas.

Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/wp-content/uploads/2023/08/230828_reforma_tributaria_cc_60_nota_18.pdf

Acesso em 1/12/2023

[4] Ibidem.

[5] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/empresas-gastam-1958-horas-e-r-60-bilhoes-por-ano-para-vencer-burocracia-tributaria-apontam-pesquisas.ghtml

Acesso em 1/12/2023.

[6] Disponível em: https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2023/07/contencioso_dfps_x_reforma_vf.pdf

Acesso em 1/12/2023

Autores

  • é doutorando na FGV Direito SP (beneficiário da bolsa Mário Henrique Simonsen), mestre em Dreito Tributário pela PUC-SP, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper e do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV e sócio em Mannrich e Vasconcelos Advogados.

  • é mestra em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP, graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Contabilidade pela Fipecafi, pós-graduada em Gestão Tributária pela Fipecafi, advogada tributarista, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, professora no Insper e na Fipecafi, professora convidada em cursos do IBDT e da Apet e sócia em Mannrich e Vasconcelos Advogados.

  • é graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie., pós-graduado em Direito Societário pelo Insper e advogado tributarista em Mannrich e Vasconcelos Advogados.

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