Opinião

Por que a Orientação Normativa nº 78/2023 da AGU está equivocada?

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6 de dezembro de 2023, 20h37

A Orientação Normativa n° 78 da Advocacia Geral da União, de 28/11/2023, consignou que “o regime jurídico das sanções previstas na Lei nº 14.133, de 2021 não é aplicável aos contratos firmados com base na legislação anterior, nem alterará as sanções já aplicadas ou a serem aplicadas com fundamento na legislação anterior, em respeito à proteção do ato jurídico perfeito”.

Assim, na visão da AGU, as normas de Direito Administrativo sancionador previstas na Nova Lei Geral de Licitações e Contratos (NLGLC) não são aplicáveis às licitações empreendidas e aos contratos celebrados pela administração pública federal com base, por exemplo, na Lei nº 8.666/1993 e na Lei nº 10.520/2002.

A importância da Orientação Normativa nº 78/2023 da AGU é inequívoca, pois a Lei Complementar nº 73, de 1993 deixa claro em seu artigo 11, III que às consultorias jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos ministros de Estado, ao secretário-geral e aos demais titulares de secretarias da Presidência da República e ao chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do advogado-geral da União e aqui, repita-se: apenas e tão somente quando não houver orientação normativa do advogado-geral da União.

A Lei Complementar nº 73/1993 ainda veda aos membros efetivos da Advocacia-Geral da União contrariar orientação técnica adotada pelo advogado-geral da União (artigo 28, II).

No mais, para os agentes públicos sem vinculação à AGU, a Orientação Normativa nº 78/2023 é claramente uma orientação geral nos termos do artigo 24 caput e parágrafo único da Lindb e, tendo sido extraída do Parecer n° 00002/2022/CNLCA/CGU/AGU, traz consigo o ônus da motivação para que deixe de ser aplicada (artigo 50, VII da Lei nº 9.784/1999).

Ou seja, é inegável a importância da Orientação Normativa nº 78/2023 para a administração pública federal.

E como não é incomum ver a presença de orientações da Advocacia-Geral da União sendo agasalhadas em pareceres jurídicos exarados em estados e municípios, um eventual equívoco da Orientação Normativa nº 78/2023 tem um potencial lesivo bastante considerável.

E qual o equívoco (ou os equívocos) da Orientação Normativa nº 78/2023?

Veja, normas sobre (1) a dosimetria das penas (artigo 156, § 1º da NLGLC); (2) a prescrição da pretensão punitiva (artigo 158, § 4º da NLGLC) e (3) o rito processual (artigos 157, 158, 166 a 168 da NLGLC) contidas no regime jurídico das sanções previstas na Lei nº 14.133/2021 são claramente mais benéficas que o regime punitivo consagrado nas Leis 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2011.

As Leis 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2011 não trazem a necessidade de, quando na aplicação das sanções serem considerados, dentre outros fatores, a natureza e a gravidade da infração cometida; as peculiaridades do caso concreto e as circunstâncias agravantes ou atenuantes e muito menos que a prescrição para aplicação de penalidades ocorrerá em cinco anos, contados da ciência da infração pela administração.

Ademais, a NLGLC traz um rito processual mais organizado para a apuração da ocorrência de infrações e para a aplicação de penalidades, prevendo inclusive prazos maiores para os defendentes e recorrentes.

Diante da constatação de que o regime do Direito Administrativo sancionador da Lei nº 14.133/2021 é mais benigno que o estabelecido nas Leis 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2011, é preciso lembrar que o STJ decidiu ser aplicável no âmbito dos processos submetidos ao regime do direito administrativo sancionador o princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica (v.g. RMS 37.031/SP) e que na Rcl 41.557 o STF entendeu que a unidade do jus puniendi do Estado obriga a transposição de garantias constitucionais e penais para o direito administrativo sancionador.

Assim, em tal cenário, por força do princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica está equivocada a Orientação Normativa n° 78 de 28/11/2023 da AGU quando do afastamento das normas do regime jurídico das sanções previstas na Lei nº 14.133/2021 dos contratos firmados com base na legislação anterior.

Diante da pouca probabilidade de uma revisão da Orientação Normativa nº 78/2023 no âmbito da administração pública federal, resta esperar que seu equívoco de ignorar a aplicação do princípio da retroação da norma penal mais benigna não seja reproduzido por estados e municípios.

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