Prática Trabalhista

A nova Lei 14.657/2023 e os atrasos nas audiências trabalhistas

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

31 de agosto de 2023, 8h00

Foi sancionada, sem vetos, a nova Lei nº 14.657, de 23 de agosto de 2023[1], que alterou o artigo 815 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)[2] para permitir que as partes e os advogados se retirem em caso de atraso injustificado das audiências trabalhistas. O texto legal é proveniente do Projeto de Lei nº 1539/2019[3], de autoria do senador Styvenson Valentim, que havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados no mês de maio[4].

De um lado, há época da aprovação da propositura legislativa pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, um dos argumentos do relator foi de que, uma vez aprovado, o projeto estimularia uma maior organização das pautas das audiências trabalhistas[5]. Lado outro, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil participou energicamente junto ao Congresso para aprovar o referido projeto[6].

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Aliás, o artigo 7º, inciso XX, da Lei nº 8.906/1994[7], já continha essa previsão legal no Estatuto da Advocacia ao tratar dos direitos dos advogados. Ainda, o artigo 362, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC)[8], igualmente previa que a audiência poderia ser adiada, "por atraso injustificado de seu início em tempo superior a 30 (trinta) minutos do horário marcado".

Frise-se, por oportuno, que a lei é expressa no sentido de que o atraso deve ser injustificado, e nesse ponto, instaura-se o debate, pois como fazer para distinguir um retardamento fundado, resultante da maioria dos atrasos das audiências, daquele que possa ser considerado injustificável?

Por certo, a temática envolvendo as audiências trabalhistas é, sem dúvida, polêmica, tanto que o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na Coluna Prática Trabalhista, desta ConJur [9], razão pela qual agradecemos o contato.

Com efeito, sabe-se que a discussão em torno dos atrasos nas audiências é um assunto já bastante antigo na Justiça do Trabalho[10], de forma que, mesmo com o juízo 100% digital e as realizações por videoconferência, em tais dias os advogados, por cautela, evitam assumir outros compromissos, afinal, há diversas situações em que as marcações das audiências observam intervalos de 5, 10, 15, 20 minutos, períodos esses que são tidos, na praxe, por insuficientes para a ocorrência sobretudo das audiências de instruções.

Dito isso, impende destacar que a atual legislação trouxe uma nova recomposição do referido dispositivo legal, sendo suprimido o parágrafo único e acrescentado mais três parágrafos[11]. Aliás, o parágrafo primeiro reproduziu o contido no parágrafo único, no qual "se, até 15 (quinze) minutos após a hora marcada, o juiz ou presidente não houver comparecido, os presentes poderão retirar-se, devendo o ocorrido constar do livro de registro das audiências".

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Ora, esses 15 minutos que a lei menciona se referem apenas e tão-somente ao atraso da primeira audiência da pauta do dia. Nesse sentido, com o advento da nova diretriz normativa, o legislador traz a possibilidade de as partes e advogados se retirarem nas audiências em continuidade.

Entrementes, esta tolerância a que se refere a lei é aplicada para a magistratura, não sendo possível estender ao atraso do comparecimento das partes, nos termos da Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 245 do Tribunal Superior do Trabalho (TST)[12].

De mais a mais, a Lei nº 14.657/2023 ainda prevê que "se, até 30 (trinta) minutos após a hora marcada, a audiência, injustificadamente, não houver sido iniciada, as partes e os advogados poderão retirar-se, consignando seus nomes, devendo o ocorrido constar do livro de registro das audiências". Aqui, diferentemente do cenário do atraso de 15 minutos, as audiências já se iniciaram e, entre elas, ocorreu o atraso para o seu início superior a 30 minutos.

Claro está que, independentemente se o atraso ocorreu no início da pauta, ou, ainda, se foi constatado entre as audiências, as partes, por certo, para além de não sofrerem nenhuma penalidade, caso se retirem, deverão ter ainda suas audiências remarcadas para as datas mais próximas possíveis [13].

A propósito, não obstante a nova legislação faça referência ao livro de registro das audiências, fato é que tal documento não existe mais nas varas do trabalho, principalmente após a instauração do processo judicial eletrônico.

Por óbvio que a audiência trabalhista é um dos momentos mais importantes do processo, sendo oportunos os ensinamentos do professor da PUC-SP doutor Adalberto Martins [14]:

"No processo trabalhista a audiência é de extrema importância, fato que decorre dos princípios da concentração e da oralidade, assuntos estudados no capítulo próprio. Nos dissídios individuais a importância da audiência é redobrada, eis que a Consolidação das Leis do Trabalho estabelece cominações processuais no caso de ausência do reclamante ou do reclamado (artigo 844, CLT), o que não ocorre nos dissídios coletivos (artigo 864, CLT).
A Consolidação das Leis do Trabalho foi estruturada para que o dissídio individual fosse solucionado em uma única audiência, mas esse aspecto ficou esquecido, mormente nos grandes centros urbanos, tendo em vista o maior número de reclamações trabalhistas e o aumento do nível de complexidade dos conflitos laborais."

Além disso, é forçoso concluir que, uma vez iniciada a pauta no horário, não há como se considerar injustificados os atrasos que se derem por conta do andamento natural das audiências, que dada a particularidade e complexidade de cada caso, poderá por óbvio atrasar e, de igual sorte, atrasar as demais audiências subsequentes.

Entrementes, talvez seja o caso, até para evitar que nova lei já nasça natimorta, que as audiências trabalhistas sejam marcadas, ao menos, com intervalo de 30 minutos de diferença entre elas, respeitando inclusive a intenção do legislador que, tal como previsto no §2º do artigo 815 da CLT, previu esse interregno mínimo que se ultrapassado injustificadamente, aí sim daria ensejo à redesignação da audiência.

Afinal, é preciso ainda enfatizar que, por muitas vezes, a prova determinante ao processo trabalhista será aquela produzida justamente em audiência de instrução, a partir dos depoimentos de partes e testemunhas, uma vez que prevalece na seara laboral o princípio da oralidade.

Em arremate, é fundamental recordar que o artigo 6º do CPC[15] traz o princípio da cooperação de todos os sujeitos envolvidos no processo, o que compreende partes, advogados e magistrados, razão pela qual todos, sem exceção, devem contribuir para o bom e regular andamento das audiências visando a pacificação dos conflitos e a paz social.

 


[7] Art. 7º São direitos do advogado: (…). XX – retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante comunicação protocolizada em juízo.

[9] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[11] Art. 815 – À hora marcada, o juiz ou presidente declarará aberta a audiência, sendo feita pelo secretário ou escrivão a chamada das partes, testemunhas e demais pessoas que devam comparecer. § 1º  Se, até 15 (quinze) minutos após a hora marcada, o juiz ou presidente não houver comparecido, os presentes poderão retirar-se, devendo o ocorrido constar do livro de registro das audiências. § 2º Se, até 30 (trinta) minutos após a hora marcada, a audiência, injustificadamente, não houver sido iniciada, as partes e os advogados poderão retirar-se, consignando seus nomes, devendo o ocorrido constar do livro de registro das audiências. § 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, a audiência deverá ser remarcada pelo juiz ou presidente para a data mais próxima possível, vedada a aplicação de qualquer penalidade às partes.)

[12] REVELIA. ATRASO. AUDIÊNCIA. Inexiste previsão legal tolerando atraso no horário de comparecimento da parte na audiência. Observação: (inserida em 20.06.2001).

[13] Artigo 815 – (…). § 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, a audiência deverá ser remarcada pelo juiz ou presidente para a data mais próxima possível, vedada a aplicação de qualquer penalidade às partes.

[14] Manual didático de direito processual do trabalho – 9 ed. – Leme-SP: Mizuno, 2022. Página 151.

[15] Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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