Processo Tributário

Compensação tributária e seus parâmetros: o artigo 170 do CTN

Autores

  • Daniel de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário msc. candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) e internacional (IBDT) professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

  • Eduardo de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário MSc candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) conselheiro do CMT (4ª Câmara Julgadora) juiz suplente do TIT professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

27 de agosto de 2023, 8h00

Já tivemos a oportunidade de afirmar que o indébito tributário, cuja constituição ocorre mediante emissão de tutela reparadora na via administrativa ou judicial [1], não se confunde com os instrumentos que conferem efetividade a tal tutela (ou seja, a satisfação do direito à recuperação do indébito tributário) [2].

Após análise do instrumento destinado à satisfação do indébito tributário no ambiente judicial – precatório [3] –, o presente artigo tem como objeto abordar o outro mecanismo que, a depender do ente federativo, pode ou não estar à disposição do sujeito passivo para efetivação da recuperação: a compensação administrativa.

A compensação, enquanto forma de extinção do crédito tributário [4], encontra fundamento no artigo 170 do Código Tributário Nacional, o qual estabelece que "a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública".

A primeira conclusão que se constrói da leitura do referido dispositivo é a de que a compensação depende, necessariamente, de lei regulamentando-a a ser editada pelo respectivo ente federativo, estabelecendo o procedimento, as condições e as garantias para que tal mecanismo de extinção da obrigação tributária seja utilizado pelo sujeito passivo da obrigação tributária.

Como consequência dessa conclusão, tem-se que o reconhecimento administrativo ou judicial do indébito tributário, por si só, não assegura, tampouco autoriza, a utilização da compensação enquanto mecanismo de recuperação do indébito tributário em favor do contribuinte. Assim, a ausência de definição das regras de compensação impede-o que tenha esse instrumento como opção para recuperação do indébito tributário.

É inegável que o sujeito passivo possui direito à recuperação do indébito tributário, já que ao ente federativo não é autorizado enriquecer indevidamente pela imposição de tributos inconstitucionais ou cujo recolhimento tenha sido realizado de maneira equivocada. No entanto, isso não significa dizer que o CTN assegure um direito à compensação, sendo sua instituição definida por critérios de política fiscal de cada ente federativo.

A segunda conclusão que se constrói do dispositivo destacado diz respeito à necessidade de as regras do jogo da compensação serem estabelecidas pelo ente federativo, as quais devem ser preenchidas para que o sujeito passivo possa se valer da compensação administrativa.

Tome-se como exemplo o artigo 73 da Lei federal 9.430/1996 [5], o qual determina que, no âmbito da União, a compensação somente "será efetuada depois de verificada a ausência de débitos em nome do sujeito passivo credor perante a Fazenda Nacional". Trata-se da conhecida "compensação de ofício", a qual condiciona a livre disponibilidade do crédito do sujeito passivo à inexistência de débitos exigíveis por parte da União.

A "compensação de ofício" compreende a adoção das providências de extinção do crédito tributário por iniciativa do fisco federal, quando o contribuinte assume a condição de credor e devedor da União.

Ainda que se reconheça normativamente a legitimidade dessa iniciativa, está ela submetida a limites, mas que, vejam, não estão jungidos a um suposto direito subjetivo à compensação – o qual, como destacamos, inexiste –, mas decorrem de outras regras específicas de direito tributário.

Nesse tocante, o conteúdo do parágrafo único do artigo 73 da Lei 9.430/96 (incluído pela Lei nº 12.844/13), o qual estabelecia que a "compensação de ofício" poderia ser promovida na hipótese de débitos parcelados pelo contribuinte sem garantia, merece ser abordado. Essa disposição permitia que o fisco federal realizasse a compensação de ofício de débito parcelado sem garantia, subordinando a eficácia plena da hipótese de suspensão do crédito tributário "parcelamento" (CTN – artigo 151, VI) a condição não prevista em lei complementar.

Justamente porque há limites positivados no direito tributário, no julgamento do recurso extraordinário nº 917.285/SC, realizado sob a sistemática da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade da expressão “parcelados sem garantia”, sob o fundamento de que "o art. 151, VI, do CTN, ao prever que o parcelamento suspende a exigibilidade do crédito tributário, não condiciona a existência ou não de garantia", de maneira que a compensação de ofício nessa hipótese (a do parcelamento não garantido) não poderia jamais se consumar.

O exemplo demonstra a importância de analisarmos as condições em que a compensação possa ser concretizada, não sob a perspectiva do instituto em si, mas, em verdade, em razão do contexto em que se encontram inseridas (as condições) no âmbito do ordenamento jurídico.

A terceira conclusão que deriva do dispositivo em análise é a de que o crédito do contribuinte passível de ser utilizado mediante compensação não decorre, necessariamente, de um pagamento indevido. Com efeito, de acordo com o artigo 170 do CTN, os créditos compensáveis são aqueles que sejam "líquidos e certos, vencidos ou vincendos".

Nessa perspectiva, além de ser compreendido o artigo 170 do CTN como um instrumento que promove a satisfação do indébito tributário, também se traduz como um mecanismo facilitador da monetização [6] de um crédito detido pelo sujeito passivo contra a fazenda pública.

Sobre o tema, vale destacar o artigo 16 da Lei 11.116/2005, cuja literalidade estabelece a possibilidade de compensação do saldo credor de PIS/Cofins não-cumulativo, acumulado ao final de cada trimestre do ano-calendário em razão de saídas efetuadas em condições específicas [7], com débitos de outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Na situação instituída pela referida legislação federal, não se tem um crédito constituído mediante tutela reparadora, mas sim, um crédito decorrente da sistemática não-cumulativa de um tributo, que se acumulou em razão de os débitos mensais serem inferiores aos créditos apropriados pela pessoa jurídica.

Os créditos da não-cumulatividade não se confundem com o crédito que nascido do indébito tributário; o primeiro decorre de lei, o segundo por comprometimento patrimonial indevido e assim reconhecido (judicial ou administrativamente), o que, entretanto, não foi tido como óbice à legislação federal para autorizar a compensação do saldo credor com débitos do sujeito passivo.

No exemplo citado, está-se diante de um crédito "líquido e certo" (valendo-se dos termos utilizados pelo artigo 170 do CTN), pois devidamente escriturado e apurado em função da legislação aplicável, o que expõe o cumprimento das condições estabelecidas em lei e, por isso, passível de ser "recuperado" mediante compensação.

Essas hipóteses apresentadas são confirmatórias de que, ao menos em âmbito federal, o artigo 170 do CTN é eficiente mecanismo à disposição do sujeito passivo para recuperação de seus créditos, assumam eles a natureza de pagamento indevido ou de direitos creditórios assegurados normativamente.

 


[4] Artigo 156, II, do CTN.

[5] Em idêntico sentido, citam-se os seguinte dispositivos: artigo 7º do Decreto-Lei nº 2.287/1986, com a redação dada pela lei federal 11.196/2005 e artigo 3° do Decreto nº 2.138/1997 (decreto esse que regulamentou os artigos 73 e 74 da lei federal 9.730/1996).

[6] Para os fins do presente artigo, entende-se por monetização a possibilidade de o sujeito passivo ser beneficiado pelos efeitos econômicos de um crédito independentemente do seu efetivo recebimento em moeda fiduciária. No presente caso, a monetização consiste em utilizar determinado crédito para extinguir um débito que possui com a Fazenda Pública.

[7] Suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência; insumos utilizados na produção de bens e/ou serviços exportados

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  • é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário, msc. candidate em Blockchain e Digital Currency pela University of Nicosia, especialista em Direito Tributário Nacional (PUC) e Internacional (IBDT), professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu, pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e Advogado em São Paulo.

  • é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário, MSc candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia, especialista em Direito Tributário nacional (PUC), conselheiro do CMT (4ª Câmara Julgadora), juiz suplente do TIT, professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu, pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

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