Tribunal do Júri

Os efeitos da colaboração premiada no Tribunal do Júri (parte 2)

Autores

  • Marcos Paulo Dutra Santos

    é defensor público do estado do Rio de Janeiro e mestre em Direito Processual pela Uerj.

  • Denis Sampaio

    é defensor público titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa (Portugal) mestre em Ciências Criminais pela Ucam-RJ investigador do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Lisboa membro consultor da Comissão de Investigação Defensiva da OAB-RJ membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros professor de Processo Penal e autor de livros e artigos.

  • Gina Ribeiro Gonçalves Muniz

    é defensora pública do estado de Pernambuco e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra.

12 de agosto de 2023, 8h00

Na semana passada, iniciamos a análise da colaboração premiada no Tribunal do Júri, fixando dois pontos como premissa básica para o debate: 1º) não há qualquer vedação à aplicação da colaboração premiada no procedimento do júri; 2º) eventual acordo de colaboração premiada não afasta ou suprime a competência constitucional do júri para julgar os crimes dolosos conta a vida e os seus conexos.

Spacca
A partir destas premissas, alguns efeitos da colaboração no júri devem ser devidamente pontuados.

O primeiro aspecto a ser verificado consiste na possibilidade de a colaboração ocorrer ainda na primeira fase do procedimento do júri. Disso pouco se discute, em virtude da ausência de vedação legal. Mas, nesta seara, haveria um momento limítrofe ao implemento da cooperação?

Depende do teor. Caso envolva resultados prontamente verificáveis — v.g. em um processo envolvendo homicídios pretensamente perpetrados por grupos de extermínio, informações que revelem o local onde estariam enterradas as vítimas, e, por conseguinte, delitos de ocultação de cadáver; previnam o cometimento de novas execuções, e/ou identifiquem onde estariam armazenadas as armas utilizadas pelo grupo e parte da receita auferida (artigo 4º, I, parte final, III e IV da Lei nº 12.850/13) — a colaboração pode ser implementada enquanto não lançado o juízo de (in)admissibilidade da acusação, inclusive em sede de alegações finais, considerada a expressividade dos potenciais resultados, de aferição instantânea. Contudo, impende reconhecer se tratar de quadra raríssima.

Spacca
Se as informações disponibilizadas pelo colaborador estiverem relacionadas à prova do crime em si, notadamente da autoria delitiva, a cooperação há de ser lançada até o interrogatório ao final da primeira fase, reabrindo-se o contraditório aos delatados. Todavia, não se pode tolher do acusado colaborador essa opção defensiva, compatibilizando, assim, o direito de defesa de todos os envolvidos, mesmo porque convém lembrar que a cooperação mostra-se possível mesmo após a condenação (artigo 4º, §5º da Lei 12.850/13). Esse cenário sequer é estranho ao ordenamento pátrio, na medida em que o artigo 8º, parágrafo único da Lei nº 9.296/96 autoriza a anexação dos autos da interceptação telefônica (e, por extensão, da captação ambiental, a teor do artigo 8º-A, §5º da Lei nº 9.296/96) aos autos do processo, quando a ele incidental, até a fase das alegações finais, oportunizando ao réu rebater o apurado [1]. A identidade de razões avulta, por ser a captação, à semelhança da colaboração premiada (artigo 3º-A da Lei nº 12.850/13, meio de obtenção de prova.

Excepcionalmente, pode o juiz, ante a expressividade da colaboração, conceder ao colaborador o perdão judicial. À semelhança da absolvição sumária, possível apenas em casos assertivos de inexistência da conduta, negativa de autoria, atipicidade ou excludentes da ilicitude ou da culpabilidade (artigo 415 do CPP), a cooperação prestada há de ser extraordinária para ter, como contrapartida, o perdão judicial ainda na primeira fase. Saliente-se, todavia, ser indiscutível o seu implemento, afinal, enquanto causa de extinção da punibilidade (Súmula 18 do STJ), a cognoscibilidade pelo juízo é indiscutível, mesmo de ofício, a teor do artigo 61, caput, do CPP.

Em se tratando de crimes dolosos contra a vida consumados, a fulminar o bem jurídico de envergadura maior do ordenamento, o perdão judicial pelo juiz mostra-se desproporcional à luz da vedação à proteção deficiente, independentemente da tipificação. Apenas ao Conselho de Sentença, do alto da sua soberania (artigo 5º, XXXVIII, c da CRFB/88), caberá fazê-lo.

Em regra, portanto, o delator será pronunciado, mesmo porque é o Conselho de Sentença o destinatário da colaboração, a quem compete mensurar a sua eficácia, nos termos do §11 do artigo 4º da Lei nº 12.850/13. Rememore-se que o juiz não pode, na pronúncia, assentar causas de diminuição de pena, conforme explicita o artigo 7º da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal, reiterado pelo artigo 413, §1º do CPP, propositalmente silente a respeito.

Recusada a homologação, tem-se decisão com força de definitiva, inatacável por meio de recurso em sentido estrito, logo, cabe apelação, com lastro no artigo 593, II do CPP [2]. Pode-se pensar no habeas corpus em casos de rejeição liminar, estribada em mero juízo de inadmissibilidade em abstrato (v.g. inviabilidade apriorística da cooperação premiada no Tribunal do Júri), porque se veicularia debate estritamente jurídico, sem revolver o exame acerca da fiabilidade da almejada colaboração, que não raro extrapolaria o limite cognitivo mais estreito da impetração. Registre-se que esse indeferimento descarta a opção eleita pelo (potencial) delator e seu defensor, cerceando o direito de defesa e descartando a possibilidade de minoração da pena ou mesmo de evitá-la via perdão judicial, sendo unívoco o impacto na liberdade, a justificar o writ.

Inexiste tampouco óbice ao acertamento da colaboração ao longo da segunda fase do júri em desfavor dos pronunciados. O delator, enquanto imputado que também é, não pode ser tolhido de delatar, por ser ato integrante da sua autodefesa.

O Tribunal do Júri é composto pelo juiz-presidente e jurados. Pensamos que o juiz-presidente tem competência para homologar a colaboração, relegando-se aos jurados a apreciação dos seus efeitos. A robustecer nosso entendimento, ressaltamos o posicionamento jurisprudencial de que, nos casos de competência originária de tribunais — órgãos jurisdicionais colegiados, a competência para a homologação de acordo de colaboração premiada, é do desembargador/ministro relator, mediante decisão monocrática, cabendo ao colegiado, em momento posterior, o exame de eficácia da colaboração.

A decisão homologatória do acordo de colaboração premiada restringe-se à declaração de que foram preenchidos os requisitos legais. Não obstante, o juiz-presidente deve ter rigor maior quando da homologação (ou não) do acordo, porque já superada a filtragem inerente à pronúncia. E, diante do risco, sempre presente, de burla ao §16 do artigo 4º da Lei nº 12.850/13, a fim de evitar veredictos condenatórios potencialmente sugestionados por delações vazias, o juiz-presidente, antes de chancelá-las, deve dispensar rigor maior com a observância ao §4º do artigo 3º-C da Lei nº 12850/13, segundo o qual "incumbe à defesa instruir a proposta de colaboração e os anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração".

De todo modo, não se pode olvidar que os delatados já foram pronunciados, presumindo-se a presença de indícios de autoria, amparada em elementos probatórios concretos, do contrário, teriam sido, no mínimo, impronunciados. O acordo de cooperação vem, na realidade, para robustecer o acervo probatório. Logo, para se distanciar da mera confissão, sempre à disposição de qualquer réu, carece de um plus, sem o qual a pretendida homologação há de ser indeferida.

Na segunda fase teríamos uma outra questão de extrema relevância: o acordo homologado deve ser objeto de quesitação?

Existindo acordo de colaboração premiada previamente entabulado, ou não (delação premial unilateral), a defesa do delator, ante as declarações pelo próprio prestadas e demais atos cooperativos implementados no curso do processo, pode, em plenário, pugnar pela "absolvição" ao Conselho de Sentença no quesito genérico previsto no artigo 483, III do CPP, apontando os resultados alcançados a partir da delação. Logrando êxito, o veredicto absolutório não se mostrará contrário à evidência dos autos, afinal, houve a delação, tendo os jurados soberania para valorá-la e absolver o acusado no quesito genérico, equivalendo ao perdão judicial, expressamente previsto como benesse, não com lastro no artigo 8º, parágrafo único da Lei nº 8.072/90, que prevê somente a redução penal, de 1 a 2/3, mas com arrimo no artigo 13 da Lei nº 9.807/99 [3].

Ponto de consequência se inclina à defesa do colaborador defender causa de diminuição de pena, ante a cooperação prestada ao longo do processo. Esse pleito defensivo do réu colaborador corresponderá ao quesito versado no inciso V do artigo 483 do CPP, referente às causas de diminuição de pena, porque assim se enquadrará a colaboração, haja vista não só o citado artigo 8º, parágrafo único da Lei nº 8072/90, como o artigo 14 da Lei nº 9.807/99. O quantum do redutor, de 1 a 2/3, quem elege, entretanto, é o juiz-presidente.

Ressalvamos que a competência fica reservada ao Conselho de Sentença por ser o destinatário da prova, a quem compete aferir o quão efetiva foi a colaboração, notadamente se é merecedora da premiação.

Por outro lado, e reservado à natureza da própria colaboração, os delatados, a seu turno, poderão buscar esvaziar as declarações do réu colaborador. Mais um efetivo de aferição probatória que segue nos debates travados entre as partes em plenário. Destaca-se que, por analogia ao artigo 4º, §10-A da Lei nº 12.850/13, a defesa do réu delator deve se pronunciar após a defesa do colaborador, em deferência ao contraditório e à plenitude de defesa (artigo 5º, LV, da CRFB/88), afinal a fala deste adere à tese acusatória, reforçando a necessidade de maior esforço defensivo à sua função de refutabilidade quanto à imputação.

Diversas e complexas questões ainda deverão ser objeto de análise quanto a esse novo instituto na secular ambiência do júri. Debates teóricos e práticos nos fornecerão, ainda, mais temas tortuosos. Ficaremos atentos aos novos pontos para futuras reflexões.

 


[1] SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Comentários ao Pacote Anticrime. 2ª edição. Rio de Janeiro: Método. 2022, p.352.

[2] STJ, REsp n. 1.834.215/RS, relator ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 27/10/2020.

[3] SANTOS, Marcos Paulo Dutra, Colaboração (Delação) Premiada. 4ª edição. Salvador: JusPodivm. 2020, p.276.

Autores

  • é defensor público do Estado do Rio de Janeiro e mestre em Direito Processual pela UERJ.

  • é defensor público, titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa (Portugal), mestre em Ciências Criminais pela Ucam-RJ, investigador do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Lisboa, membro consultor da Comissão de Investigação Defensiva da OAB-RJ, membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros e professor de Processo Penal e autor de livros e artigos.

  • é defensora pública do Estado de Pernambuco e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!