Contra o Supremo

TJ-SP nega indenização a fotógrafo ferido em manifestação de rua

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26 de abril de 2023, 12h39

Por unanimidade, a 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou um pedido de retratação e manteve decisão que isenta o Estado de São Paulo de indenizar o fotógrafo Sérgio Silva, que perdeu o olho esquerdo ao ser atingido por uma bala de borracha que teria sido disparada pela Polícia Militar enquanto cobria uma manifestação em junho de 2013.

Tabata Viapiana/ConJur
Tabata Viapiana/ConJurFotógrafo Sergio Andrade da Silva aguarda julgamento no TJ-SP

O caso já havia sido julgado em novembro de 2017, quando a indenização foi negada pelo TJ-SP, mas voltou ao tribunal paulista após o Supremo Tribunal Federal decidir pela responsabilidade do Estado em um caso semelhante. Com isso, o processo de Silva foi pautado, inicialmente, para o dia 29 março.

O relator, desembargador Rebouças de Carvalho, manteve seu posicionamento de que não há nexo de causalidade entre a conduta do Estado e o dano causado ao fotógrafo. "Em que pese a dor e o sofrimento experimentados pelo autor, não ficou demonstrado que a lesão decorreu de uma arma de efeito moral disparada por um policial militar", disse.

Segundo o magistrado, o laudo pericial foi inconclusivo quanto ao tipo de objeto que atingiu o olho de Silva, "podendo ser pedra, pau, taco ou até mesmo projéteis disparados por agentes públicos". Carvalho disse que, sem essa comprovação, não é possível responsabilizar o Estado pelo dano, "mesmo que a situação dos autos seja dramática".

O segundo juiz, desembargador Décio Notarangeli, disse que a tese fixada pelo Supremo no Tema 1.055 exige prova do nexo causal entre a conduta estatal e o resultado danoso: "Neste caso, não há prova do nexo de causalidade. O ferimento é gravíssimo e está demonstrado, mas não ficou provado que a lesão foi causada por um agente policial."

Por isso, Notarangeli afirmou que o caso de Silva é diferente daquele julgado pelo STF e que resultou no Tema 1.055. O terceiro juiz, desembargador Oswaldo Luiz Palu, foi na mesma linha e afirmou que o Tema 1.055 diz que a responsabilidade do Estado é objetiva “somente se a vítima for ferida por agente público”, o que ele não verificou na hipótese dos autos.

O advogado Maurício Vasques, que representa o fotógrafo, lamentou a decisão do TJ-SP e disse que caberia ao Estado afastar o nexo de causalidade, ou seja, o Estado deveria provar que o objeto que atingiu o olho de Silva não foi uma bala de borracha disparada por um policial militar. 

"Quem tem que garantir a segurança do jornalista que cobre um protesto é o Estado. Se o jornalista for ferido, cabe ao Estado demonstrar que a arma era de terceiro ou que houve uma agressão praticada por terceiro, não por agente público. No caso, o Estado não se desincumbiu dessa responsabilidade", afirmou.

Culpa da vítima
Sérgio Silva perdeu o olho esquerdo ao ser atingido por uma bala de borracha que teria sido disparada pela Polícia Militar enquanto cobria uma manifestação em junho de 2013. Na Justiça, ele pediu indenização de R$ 1,2 milhão, referentes aos danos moral, estético e material. Além disso, pediu pensão mensal de R$ 2,3 mil, acrescido de R$ 316 para custeios médicos.

Mas, em 2016, o juiz Olavo Zampol Júnior, então titular da 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, negou o pedido de indenização e culpou o fotógrafo por ter levado o tiro. Silva teria, segundo o juiz, se colocado "em situação de risco" porque se posicionou entre os policiais e os manifestantes para registrar o protesto. 

O magistrado criticou a conduta de Silva e afirmou que "alguns jornalistas buscam dar visibilidade à sua condição (de profissional da imprensa) em meio ao confronto ostentando coletes com designação disso, e mais recentemente, coletes à prova de bala e capacetes", o que não foi o caso do fotógrafo.

Em 2017, a mesma 9ª Câmara de Direito Público afastou a culpa exclusiva da vítima, mas isentou o Estado de pagar a indenização. Na ocasião, Rebouças de Carvalho disse que não bastava a demonstração do dano, sendo imprescindível, para a condenação do Estado, a clara comprovação de que o agente público tenha produzido o dano.

"A situação posta nos autos é dramática e, infelizmente, de consequências desastrosas para o autor, mas não é possível desvendar se o objeto que atingiu seu olho esquerdo fora realmente um projétil de bala de borracha", afirmou o desembargador.

STF vira o jogo
Em 2021, ao julgar um caso semelhante de fotógrafo ferido em protesto, o STF decidiu que o Estado tem responsabilidade pelo dano. A corte analisou um processo movido pelo fotógrafo Alex Silveira, que perdeu 85% da visão de um olho durante a cobertura de uma greve de professores em São Paulo, no ano 2000. 

Assim como no caso de Silva, Silveira também teve o pedido de indenização negado pela Justiça paulista, que o culpou pelo ferimento. Os ministros da Suprema Corte criticaram tal posicionamento. A ministra Cármen Lúcia qualificou como "quase bizarro" culpar o fotógrafo por ter levado um tiro. 

O então ministro Marco Aurélio acrescentou que o TJ-SP "violou o direito ao exercício profissional", e que, ao atribuir ao fotógrafo a responsabilidade pelo dano, "endossou ação desproporcional das forças de segurança durante eventos populares".

O ministro Luís Roberto Barroso ressaltou que, pelo fato de a cobertura de uma manifestação ser de interesse público, é dever do Estado proteger os profissionais de imprensa. "O jornalista não estava lá correndo o risco em nome próprio, ele estava lá correndo o risco pelo interesse público. E todos nós temos o interesse de saber o que está acontecendo em uma manifestação", disse.

O ministro Alexandre de Moraes, relator, classificou como cerceamento à liberdade de imprensa a exigência aos jornalistas para que abandonem a cobertura de protestos. Maior do que o risco que o fotógrafo assumiu ao cobrir a manifestação, segundo Moraes, seria "o Poder Judiciário entender que a cobertura jornalística não tem nenhuma proteção".

Com isso, o estado de São Paulo foi condenado a indenizar Alex Silveira e o STF determinou o retorno do caso de Sérgio Silva ao TJ-SP para readequação do julgamento à nova tese (Tema 1.055). Para o advogado Maurício Vasques, o caso é emblemático na luta pela liberdade de imprensa e por ações mais responsáveis e equilibradas das polícias ao lidar com manifestações de rua. 

"O próprio STF deu o caminho para o TJ-SP rever a decisão de 2017. Antes, o profissional de imprensa precisava provar que não se colocou em risco. Agora, é o Estado quem tem que provar ter buscado salvaguardar a integridade de fotógrafos, cinegrafistas e jornalistas que realizam a cobertura. E as imagens do dia e a quantidade de munição utilizada, bem como o fato de nenhum policial daquele batalhão ter se ferido, mostram que a letalidade veio de um lado só", disse.

Processo 1006058-86.2013.8.26.0053

*Texto atualizado Às 13h07 de 26/4/2023 para correção de informações. Diferentemente do que foi inicialmente informado, o julgamento foi concluído, e não suspenso por pedido de vista.

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