divergência vencida

Nunes Marques e Mendonça veem STF incompetente para julgar bolsonaristas

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25 de abril de 2023, 11h03

Os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, divergiram dos demais no julgamento sobre o recebimento das primeiras primeiras cem denúncias contra os bolsonaristas envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. No entendimento da dupla, a corte é incompetente para aceitar as denúncias, e ambos votaram pelo envio dos autos à Justiça Federal do Distrito Federal.

Tiago Angelo/ConJur
Bolsonaristas invadiram e depredaram Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiroTiago Angelo/ConJur

Todos os outros ministros se manifestaram a favor de receber as denúncias da Procuradoria-Geral da República. O julgamento virtual, iniciado na última terça-feira (18/4), terminou nesta segunda-feira (24/4), mas já tinha maioria desde a última quinta (20/4).

Contexto
Preliminarmente, Kassio e Mendonça consideraram que o STF não poderia processar as denúncias, pois, segundo eles, não haveria conexão com outros casos que tramitam na corte e os cem acusados não têm foro especial por prerrogativa de função.

As denúncias estão em dois inquéritos. 50 delas se referem a instigadores dos atos, que estiveram acampados em frente ao Quartel-General do Exército na capital federal até o dia 9 de janeiro. As outras 50 dizem respeito a autores intelectuais e executores, que efetivamente praticaram os atos de vandalismo e destruição do patrimônio público.

No inquérito relativo aos bolsonaristas que incentivaram os ataques, as acusações eram de associação criminosa e incitação pública à animosidade das Forças Armadas contra os poderes constitucionais.

Já no outro inquérito, as denúncias eram pelos delitos de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima.

Para além da questão preliminar, Kassio também votou contra receber as denúncias, por considerá-las ineptas. No primeiro inquérito, ele também entendeu que elas não tinham justa causa. Já no segundo inquérito, ele rejeitou apenas as acusações de associação criminosa armada e golpe de Estado.

Por outro lado, Mendonça, caso superada a questão da competência, votou por rejeitar todas as denúncias contra os bolsonaristas do acampamento, mas receber as 50 denúncias contra aqueles que invadiram os prédios dos Três Poderes.

Kassio e os acampados
Indicado ao STF pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2020, Nunes Marques não identificou circunstâncias concretas que pudessem atrair a competência do caso à corte por conexão ou continência.

Segundo ele, não houve demonstração de que as infrações foram praticadas em concurso de pessoas com investigados detentores de foro no Supremo. Também não foi comprovado que os denunciados tentaram facilitar ou ocultar outras infrações investigadas em outros inquéritos, nem mesmo obter impunidade ou vantagem em relação a elas. Por fim, não foi apontada a influência da prova dos crimes das denúncias na produção da prova das infrações investigadas em outros inquéritos.

Para o ministro, não se pode estabelecer "conexão probatória fundada em presunção abstrata ou ilação" sem apontar vínculo entre os fatos das denúncias e dos inquéritos instaurados contra detentores de foro privilegiado. A jurisprudência do STF vêm desmembrando inquéritos e ações penais em situações do tipo.

Afora a incompetência da corte, Nunes Marques verificou que o Ministério Público Federal não demonstrou qual e como teria sido a participação dos denunciados nas condutas criminosas.

No primeiro inquérito, ele afirmou que "as denúncias partem de meras ilações, com fotos e descrições das atividades desenvolvidas no acampamento em frente ao Quartel-General de Brasília, sem apontar nenhum comportamento concreto dos denunciados que pudesse dar suporte a tal acusação".

Fellipe Sampaio /SCO/STF
Kássio Nunes Marques divergiu dos colegas quanto ao recebimento das denúnciasFellipe Sampaio/SCO/STF

De acordo com o magistrado, as denúncias do primeiro inquérito narraram de forma genérica a gravidade abstrata dos delitos, mas não evidenciaram um mínimo de conexão entre as atividades identificadas no acampamento e as condutas dos acusados.

"A acusação conclui apenas que eles estavam no acampamento do Quartel-General e, tão somente por se encontrarem naquele ambiente, teriam anuído com os atos alegadamente criminosos que lhes foram imputados na denúncia", assinalou.

Ele ainda disse que as investigações não reuniram "um suporte probatório mínimo", pois não trouxeram indícios suficientes de autoria. As próprias denúncias apontaram a necessidade de diligências complementares para identificar os autores dos delitos.

Na visão de Kassio, não se pode presumir que todos os acampados mantinham um "vínculo associativo, com certa estabilidade", para cometer crimes. "Embora pudesse haver, no acampamento, pessoas com o perfil sustentado pelo MPF, que reivindicavam um golpe de Estado, havia, também, inúmeras pessoas, inclusive famílias com crianças, que lá se manifestavam na defesa de outras pautas que não se caracterizam como atos ilícitos."

Kassio e os invasores
No segundo inquérito, Nunes Marques também constatou alegações genéricas. "As iniciais acusatórias seguem a linha genérica de sustentar que cada denunciado seria membro da turba que ingressou nas sedes do Congresso e do Palácio do Planalto, como se todas as pessoas presas nessas sedes ou em suas imediações tivessem, indistintamente, realizado ou concorrido, com dolo, para a realização dos atos de vandalismo e cometido os crimes", afirmou.

Segundo o ministro, há a possibilidade de verificar filmagens dos ambientes dos prédios para identificar precisamente os responsáveis e apontar individualmente suas condutas em cada uma das sedes.

Embora tenha reconhecido o vício formal das denúncias, o magistrado constatou "materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria" da prática dos crimes de dano qualificado contra o patrimônio da União, deterioração de patrimônio público tombado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Ele se baseou principalmente nos relatos de testemunhas.

"Os graves atos de destruição do patrimônio público perpetrados pelos acusados chegaram a restringir, isto é, a cercear, em certa medida, o regular exercício das funções inerentes aos poderes constitucionais, em razão da necessidade de recomposição do patrimônio destruído para que houvesse o retorno ao desempenho de suas respectivas competências", indicou.

Já quanto aos delitos de associação criminosa e golpe de Estado, Nunes Marques também entendeu que as investigações não reuniram provas suficientes, já que a acusação sequer analisou as imagens dos ambientes vandalizados. As próprias denúncias indicavam a necessidade de novas diligências.

Pela mesma lógica do outro inquérito, o ministro considerou impossível presumir que todos os bolsonaristas presos nos prédios invadidos ou nas imediações mantinham um vínculo para cometer delitos.

Ele também não viu indícios de que os denunciados tentaram depor violentamente o governo. Para o magistrado, é preciso verificar quais condutas causaram uma ameaça real ao governo e quais agentes efetivamente empregaram violência ou grave ameaça.

Carlos Moura/SCO/STF
André Mendonça também divergiuCarlos Moura/SCO/STF

Votos de Mendonça
Indicado ao STF por Bolsonaro em 2021, Mendonça também entendeu que as investigações não se relacionam com detentores de foro especial — que, até o momento, sequer foram denunciados em outros inquéritos.

"O que se tem é a atração da competência originária desta corte, para que pessoas sem foro por prerrogativa de função sejam aqui julgadas originariamente, fora das hipóteses previstas na Constituição e da jurisprudência consolidada desta Suprema Corte. Com a devida vênia, há um evidente desrespeito ao princípio do juiz natural", disse.

No primeiro inquérito, ele também não constatou individualização suficiente das condutas. Para o magistrado, a narrativa da acusação "pressupõe, sem comprovação, uma absoluta uniformidade e homogeneidade" entre todos os bolsonaristas acampados e implica uma "responsabilização objetiva dos denunciados", o que "é vedado pelo ordenamento jurídico e pena doutrina penal".

O ministro ressaltou que os acampamentos existiram em diversos lugares do país durante meses, sem que os poderes públicos municipais, estaduais ou federal os coibissem. "É como se estar no acampamento até 8 de janeiro fosse permitido e, após, tivesse se tornado criminoso", assinalou.

Já no segundo inquérito, superado seu entendimento pela incompetência do STF, Mendonça considerou que os fatos foram "suficientemente narrados" e que as denúncias atenderam aos requisitos necessários.

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