Tribunal do Júri

As circunstâncias agravantes e atenuantes no procedimento do júri

Autores

  • Paloma Copetti

    é trainee da área criminal no escritório Faucz Santos & Advogados Associados aluna do 9º período do curso Law Experience — Direito Integral da FAE Centro Universitário e membro do Nupejuri (Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri).

  • Rodrigo Faucz Pereira e Silva

    é advogado criminalista habilitado no Tribunal Penal Internacional (em Haia) pós-doutor em Direito (UFPR) doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG) mestre em Direito (UniBrasil) e coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI.

8 de abril de 2023, 8h00

Após a decisão de condenação do acusado, a fase da dosimetria da pena constitui o momento em que a sanção adequada é calculada, como forma de respeito ao princípio da individualização da pena. No âmbito do tribunal do júri, algumas considerações precisam ser tecidas, eis que o procedimento bifásico traz algumas particularidades.

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No julgamento em plenário, findo os debates, inicia-se a fase de quesitação, onde se extrai a decisão dos jurados [1]. Com base no que for decidido pelo Conselho de Sentença, o juiz presidente proferirá a sentença. Aqui, há de se falar especificamente da sentença condenatória: nessa hipótese, importante destacar que algumas matérias são de competência do magistrado e outras dos jurados.

Para a formulação da sentença condenatória, o sistema trifásico da dosimetria da pena pressupõe inicialmente considerar as circunstâncias judiciais (artigo 59, CP) para fixação da pena base; em seguida — na segunda fase —, sobre a pena anteriormente estabelecida são ponderadas as circunstâncias legais (atenuantes e agravantes), determinando, então, a pena provisória; e na terceira e última fase, sobre a pena provisória definida na fase precedente, chega-se à pena definitiva sopesando-se as causas de diminuição ou de aumento de pena, previstas tanto na Parte Geral como Especial do Código Penal.

Em se tratando de crimes dolosos contra a vida, caberá ao Conselho de Sentença: (a) a tipificação do delito (como, por exemplo, quando for sustentada tese de desclassificação); (b) o reconhecimento de causas de aumento e de diminuição; e (c) a decisão sobre as qualificadoras, as quais, alteram o parâmetro punitivo do crime. Em outro diapasão, caberá ao juiz presidente decidir sobre as circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP [2] ("independentemente de qualquer resposta dos jurados" [3]) e as agravantes e atenuantes que tiverem sido sustentadas pelas partes em plenário [4].

Sobre esta última atribuição do magistrado, há de se adentrar em um dos pontos de discussão sobre o procedimento do tribunal do júri: pode o juiz presidente aplicar circunstância agravante ou atenuante que não fora pleiteada pelas partes nos debates em Plenário?

Apesar de parte da doutrina alegar que, havendo inércia da acusação e da defesa quando da arguição de circunstância agravante ou atenuante nos debates orais, não há a possibilidade de o juiz aplicar tais circunstâncias de ofício, sugerimos fazer uma ponderação à luz da Constituição. Isto pois, em consideração à plenitude de defesa e ao contraditório, apenas as agravantes que tenham sido sustentados pela acusação em plenário — dando conhecimento e oportunidade de rebater —, podem ser objeto de análise pelo magistrado. Aliás, Badaró defende que, em respeito às garantias constitucionais, apenas se autorizaria o reconhecimento das agravantes caso estivessem descritas na denúncia, respeitando-se a exigência disposta no artigo 41 do CPP, que determina que na denúncia ou queixa conste a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, estando aqui incluídas as circunstâncias agravantes [5].

Em outro lado estão as circunstâncias atenuantes, as quais, por muitas vezes, sequer são objeto de discussão nos debates, mas que decorrem da realidade posta no processo e na sessão plenária. É o caso, por exemplo, da confissão do acusado em interrogatório. O Superior Tribunal de Justiça possui diversos precedentes no sentido de viabilizar a aplicação de ofício da atenuante quando esta for invocada pelo próprio acusado, ainda que não seja objeto de arguição da defesa nos debates orais: "O juiz presidente deve considerar como 'alegada nos debates' ou 'debatidas em Plenário' tanto a defesa técnica quanto a autodefesa realizada pelo acusado no momento do interrogatório, de forma que ambas são legítimas para ensejar o reconhecimento de atenuantes e agravantes. 4. A atenuante prevista no artigo 65, III, 'd', do Código Penal, deve ser aplicada em favor do condenado ainda que a sua confissão somente corrobore a autoria delitiva já evidenciada pela prisão em flagrante delito" (STJ, HC 161.602/PB, relator ministro Gurgel de Faria, j. em 18/11/2014)[6].

A doutrina, indo além, também se debruça sobre o tema. Nereu Giacomolli explica que "situação importante diz respeito à presença de circunstâncias atenuantes não sustentadas em plenário. Plenitude defensiva, prevista constitucionalmente, autoriza o magistrado a reconhecê-las de ofício, não sendo necessário dissolver o Conselho de Sentença e nem anular o julgamento, porque se trata de matéria de aplicação da pena" [7].

Outro argumento a ser analisado, refere-se aos casos de alta complexidade (aqueles com uma grande quantidade de acusados ou de delitos a serem julgados). Nestes maxiprocessos, o tempo de sustentação oral da defesa pode ser insuficiente para abarcar todas as teses ou explicar todas as circunstâncias. Assim, inviabilizar ao magistrado o reconhecimento de atenuantes não sustentadas em plenário, viola a plenitude de defesa, do contraditório e o devido processo legal.

Nestas linhas iniciais sobre o assunto, apontamos a necessidade de questionar: o fato de o Código de Processo Penal prever que o juiz presidente, quando da elaboração da sentença condenatória, deve avaliar as agravantes e atenuantes que tenham sido sustentadas em plenário, impossibilita o reconhecimento das atenuantes que faticamente existam no processo? Em nossa concepção, apenas uma resposta negativa é compatível com o sistema de proteção constitucional.

 


[1] PEREIRA E SILVA, Rodrigo Faucz; AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de. Manual do Tribunal do Júri, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. P. 445

[2] Código Penal. "Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime"

[3] FILHO, Antonio; TORON, Alberto; BADARÓ, Gustavo. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

[4] Código de Processo Penal. "Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: (…) b) considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates;"

[5] "A possibilidade de a acusação sustentar nos debates circunstância agravante não prevista na pronúncia não pode significar, porém, a possibilidade de se inovar em relação à denúncia, sob pena de clara lesão à garantia do contraditório e da ampla defesa. Admitir que se inaugure a alegação de uma circunstância agravante no momento do debate pode inviabilizar a produção de contraprova por parte da defesa, que será surpreendida, não tendo como estar preparada para demonstrar que a afirmação de tal circunstância não é verdadeira" (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. As reformas no processo penal. As novas Leis de 2008 e os projetos de reforma. Coord. Maria Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 185)

[6] No mesmo sentido, por exemplo, o AgRg no AREsp n. 1.754.440/MT, rel. min. Ribeiro Dantas, j. em 2/3/2021 e AgRg no REsp n. 2.010.303/MG, rel. min. Antonio Saldanha Palheiro, j. em 14/11/2022.

[7] GIACOMELLI, Nereu José. Reformas (?) do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 105.

Autores

  • é trainee da área criminal no escritório Faucz Santos & Advogados Associados, aluna do 9º período do curso Law Experience — Direito Integral da FAE Centro Universitário e membro do Nupejuri (Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri).

  • é advogado criminalista, pós-doutor em Direito (UFPR), doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG), mestre em Direito (UniBrasil), coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI, professor de Processo Penal da FAE e do programa de Mestrado em Psicologia Forense da UTP.

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