domínio do fato

Ser sócia e esposa de acusado de crime, por si só, não autoriza denúncia

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27 de setembro de 2022, 14h18

As circunstâncias objetivas de ser sócia de uma pessoa acusada de fraude em licitações e exercer a administração da empresa envolvida, por si sós, não são suficientes para autorizar qualquer presunção de culpa. Para a ação penal, é preciso que a acusação descreva a efetiva participação da suspeita em relação aos fatos criminosos narrados na denúncia.

Lucas Pricken/STJ
Para Noronha, denúncia só descreveu fatos praticados pelo marido da acusada
Lucas Pricken/STJ

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso em Habeas Corpus ajuizado por Marcelle Chadud, empresária denunciada por integrar organização junto com o marido, Flávio Chadud, com o objetivo de fraudar licitações públicas.

Segundo a denúncia, eles teriam cometido o crime em pregão da Fundação Leão XIII vencido pela Servlog Rio. Marcelle, que era administradora e sócia da empresa com o marido, retirou-se da mesma e passou a administrar individualmente outra pessoa jurídica chamada Grupo Galeno Distribuidora de Material Médico.

Essa empresa, cuja sede fica no mesmo prédio da Servlog, depois participou do pregão vencido pela empresa do marido. Para o Ministério Público, Marcelle forneceu documentação para os processos licitatórios e assinou laudos técnicos sabendo que serviriam para instruir licitações fraudadas e direcionadas para a Servlog.

O caso dividiu os ministros da 5ª Turma. Relator, o ministro Joel Ilan Paciornik entendeu que a denúncia estava devidamente lastreada, com elementos de prova que possibilitam o exercício da ampla defesa e do contraditório. Essa posição ficou vencida.

Ao acompanhar o relator, o ministro Jorge Mussi destacou a atenção que o STJ tem dado para casos em que deve-se evitar a responsabilização penal da cônjuge que apenas figura como sócia de empresas envolvidas em crimes, mas sem efetiva participação. Para ele, esse não parece ser o caso.

Venceu o voto divergente do ministro João Otávio de Noronha, para quem toda a descrição da conduta criminosa trata de fatos cometidos por Flávio Chadud. A acusação afirma que Marcelle participou do esquema porque tinha conhecimento, mas não descreve de forma clara e objetiva o elemento volitivo — isto é, a vontade, a forma como ela quis praticar o crime.

"Diante da ausência de descrição clara e objetiva do elemento volitivo da conduta e de lastro mínimo que aponte a autoria da agravante na pratica delitiva, mostra-se inadmissível o prosseguimento na ação penal com fundamento na teoria do domínio do fato", concluiu o ministro João Otávio de Noronha.

"As circunstâncias objetivas de alguém ser sócio e exercer direção ou administração de empresa [envolvida em atividade criminosa] não é suficiente para autorizar qualquer presunção de culpa", disse. Formaram a maioria os ministros Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas.

RHC 148.463

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