animus necandi

Advogado vai a júri pela morte de namorada, decide juiz

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21 de setembro de 2022, 10h43

Atirar em alguém é indício da intenção de matar, que autoriza a submissão do seu suposto autor ao julgamento popular. Com essa conclusão, o juiz Paulo Sérgio Barbosa de Oliveira, da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Salvador, afastou a tese de homicídio culposo, por disparo acidental, de um advogado acusado de matar a namorada, e o pronunciou. Na mesma decisão, o magistrado acolheu pedido da defesa para revogar a prisão preventiva do réu, pois as circunstâncias que autorizaram a decretação não mais existem. 

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Reprodução   A arma estava dentro de um cofre destrancado, segundo o autor do crime

"Há nos autos prova da materialidade e indícios de autoria do delito de homicídio, indicando, ainda, que há sinais do animus necandi, haja vista a região do disparo de arma de fogo, a boca da vítima, conforme descrição citada pelo médico perito responsável pelo exame. Sendo assim, impera a solução da pronúncia para que os membros do Conselho de Sentença possam amplamente deliberar sobre o conjunto probatório e julgar o mérito do caso concreto", sentenciou Oliveira.

O Ministério Público denunciou o advogado José Luís de Britto Meira Júnior, de 51 anos, por homicídio qualificado pelo motivo fútil e por feminicídio, no contexto de violência doméstica, cuja pena varia de 12 a 30 anos de reclusão. O magistrado manteve em sua decisão de pronúncia as duas qualificadoras, sob a fundamentação de que a rejeição delas só se daria "em caso da existência de prova inequívoca de que não ocorreram ou de que são manifestamente despropositadas ou desarrazoadas".

Na hipótese do não acolhimento do seu pedido de desclassificação para o crime de homicídio culposo (pena de detenção de um a três anos), o advogado Luiz Augusto Coutinho, defensor do acusado, requereu o afastamento das qualificadoras e a pronúncia por homicídio simples (punível com reclusão de seis a 20 anos). "Ele (Meira) não teve intenção de matar. Havia uma relação conflituosa e a jovem teve uma conduta agressiva. No dia fatos, de novo, ele foi vítima de violência doméstica", justificou à ConJur.

"Diante da situação fática documentada e já exposta, não se pode decotar desta fase ambas as qualificadoras capituladas, consistentes no motivo fútil, esse caracterizado pelo suposto desentendimento entre a vítima e o acusado em razão do uso recreativo de entorpecente, e no feminicídio, tendo em vista que o fato delituoso ocorreu em razão da condição de sexo feminino em situação de violência doméstica e familiar, porquanto o réu e a ofendida mantinham relacionamento amoroso", decidiu o juiz.

Entenda o caso
Kézia Stefany da Silva Ribeiro, de 21 anos, foi baleada no apartamento de Meira, no bairro do Rio Vermelho, por volta das 2 horas de 17 de outubro de 2021. Segundo o MP, após o crime, o advogado arrastou a jovem até o seu carro, na garagem do edifício, e a deixou no Hospital Geral do Estado, fugindo em seguida. A vítima não resistiu e, durante a madrugada, policiais militares localizaram o acusado na casa de sua irmã. Ele foi autuado e a Justiça converteu o flagrante em prisão preventiva.

Câmeras do condomínio gravaram o Meira levando a namorada ferida ao carro e saindo do prédio. Conforme a denúncia, antes do crime, um porteiro escutou "barulho de confusão" e uma mulher pedindo socorro. Momentos depois, a jovem desceu à portaria e disse ao funcionário que "o Luiz quer me matar". Porém, Kézia retornou ao apartamento do namorado e não demorou para ser ouvido um disparo de arma de fogo. A pistola utilizada no homicídio foi apreendida e periciada.

Meira relatou em juízo que o namoro com Kézia começou em 2019 e que ela sempre ficava agressiva ao associar o uso de álcool com cocaína. Na ocasião do crime, a jovem lhe pediu dinheiro para comprar droga e, diante da recusa, passou a xingá-lo e quebrou o seu celular. O casal começou a discutir e, segundo réu, a vítima tentou atacá-lo com uma tesoura e depois com uma faca, sendo desarmada em ambas as ocasiões. Posteriormente, ela pegou a pistola no cofre digital do advogado, que estava aberto.

"Quando eu vi, fiquei assustado e corri para cima dela, certo? Para tentar tirar a arma da mão dela. Nesse ínterim, eu tentei puxar ela, segurando, eu puxei de vez a arma, foi quando ocorreu o disparo acidental", detalhou Meira. Questionado pelo juiz, o acusado negou que estivesse alcoolizado, bem como negou ser usuário de droga. Ele também disse qual foi a sua reação ao ver Kézia baleada. "Eu botei a mão na cabeça e falei: 'Meu Deus! O que foi isso?' Saí correndo desesperado pela porta".

Oliveira justificou a revogação da prisão com o fato de não persistir nessa fase da ação penal ameaça à garantia da ordem pública. Ele também citou a ausência "de qualquer manobra por parte do réu com vistas a trazer prejuízo ao regular andamento do processo". Meira estava recolhido em um batalhão da PM.

Coutinho interpôs recurso em sentido estrito ao Tribunal de Justiça da Bahia pleiteando a desclassificação do feminicídio para homicídio culposo ou, alternativamente, o afastamento das qualificadoras.

Processo 8126059-44.2021.8.05.0001

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