Programa de governo

Ciro Gomes propõe prisão após 2º grau e restrição do foro especial

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15 de setembro de 2022, 12h21

*Este texto integra uma série de reportagens sobre as propostas dos principais candidatos à Presidência da República para o Judiciário, o Ministério Público, as polícias, a advocacia pública, a legislação penal e o sistema penitenciário. Para ler as outras reportagens, conforme elas forem publicadas, clique aqui.

Para combater a corrupção, o candidato a presidente Ciro Gomes (PDT) propõe alteração legislativa para permitir a execução da pena após condenação em segunda instância e a extinção do foro por prerrogativa de função para todas as autoridades, com exceção dos chefes de poderes.

José Cruz/Agência Brasil
Ciro Gomes defende criminalização do "caixa dois"
José Cruz/Agência Brasil

Em seu programa de governo, Ciro, que é o terceiro colocado nas pesquisas de intenção de voto — com a preferência de 7% dos eleitores, segundo Datafolha divulgado na sexta-feira (9/9) —, elenca alguns dos principais pontos de uma "necessária ampla política de combate à corrupção no país". Um deles é a autorização legal da pena de prisão a partir da condenação em segunda instância.

O artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, prevê que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Já o artigo 283 do Código de Processo Penal determina que ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado, a não ser em flagrante ou em cumprimento de medida cautelar.

Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal mudou de entendimento e passou a permitir a execução da pena após condenação em segundo grau. A decisão foi muito elogiada por lavajatistas, mas severamente criticada por constitucionalistas e criminalistas. Porém, a Corte resgatou, em novembro de 2019, o entendimento firmado em 2009 e declarou a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, proibindo a execução provisória da pena.

tentativas no Congresso Nacional de voltar a permitir a prisão em segunda instância, como a Proposta de Emenda à Constituição 199/2019 (do deputado Alex Manente) e o Projeto de Lei do Senado 166/2018 (do senador Lasier Martins).

Especialistas afirmam que a execução da pena depois de condenação em segundo grau só poderia ser permitida com nova Constituição. O princípio da presunção de inocência, estabelecido no artigo 5º, LVII, da Carta Magna, não pode ser relativizado por nenhuma lei. E constitui cláusula pétrea, conforme o artigo 60, parágrafo 4º, IV. Portanto, não pode ser abolida por meio de emenda constitucional.

Trata-se de uma mudança de posição do pedetista, que é advogado e já foi professor de Direito Constitucional e Tributário. Em 2018, ele disse que a prisão a partir de segunda instância é incompatível com a legislação. "A execução da pena ainda sub judice é uma coisa estranha do ponto de vista do Direito. O que não é o caso da Lei da Ficha Limpa, que é uma aberração, mas não tem transgressão nenhuma." De acordo com Ciro, tornar automática a execução da pena após o segundo grau, em 2016, foi um erro do STF. "O que está errado é a existência de quatro graus de jurisdição para um assunto trivial", declarou o candidato ao jornal O Estado de S. Paulo.

Procurado pela revista eletrônica Consultor Jurídico, Ciro Gomes não esclareceu quais seriam suas propostas para o Judiciário, o Ministério Público, a advocacia pública, e a legislação penal.

Foro privilegiado
Outra proposta contra a corrupção de Ciro Gomes é a extinção das hipóteses do foro por prerrogativa de função, à exceção dos chefes de poderes, no âmbito federal, estadual e municipal.

O Supremo Tribunal Federal restringiu, em 2018, o alcance do foro por prerrogativa de função. Para os ministros, parlamentares só têm foro especial se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato, em função do cargo. No caso de delitos praticados anteriormente a isso, o parlamentar deve ser processado pela primeira instância da Justiça, como qualquer cidadão. Com o fim do mandato, também acaba o foro privilegiado, fixou a corte.

O STF também enfatizou que o foro especial não assegura privilégio pessoal, mas condiz unicamente com a proteção funcional. No entanto, o Supremo estabeleceu a possibilidade de a ação penal continuar na corte mesmo após o réu deixar o cargo, se a instrução processual já tiver sido encerrada.

Além disso, o presidenciável defende, em seu programa de governo, a criminalização do enriquecimento sem causa de agentes públicos e políticos e do "caixa dois" e a abertura completa do sigilo bancário e fiscal de ocupantes de cargos de primeiro e segundo escalão no Executivo.

Críticas à TV Justiça
Ciro Gomes não é favorável a transmissão de sessões do Plenário do STF pela TV Justiça. "TV Justiça, isso é inimaginável na Europa, nos Estados Unidos. Você transmitir um julgamento em tempo real, ao vivo, trazendo o embate da internet para o celular do ministro que está ali esperando o outro votar e vendo qual é a repercussão. Tenha santa paciência. Isso é de uma vulgaridade que a gente precisa pôr um limite nisso, mas não sei se é institucional", disse o candidato em sabatina com representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.

Embora tenha críticas ao STF, o pedetista afirmou, à rádio Jovem Pan, que cidadãos têm o direito de discordar das decisões da Corte, mas devem respeitá-las. "Os brasileiros que amam a democracia têm de acatar a palavra derradeira da nossa Suprema Corte", declarou. "Essa é a chave da estabilidade institucional."

O ex-governador do Ceará também ressaltou ser contra o impeachment de ministros do STF. De acordo com ele, o instrumento não pode ser "vulgarizado" e só deve ser utilizado em caso de crime de responsabilidade.

Na visão de Ciro, as exigências para que alguém se torne ministro do Supremo estão sendo desrespeitadas. "A Suprema Corte é exclusiva a cidadãos que tenham reputação ilibada e notório saber jurídico. O que tem acontecido? Temos visto presidentes mandando os amigos, que nem sempre respondem aos dois requisitos."

Lista tríplice
Se eleito, Ciro Gomes não se compromete a seguir a lista tríplice para escolha do procurador-geral da República. A exigência não é prevista pela Constituição Federal.

"Eu vou buscar aquele que entre os titulados formalmente tenha aquilo que a Constituição pede: notório saber jurídico, reputação ilibada e capacidade de representar um Ministério Público que eu sonhei e ajudei a construir e que está sendo desmoralizado pelos abusos, de omissão, como no caso do [Augusto] Aras, ou, porque embaixo, você não tem ideia do Brasil profundo que eu conheço", afirmou o candidato ao podcast O assunto, do site G1.

Adversário de Ciro, o ex-presidente Lula iniciou, em 2003, a prática de indicar para PGR o mais votado em eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Por meio desse sistema, Lula nomeou Claudio Fonteles, Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel. Dilma Rousseff seguiu a tradição ao indicar Rodrigo Janot para dois mandatos como PGR, mesmo com as investigações e processos da "lava jato" contra o PT.

Michel Temer escolheu Raquel Dodge, a segunda mais votada da lista tríplice. O presidente Jair Bolsonaro ignorou a eleição da ANPR e nomeou Augusto Aras, que não havia participado do pleito, para comandar o Ministério Público Federal. Em 2021, ele foi reconduzido a mais um mandato.

Ciro também criticou "garotos" do Ministério Público com "boas intenções" que chegam "humilhando os prefeitos por aí afora", porque "saíram de qualquer razoabilidade". "É preciso restaurar isso. Enquanto o Conselho Nacional de Justiça tem, ainda que menos do que devia, punição a juízes, não se tem notícia de uma punição severa do Conselho Nacional do Ministério Público, porque a exacerbação corporativista acabou. E eu avisei 100 vezes", declarou ao podcast, ressaltando a importância de um MP autônomo e forte na defesa dos interesses difusos, do patrimônio histórico e do meio ambiente.

Federalização da segurança
O candidato diz, em seu programa de governo, ser imprescindível a implantação do Sistema Único de Segurança Pública, previsto na Lei 13.675/2018. Também é necessário, segundo ele, a atuação conjunta e articulada das diversas agências que cuidam da segurança pública no país, em todas as esferas de governo, incluindo o compartilhamento de informações e coordenação de ações. O policiamento ostensivo, feito pelas Polícias Militares, deve ser planejado conforme o mapeamento das regiões onde há maior ocorrência de situações violentas e insegurança.

"O combate à criminalidade, e principalmente ao crime organizado, deve incluir o uso de tecnologias avançadas de gestão do conhecimento, informação, comunicação e rastreamento, incluindo o referente às armas e munições, cuja expansão e uso se encontram fora de controle. É fundamental que o crime organizado seja combatido por meio da investigação de suas operações financeiras e da lavagem de dinheiro", avalia.

Para aumentar a eficácia do combate ao crime organizado, Ciro Gomes afirmou, em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, que pretende transferir para a Justiça Federal a competência para investigar, processar e julgar delitos relativos ao crime organizado, lavagem de dinheiro e "crimes do colarinho branco da política".

Para que os profissionais sejam mais qualificados, Ciro afirma ser preciso reestruturar as carreiras policiais, valorizando e reconhecendo o desempenho deles. O presidenciável advoga pela implementação de programas de atenção à saúde biopsicossocial dos agentes de segurança pública.

Política de drogas
"A política sobre drogas deve ser redesenhada, partindo de uma abordagem intersetorial de redução de riscos e danos que esteja articulada com justiça, saúde e assistência social", aponta Ciro Gomes em seu programa de governo.

"O tempo inteiro, a retórica muda, e eu já assisti esse debate quando, por exemplo, foi votada a equivocadíssima lei de combate ao tráfico de drogas no Brasil, que levou 800 mil jovens negros e pobres, por regra das periferias do Brasil, para o presídio, não tendo cometido por primeiro nenhuma violência, foram ali na ilusão de aviãozinho do tráfico e tal. Na primeira noite que foram condenados, entraram no presídio e foram afiliados a uma facção criminosa, e aí, sim, de uma forma irrecuperável, viraram bandidos altamente periculosos. Isso foi uma discussão", disse o candidato ao Jornal Nacional.

Na opinião do pedetista, a política de prevenção aos crimes deve dedicar atenção especial à segurança das mulheres, bem como da juventude negra e da população LGBTQIA+ de forma a "enfrentar a discriminação e o racismo estrutural".

Ele propõe a implementação da Lei 14.330/2022, que inclui o Plano Nacional de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher na Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, e fortalecer a integração entre a rede de acolhimento, as polícias, Ministérios Públicos, Defensorias Públicas, Poder Judiciário e sociedade civil.

Com relação ao sistema penitenciário, Ciro destaca que "a gestão prisional deve ser aprimorada, de modo a elevar o percentual da população carcerária que venha a se ressocializar". No entanto, não explica como melhorar as cadeias.

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