Obiter dictum

Propostas foram ideias, decisão foi proibir execução provisória, diz Marco Aurélio

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8 de novembro de 2019, 15h32

“Concretamente, o que decidimos ontem foi que é constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal e que não se pode executar a pena de forma provisória”, esclarece o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. Ele foi o relator das três ações que discutiram a constitucionalidade do artigo do CPP, que proíbe a execução da pena antes do trânsito em julgado, repetindo a ordem do inciso LVII do artigo 5º da Constituição.

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Ministros não chegaram a um acordo sobre consequências da tese proposta por Marco Aurélio
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“Mesmo porque, se revertida a situação [condenação], ninguém devolve a liberdade perdida. E, infelizmente, a responsabilização do Estado ainda engatinha no Brasil, porque seria o caso de se responsabilizar o Estado”, afirma o ministro.

O julgamento foi concluído na quinta-feira (7/11), depois de três sessões de discussões e longos votos. E cada voto com uma proposta diferente. “Aí fica como sugestão dos colegas”, afirma Marco Aurélio. “A proclamação foi a constitucionalidade do 283 e a procedência dos pedidos.”

Foram três ações declaratórias de constitucionalidade sobre o artigo 283 do CPP, com a redação dada pela Lei 12.403/2011. A tese do ministro Marco Aurélio, relator, foi acompanhada pelos ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e pelo presidente, Dias Toffoli.

Ideias
O voto do ministro Toffoli trouxe duas propostas: que a decisão da quinta não se aplique aos casos de condenação por crimes dolosos contra a vida, que são julgados pelo tribunal do júri, e que o precedente não interfira na Lei da Ficha Limpa.

“Por que se potencializar o tribunal do júri, que é primeira instância, quando contra o pronunciamento cabe recurso, ainda que numa via afunilada, a apelação?”, critica Marco Aurélio, em conversa com a ConJur.

A possibilidade de execução imediata de decisões do júri está em discussão no Supremo, num recurso com repercussão geral reconhecida (RE 1.235.340). Embora tenha sido transformado num processo objetivo pela repercussão geral, o caso está em segredo de justiça. O relator é o ministro Barroso, vencido na discussão sobre a execução antecipada.

Toffoli também disse que, para que a execução provisória possa acontecer, o Congresso poderia aprovar uma proposta de emenda à Constituição para reformar o inciso LVII do artigo 5º. “Não concordo com o presidente. Se o que se contém no inciso LVII não for garantia individual do cidadão, o que se tem como garantia? A proibição da pena de morte? Uma PEC esbarrará no artigo 60 da Constituição”, afirma Marco Aurélio.

O artigo 60 trata das emendas à Constituição. O inciso IV do parágrafo 4º diz: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”. Esses “direitos e garantias individuais” são descritos no Título II da Constituição, do qual o artigo 5º, cujo inciso LVII proíbe a prisão antes do trânsito em julgado da condenação, é o que fala “dos direitos e deveres individuais e coletivos”. As garantias e direitos individuais, portanto.

Consequentemente, uma PEC para permitir a execução antecipada seria inconstitucional, segundo o ministro Marco Aurélio.

Dia seguinte
Com o fim do julgamento pelo Supremo, surgiram questões sobre como será feita a execução da decisão. A questão não foi discutida pelos ministros, embora o relator tenha proposto quais deveriam ser as consequências concretas da proclamação em seu voto: “Como consequência, determino a suspensão de execução provisória de pena cuja decisão a encerrá-la ainda não haja transitado em julgado, bem assim a libertação daqueles que tenham sido presos, ante exame de apelação, reservando-se o recolhimento aos casos verdadeiramente enquadráveis no artigo 312 do mencionado diploma processual”.

Portanto, para o relator, a soltura de todos os que não estiverem presos provisoriamente ou em flagrante deveria ser automática. Mas os demais ministros se dividiram entre não encampar a tese ou não se pronunciar sobre ela.

“No meu voto, consignei a consequência para evitar a questão cartorária”, explica o ministro. Ou seja, para evitar que as defesas tenham de pedir a declaração de um direito já reconhecido pela Constituição, pelo Código de Processo Penal e agora pelo Supremo Tribunal Federal, como vem acontecendo já desde a noite de quinta.

Alguns advogados preveem que, como a soltura não será automática, os juízes que negarem os pedidos de liberdade terão suas decisões reformadas por meio de liminares em reclamações.

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