Opinião

Combate à corrupção e observância do direito fundamental à defesa

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do grupo de pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

8 de setembro de 2022, 13h16

Em 11 de julho de 2022 foi publicado o Decreto nº 11.129/22 que regulamentou a Lei nº 12.846/13, que trata da responsabilização da pessoa jurídica pela prática de atos de corrupção, dispondo sobre o conceito de acordo de leniência em seu artigo 32, elevando-o ao patamar de instrumento do direito sancionador, as diretrizes para os programas de integridade (artigo 56), entre outros temas relacionados.

O decreto acima mencionado dispõe que a autoridade competente ao tomar conhecimento de possível ocorrência de ato lesivo à administração pública federal [1] deverá abrir investigação preliminar, sugerir a abertura de processo administrativo de responsabilização (PAR) ou ainda sugerir o arquivamento.

Dos artigos 4º ao artigo 17 tratam do processo administrativo de responsabilização descrevendo seu procedimento, competências das autoridades responsáveis, garantias do requerido, entre outras disposições.

Já a investigação preliminar é tratada no artigo 3º do decreto em estudo que dispõe em seu §1º "A investigação de que trata o inciso I do caput terá caráter sigiloso e não punitivo e será destinada à apuração de indícios de autoria e materialidade de atos lesivos à administração pública federal" [2].

Da leitura do dispositivo legal acima mencionado é possível depreender que não se trata de um procedimento punitivo, mas apenas prévio no intuito de averiguar a existência de indícios de atos lesivos à administração pública federal, razão pela qual não previu a possibilidade de defesa por parte do investigado.

No entanto, diante das garantias constitucionais previstas no artigo 5º da Constituição do contraditório e ampla defesa é necessário refletir acerca da necessidade de participação do investigado no procedimento de investigação particular, isso porque o fato de não haver punição não se mostra como justificativa hábil para afastar a participação do referido investigado, uma vez que, conforme dispõe o §5º do artigo 3º, ao final da investigação preliminar a conclusão será enviada à autoridade competente, a qual irá decidir acerca da instauração ou não de processo administrativo de responsabilização (PAR), o que poderá trazer consequências gravosas para o investigado.

Nesse sentido, ainda que se alegue que o investigado poderá exercer seu direito de defesa em um processo administrativo de responsabilização, sua participação na investigação preliminar poderia trazer elementos que evitam a abertura do referido processo.

Ainda que se defenda que trata apenas de um procedimento prévio não se justifica a privação da participação do investigado já estamos tratando de um direito fundamental que não pode ser afastado por uma regra infraconstitucional ainda que se justifique pela necessidade do combate à corrupção.

Nesse sentido, admitir tal procedimento nos faria retroagir ao instituto da verdade sabida abolido do processo administrativo disciplinar justamente por ofender os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.

Dessa forma, podemos então concluir que o silêncio do artigo 3º do Decreto nº 11.129/22 caso não permita a participação do investigado, mesmo que se trate de instrumento de combate à corrupção, irá ferir a garantia constitucional do contraditório e ampla defesa.


[1] Artigo 3º – O titular da corregedoria da entidade ou da unidade competente, ao tomar ciência da possível ocorrência de ato lesivo à administração pública federal, em sede de juízo de admissibilidade e mediante despacho fundamentado, decidirá:

[2] Decreto nº 11.129/22

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  • é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT, integrante do grupo de pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

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