Coisa julgada

STJ barra rescisória para adequar sentença definitiva à tese sobre preço do álcool

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31 de outubro de 2022, 7h43

Não cabe à União usar de ação rescisória para derrubar as sentenças definitivas anteriores ao julgamento em que o Superior Tribunal de Justiça definiu tese mais benéfica para a definição de indenizações a serem pagas pelos prejuízos decorrentes do tabelamento do preço do álcool feito na década de 1980.

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Usina obteve direito à indenização com base em critérios que, três anos depois, foram abandonados em tese fixada pelo STJ
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Com esse entendimento, a 2ª Turma do STJ deu provimento ao recurso especial para julgar improcedente a ação rescisória ajuizada contra um acórdão que condenou a União a pagar R$ 164,8 milhões em favor de uma usina sucroalcooleira de Pernambuco.

A ação originária, ajuizada em 1993, foi uma das muitas tentativas das empresas produtoras de álcool de indenizarem os prejuízos causados pela política pública de tabelamento de preço do produto, vigente entre 1985 e 1999.

O valor fixado pelo governo no período esteve abaixo do valor de custo, como forma de controlar a inflação. Ou seja, as usinas de cana de açúcar gastavam mais para produzir o álcool do que recebiam pela venda no período. Essa defasagem ficou evidente a partir de cálculo feito pela Fundação Getúlio Vargas.

A usina pediu pagamento de indenização correspondente à diferença entre os preços fixados pela União e o que deveria ter sido praticado, de acordo com os cálculos da FGV. A ação foi julgada procedente com base no reconhecimento da defasagem de preços e transitou em julgado em julho de 2009.

Em 2013, a 1ª Seção do STJ fixou tese sob o rito dos repetitivos no sentido de que a indenização depende da comprovação do dano sofrido pelo tabelamento feito pelo governo de preços. Apontou, ainda, que o valor deve ser apurado em liquidação de sentença e não pela mera diferença entre o que o governo definiu e o que a FGV diz que deveria ter sido cobrado.

No ano seguinte, em embargos de declaração, o colegiado ainda esclareceu que, nos casos em que já há sentença transitada em julgado, a forma de apuração do valor devido deve observar o respectivo título executivo. Esse é precisamente a situação no recurso julgado pela 2ª Turma do STJ.

Rafael Luz
Se decisão rescindenda adotou tese plausível na época, deve-se privilegiar a coisa julgada, afirmou o ministro Mauro Campbell
Rafael Luz

O risco da rescisória
A ação rescisória da União foi ajuizada com base no artigo 485, inciso V do Código de Processo Civil de 1973, por alegada violação a literal dispositivo de lei.

O problema, segundo o ministro Mauro Campbell Marques, é que a interpretação dada na decisão transitada em julgado não só era razoável na época como também se amparava na jurisprudência. Assim, a coisa julgada — uma garantia constitucional do jurisdicionado — deve ser preservada.

“Se o pleito desse modo fundado era amparado na jurisprudência de então, é correta a afirmação de que não era plausível o uso da ação rescisória porque não se presta à correção de eventuais injustiças”, esclareceu o ministro Mauro.

“Se há nos tribunais divergência de entendimento a respeito de determinado dispositivo legal é porque o mesmo comporta mais de uma interpretação, a significar que não se pode qualificar qualquer uma dessas interpretações como ofensiva ao teor literal da norma interpretada”, acrescentou.

Em voto-vista no mesmo sentido, o ministro Og Fernandes destacou que as decisões judiciais transitadas em julgado não podem ficar suscetíveis ao exercício contínuo, imprevisível e interminável de impugnações.

“Estaríamos a instituir um forte precedente à relativização atípica da coisa julgada, tornando-a suscetível a múltiplas e variadas interpretações sobre a sua força preclusiva real. Cada Corte deste País seria uma candidata em potencial a emitir juízos de valor próprios sobre a rescindibilidade dos julgados, com base em critérios puramente subjetivos e eventuais”, disse.

Citando Nelson Nery Jr. o ministro Og Fernandes apontou que os riscos políticos causados por essa insegurança judicial seriam mais graves do que o risco da sentença injusta do caso concreto, além de estimular práticas protelatórias de arguição de defesas e inconformismos.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 1.716.341

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