Defesa da Concorrência

"What’s in your head?": Zombie firms e reflexões sobre política econômica

Autores

17 de outubro de 2022, 7h00

A banda irlandesa The Cranberries, em 1994, lançou a premiada canção Zombies com a intenção de musicalizar a violência que assolou a Irlanda do Norte devido aos combates entre as tropas britânicas e os nacionalistas irlandeses.

Spacca
Tal qual foi feito na manifestação artística, utilizaremos da metáfora do "zombie". Desta vez, para compartilhar algumas impressões sobre os efeitos econômicos e concorrenciais que empresas eternamente fragilizadas financeiramente trazem ao mercado.

Em síntese, uma empresa zumbi é aquela que não é economicamente viável e que deveria sair do mercado na presença de um ambiente competitivo ou, ao menos, se reestruturar devido às ações impostas pelas forças do mercado [1]. A alcunha, portanto, deriva justamente da dissociação entre teoria e prática.

Segundo a literatura, não é tarefa fácil identificar este tipo de agente e nem há consenso em como fazê-lo. Por exemplo, há modelos matemáticos que definem empresas zumbi a partir da capacidade potencial em fazer uso de crédito subsidiado [2]. Por outro lado, uma outra abordagem possível é analisar uma série de características operacionais (lucro negativo, custo e receita etc.) para classificar empresas que estejam em permanente situação de debilidade financeira [3].

Seja como for, a preocupação com a permanência de empresas que tipicamente não deveriam estar no mercado é que isso possa impactar na média de produtividade do setor além de servir como um fator que obsta oportunidades de crescimento para firmas mais produtivas [4].

E não se trata de uma preocupação sem fundamento. Dentre os países que fazem parte da OCDE, foi realizado um estudo que analisou dados entre 2003 e 2013, concluindo que: (1) um aumento de participação de mercado de empresas-zumbi está diretamente associado a menores investimentos e menores taxas de emprego [5].

Segundo os autores, esse resultado indica, primordialmente, duas coisas: a prevalência de firmas "fracas" que não saem do mercado devido a, por exemplo, facilidade de acesso ao crédito, pode ser um dos fatores que explica o baixo grau de crescimento econômico e que a presença não negligenciável de empresas com estas características pode reduzir o potencial de crescimento na produção de bens de consumo [6].

Neste mesmo estudo, o resultado do cruzamento de dados indica que a presença considerável dessas empresas cria distorções, o que acarreta (1) diminuição da taxa de produtividade; (2) preservação de empresas ineficientes em detrimento de entrantes potenciais mais produtivos; (3) aumento das barreiras à entrada e (4) declínio na obtenção de crédito por agentes mais eficientes [7].

Na mesma linha, uma outra pesquisa, também no âmbito europeu, aponta que os limiares mínimos exigidos de uma empresa zumbi para que permaneça no mercado são muito inferiores ao de uma empresa eficiente, o que inibe o crescimento de empresas viáveis, em particular as mais produtivas, prejudicando uma realocação de recursos intrassetorial mais eficiente [8].

Já nos Estados Unidos, segundo artigo recente publicado por membros do FED, apesar da preocupação com o tema, avalia-se que empresas zumbi não são proeminentes na economia americana [9]. Segundo os filtros utilizados no estudo, entre 2015 e 2019, apenas 10% das empresas públicas e 5% das empresas privadas foram identificadas como zumbis e que este número permaneceu mais ou menos constante desde 2000 [10].

Especificamente para o Direito Concorrencial, em uma perspectiva econômica mais restrita, o tema é igualmente importante. Como dito, sugere-se que empresas zumbi podem constituir uma barreira à entrada, na medida em que o entrante precisa ter processos produtivos muito mais eficientes a fim de compensar o menor potencial de lucro devido ao congestionamento criado pelo excesso de companhias ineficientes.

Ainda, a depender das estruturas e das características do mercado (ex: altos custos de troca), a dificuldade de ganho de share pelo entrante pode afastá-lo permanentemente da disputa por uma fatia do mercado. Além disso, o processo de alocação eficiente de recursos e o incentivo para inovar também são prejudicados quanto maior for o número de empresas zumbi em um dado segmento econômico.

Apesar de todos esses efeitos indesejados, questões como as que foram elencadas não são profundamente debatidas por autoridades de defesa da concorrência [11]. O documento recomenda, portanto, a intensificação da atividade de advocacy com outros entes da administração pública para evitar ou minimizar os efeitos destas empresas na competição [12].

Fica claro que há muitas questões a serem endereçadas e muito trabalho a ser feito no Direito Econômico como um todo, o que inclui os aspectos concorrenciais mencionados ou não neste breve texto. Com as projeções de recessão global nos próximos anos, acredita-se que este é um dos assuntos a serem priorizados.

 


[1] OECD. Barriers to exit – Background note. Disponível em: https://www.oecd.org/competition/barriers-to-exit.htm.

[2] MCGOWAN, Müge Adalet. ANDREWS, Dan. MILLOT, Valentine. The Walking Dead? Zombie Firms and Productivity Performance in OECD Countries. Disponível em: https://www.oecd.org/economy/growth/The-Walking-Dead-Zombie-Firms-and-Productivity-Performance-in-OECD-Countries.pdf.

[3] MCGOWAN, Müge Adalet. ANDREWS, Dan. MILLOT, Valentine. Id. Ibid.

[4] MCGOWAN, Müge Adalet. ANDREWS, Dan. MILLOT, Valentine. Id. Ibid.

[5] MCGOWAN, Müge Adalet. ANDREWS, Dan. MILLOT, Valentine. Id. Ibid.

[6] MCGOWAN, Müge Adalet. ANDREWS, Dan. MILLOT, Valentine. Id. Ibid.

[7] MCGOWAN, Müge Adalet. ANDREWS, Dan. MILLOT, Valentine. Id. Ibid.

[8] Gouveia, A.F., and Osterhold C., "Fear the walking dead: zombie firms, spillovers and exit barriers", OECD Productivity Working Papers, 2018-13, OECD Publishing, Paris.

[9] FAVARA, Giovanni. MINOIU, Camelia. PEREZ-ORIVE, Ander. U.S. Zombie Firms: How Many and How Consequential? Disponível em: https://www.federalreserve.gov/econres/notes/feds-notes/us-zombie-firms-how-many-and-how-consequential-20210730.html

[10] FAVARA, Giovanni. MINOIU, Camelia. PEREZ-ORIVE, Ander. Id. Ibid.

[11] OECD. Op. cit.

[12] OECD. Id. Ibid.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!