Defesa da Concorrência

Recomendação CNJ nº 135/22 e a judicialização das decisões do Cade

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20 de setembro de 2022, 16h13

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), após deliberação do Plenário na 111ª Sessão Virtual, realizada no dia 9 de setembro de 2022, aprovou a Recomendação CNJ nº 135, de 12 de setembro de 2022, por meio da qual recomendou aos magistrados, que "sempre que possível, realizem a oitiva do órgão de defesa da concorrência, em especial a sua Procuradoria Federal Especializada, antes de concederem tutelas de urgência relacionadas a processos administrativos em tramitação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), assim minimizando efeitos danosos decorrentes de eventual abuso do direito de demandar" [1].

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A referida recomendação, que tem como principal objetivo maximizar a segurança jurídica e impedir o comprometimento da política de defesa da concorrência no Brasil, também busca a prevenção de litígios e a adoção de soluções consensuais para os conflitos, desafios mapeados na Estratégia Nacional do Poder Judiciário para o período 2021-2026.

Embora a publicação do documento tenha ocorrido em setembro, a parceria entre Cade e CNJ com o intuito de diminuir a judicialização de processos do conselho e proteger a política de defesa da concorrência iniciou anteriormente. E mais, apesar de a Recomendação CNJ nº 135/2022 tratar-se de uma novidade, as discussões e preocupações com a judicialização de decisões do Cade e seus impactos no public enforcement concorrencial são velhas conhecidas da comunidade antitruste.

Como se sabe, assim como ocorre com qualquer ato administrativo, as decisões do conselho são passíveis de revisão pelo Poder Judiciário, que é detentor de competência constitucional para revisar, suspender e anular decisões de entes administrativos caso sejam verificadas ilegalidades. Acontece que, em alguns casos, o que se verifica não é a ocorrência de revisão judicial para a correção de ilegalidades ou abusos, mas um juízo revisional extensivo, que substitui as decisões de mérito tomadas pelo Cade.

Como exemplo — ressalta-se, dentre vários existentes [2] —, pode-se citar o Processo Administrativo nº 08000.024581/1994-77 [3], em que o Cade concluiu pela configuração de ilícito concorrencial consubstanciado na prática de adoção de comportamento uniforme pelo Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Distrito Federal. Porém, após a decisão da autoridade antitruste, o juízo da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal modificou radicalmente a interpretação dos fatos sob investigação, concluindo que a conduta trataria meramente de lobby, dando provimento ao pedido de anulação da decisão do Conselho. A decisão do Cade, proferida em 2004, foi restaurada no Supremo Tribunal Federal (STF) apenas em 2019 [4].

A referida decisão do STF foi amplamente comentada por diversos estudiosos e profissionais do Direito Concorrencial, mas apesar da restauração da decisão condenatória do Cade e da defesa à deferência do Judiciário às decisões técnicas adotadas por entidades reguladoras em razão da falta de expertise e capacidade institucional de tribunais para avaliar intervenções regulatórias e da possibilidade de a revisão judicial gerar "efeitos sistêmicos nocivos à coerência e dinâmica regulatória administrativa" [5], a Suprema Corte não excluiu a possibilidade de revisão do mérito das decisões do Cade.

Ainda assim, a posição do STF ofereceu parâmetros que, caso sejam observados, poderão diminuir os riscos de danos à política de defesa da concorrência por meio da revisão dos atos da autoridade antitruste. A preocupação com esses riscos à política concorrencial se deve ao fato de que a suspensão ou a anulação das decisões do Cade pode gerar sinalizações negativas ao mercado, além de poder propiciar insegurança jurídica e servir de incentivo para que mais agentes busquem contestar as decisões do órgão por meio do Poder Judiciário. Evidentemente, trata-se de efeitos indesejáveis em qualquer contexto, mas que se tornam ainda mais preocupantes em razão da necessidade de aperfeiçoamento do ambiente negocial brasileiro.

Não se descarta que o mérito das decisões do Cade pode e, em alguns casos, deve ser revisto pelo Poder Judiciário, no entanto, a complexidade do Direito Concorrencial deve ser levada em consideração na análise dos tribunais, bem como os possíveis impactos no mercado. Ao que nos parece, a nova recomendação do CNJ vai ao encontro dessa posição, uma vez que viabiliza, simultaneamente, a necessária observância dos princípios da inafastabilidade do controle judicial sobre as decisões administrativas e do duplo grau de jurisdição, ao passo que permite aos juízes a possibilidade de tomar decisões mais bem informadas tanto sobre os aspectos técnicos da análise antitruste, quanto dos impactos de suas decisões no curso dos processos do Cade e nos mercados afetados por esses processos.

 


[1] Disponível aqui. Acesso em 14 set. 2022

[2] Destaca-se que, historicamente, os processos do Cade mais questionados judicialmente foram aqueles que se referiam à condenações por infrações à ordem econômica, porém, processos que analisam atos de concentração também são alvo de judicialização. Além do emblemático caso envolvendo Nestlé e Garoto, nos últimos anos novos casos foram levados ao Poder Judiciário, como os atos de concentração Disney / Fox e Bunge / Imcopa.

[3] Disponível aqui.

[4] RE 1.083.955/DF.

[5] Ministro Luiz Fux, no RE 1.083.955/DF.

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