Damares pode responder por prevaricação, mas não corre risco de ser cassada
13 de outubro de 2022, 8h49
Os relatos de supostos crimes sexuais cometidos contra crianças na Ilha de Marajó (PA) podem resultar na condenação por prevaricação da ex-ministra Damares Alves, mas ela não corre o risco de ver cassado o mandato de senadora que conquistou na eleição do último dia 2, de acordo com eleitoralistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
No último sábado (8/10), durante culto em um templo evangélico de Goiânia, Damares disse ter descoberto há três anos que crianças de Marajó são traficadas para o exterior e submetidas a mutilações corporais e regimes alimentares que facilitam abusos sexuais. Ainda segundo ela, o número de estupros de recém-nascidos explodiu e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos — comandado por ela até o começo da campanha eleitoral — teria imagens de bebês de oito dias de vida sendo estuprados.
Em consequência das falas da senadora eleita, o Ministério Público Federal do Pará solicitou na terça-feira (11/10) que o ministério informe detalhadamente, no prazo de três dias, todos os casos de denúncias recebidas pela pasta, em trâmite ou não, nos últimos sete anos.
Um dos especialistas em Direito Eleitoral consultados pela ConJur explica que não há possibilidade de cassação do mandato de Damares porque ela já estava eleita senadora quando fez a "denúncia". Porém, segundo ele, ela pode ter cometido crime eleitoral com a intenção de eleger outra pessoa — no caso, o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição. "Se ela for condenada por decisão transitada em julgado, perde os direitos políticos. Mas isso demora", diz o eleitoralista.
Diogo Gradim, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, afirma que a ex-ministra pode responder por crime comum (prevaricação). Segundo ele, porém, não é possível falar em crime de responsabilidade, já que ela ainda não assumiu o cargo para o qual foi eleita.
"Havendo um crime praticado na esfera de atuação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ela teria obrigação legal de comunicar às autoridades. Não o fazendo, caracteriza-se o crime de prevaricação", diz Gradim.
O crime de prevaricação ("Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal") está previsto no artigo 319 do Código Penal, com pena de detenção de três meses a um ano, além de multa.
Outra eleitoralista, Emma Roberta Palú Bueno, considera que o caso não atrai a competência da Justiça Eleitoral. "Como a fala foi proferida após o pleito, sequer podemos incluí-la em uma hipótese de cassação prevista na legislação eleitoral. É um fato que envolve a atuação dela como ex-ministra, e não enquanto candidata."
No entanto, Emma pondera que "se eventualmente Damares vier a ser condenada por prevaricação, com o trânsito em julgado, perderá o cargo de senadora, pois uma condenação criminal enseja a suspensão dos direitos políticos".
Por sua vez, Arthur Rollo lembra que o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência consolidada "no sentido de que fatos anteriores ao exercício do mandato não ensejam cassação. O que será investigado é se houve alguma omissão na atuação dela".
E o presidente?
Paulo Victor Lima, corregedor da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil, considera que Damares Alves pode ter cometido crime eleitoral em benefício de Jair Bolsonaro. No entanto, ele diz que é muito difícil que essa conduta comprometa juridicamente a campanha do presidente, "pois é necessária a demonstração inequívoca de sua participação, e não apenas o proveito eleitoral direto ou indireto das referidas alegações da ex-ministra. Porém, o prejuízo poderá ser percebido nas urnas".
Para Lígia Vieira de Sá e Lopes, analista judiciária do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, caso fique comprovado que Bolsonaro tinha conhecimento dos fatos, ele também deverá responder por prevaricação.
"Uma vez condenados por prevaricação, os dois estariam sujeitos aos desdobramentos inerentes da sentença penal condenatória, como a perda de mandato eletivo para a senadora eleita e prejuízo de candidatura à reeleição do presidente, com cassação de eventual futuro mandato."
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