Processo Tributário

Legitimidade passiva: contribuinte, responsável e o artigo 4º da LEF

Autor

  • Luis Claudio Ferreira Cantanhêde

    é procurador do estado de São Paulo doutor e mestre em Direito pela PUC-SP especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e em Direito do Estado pela Espge-SP professor no curso de pós-graduação de Direito Tributário e de Extensão do Processo Tributário Analítico no Ibet professor de Direito Tributário na Espge-SP e pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

9 de outubro de 2022, 8h00

Em nosso último artigo, publicado em 22 de maio do corrente ano, fechamos um ciclo de artigos [1] em que nos dispusemos a refletir sobre o sincretismo na cobrança do crédito tributário, ocasião em que expusemos ideias sobre a defesa do sujeito passivo que tem seu patrimônio sujeito à expropriação forçada no contexto de uma ação antiexacional improcedente.

É, portanto, chegado o momento de ingressar na análise do instrumento que, por definição, foi concebido pelo legislador ordinário para viabilizar a cobrança do crédito tributário inscrito em dívida ativa, que é o processo de execução fiscal, regido, primordialmente, pela Lei Federal 6.830/80, popularmente conhecida como Lei de Execução Fiscal.

Pretendemos fazê-lo, portanto, com uma série de artigos que vão tratar do executado, ou seja, daquele que figura como sujeito passivo no processo executivo fiscal, contra quem o Estado-fisco requer a prestação de tutela jurisdicional executiva, consistente, como sabemos, na expropriação patrimonial forçada.

Tal estudo, porque focado na cobrança do crédito de natureza tributária, implicará um diálogo constante com o Código Tributário Nacional, notadamente os dispositivos que tratam da sujeição passiva tributária.

Nesse passo, coloca-se de pronto a distinção feita pela lei complementar tributária entre contribuinte e responsável [2], duas classes do gênero sujeição passiva tributária que, mutuamente, excluem-se, de modo que contribuinte é aquele que mantém relação pessoal e direta com a ocorrência tributária, enquanto o responsável é qualificado por exclusão, consistindo naquele que, figurando no polo passivo da obrigação tributária, não é contribuinte.

Trocando em miúdos, a sujeição passiva será do contribuinte sempre que no aspecto pessoal passivo da obrigação tributária figurar a mesma pessoa que pratica a ação descrita no aspecto material da norma tributária, ou seja, aquele que dispõe da riqueza tributável, enquanto responsável será o devedor (sujeito passivo da obrigação tributária) que não é detentor desta riqueza.

Mudando o foco para a relação jurídico-processual que se estabelece para instrumentalizar a cobrança do crédito tributário inadimplido, uma primeira conclusão impõe-se: tanto o contribuinte quanto o responsável poderão assumir a condição devedores, na exata acepção dada pelo artigo 4º, inciso I, da Lei de Execuções Fiscais [3].

Assim é, porque a legislação tributária discerne uma e outra figura (contribuinte e responsável) com a intenção de justificar a possibilidade, desde que satisfeitos os pressupostos que garantam o respeito ao princípio da capacidade contributiva, de constituir-se a obrigação tributária em face de terceiros que não titularizam a riqueza tributável.

Mas se é assim, por que então o mencionado artigo prevê, no inciso V, que a execução fiscal poderá ser promovida em face do "responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado"?

É no mínimo desconcertante afirmar que devedor, segundo o disposto na lei de execução fiscal, é conceito que abrange, tanto o responsável, quanto o contribuinte, para logo em seguida constatar que esse mesmo dispositivo legal trata, em separado, da hipótese de legitimação passiva do responsável tributário.

Apresso-me em afiançar que a incoerência é apenas aparente e se dissipa imediatamente quando se constata que o fenômeno da responsabilidade tributária não se restringe à constituição da obrigação tributária no momento do lançamento/autolançamento.

Pelo contrário, as mesmas normas que tratam desse fenômeno fomentam, além da contribuição para a edificação da obrigação tributária, a atribuição de responsabilidade patrimonial a terceiros que não figuram como devedores originais do crédito, bastando para comprovar essa situação aludir à já decantada hipótese de redirecionamento da execução fiscal em razão do encerramento irregular da empresa, quando os sócios administradores, com fundamento no inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional, são incluídos no polo passivo do processo executivo e passam a ter seu patrimônio passível de expropriação forçada [4].

Ora, esses sócios não poderiam ser alçados, por ocasião da constituição da obrigação tributária, à condição de sujeitos passivos, porque à época do lançamento o evento determinante de sua responsabilização ainda não tinha ocorrido, de modo que não haveria fundamento para tal medida.

Sucedendo o encerramento da empresa em momento posterior ao do lançamento, viável o redirecionamento da execução fiscal, quando se aplicará o disposto no inciso V do artigo 4º da Lei de Execuções Fiscais, viabilizando o redirecionamento da execução fiscal em face dos responsáveis tributários, dando ensejo a uma hipótese de litisconsórcio passivo ulterior.

Sendo assim, afirmar que contribuinte e responsável tributário enquadram-se na classe de devedores para fins de legitimação passiva no processo de execução fiscal, subsumindo-se à hipótese do inciso I do artigo 4º da Lei Execuções Fiscais é correto, mas limita-se à situação em que o responsável consta no polo passivo da obrigação tributária desde o momento de sua constituição, seja pelo lançamento ou pelo autolançamento.

De outro lado, materializa a legitimidade passiva do responsável que não figura como devedor da obrigação tributária, o inciso V do artigo 4º da mesma lei, figurando, portanto, aí a grande importância de sua previsão, reafirmando a correção do tradicional adágio jurídico que teima em nos lembrar que: "a lei não contém palavras inúteis".

 


[2] Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

[3] Art. 4º – A execução fiscal poderá ser promovida contra:

I – o devedor;

V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e

[4] Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. (SÚMULA 435, 1ª Seção, julgado em 14/4/2010, DJe 13/5/2010)

Autores

  • é doutor e mestre em Direito pela PUC-SP, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e em Direito do Estado pela ESPGE-SP, professor de Direito Tributário e Processo Tributário no Ibet-SP e na ESPGE-SP, procurador do estado de São Paulo e pesquisador do Grupo de Estudos em Processo Tributário Analítico do Ibet-SP.

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