Público & Pragmático

Negociação administrativa: uma boa perspectiva

Autor

  • Mariana Carnaes

    é advogada especialista em Direito Regulatório membro da Infrawomen Brazil e da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB-SP mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP doutora em Direito Administrativo pela USP e autora dos livros Compromisso de Ajustamento de Conduta e a Eficiência Administrativa.

6 de novembro de 2022, 8h00

Através do livro Processo Administrativo Negocial: balizas normativas para efetivar a negociação no âmbito regulatório [1], já tivemos a oportunidade de aprofundar o debate sobre a importância da negociação entre a seara pública e a privada.

Negociação esta que intenta conferir uma face mais colaborativa na relação entre as partes, comumente tida como puramente adversarial. Nesse sentido, a negociação traria incentivo para que as partes se sintam igualmente responsáveis pela construção do resultado, tornando mais suportável para ambas a realização de certos sacrifícios em prol de um fim comum. Construir-se-ia uma relação de ganha-ganha, em oposição à lógica binária do "tudo ou nada" contida na adversariedade, em que os sujeitos se colocam como antagonistas e resistem ao máximo aos desígnios um do outro. Através da negociação, é conferida abertura para a compreensão dos limites do outro, extraindo soluções efetivas e criativas dentro dos limites legais.

Muito se engana quem pensa que a negociação se resume à exceção nas relações público-privadas. Como ensina Egon Bockmann Moreira:

"Negociamos todos os dias, nos mais variados cenários e com inúmeros agentes públicos. Isso se dá desde débitos tributários até acordos de leniência, passando pelos procedimentos de manifestação de interesse. Também os pregões eletrônicos são negociações plurissubjetivas, nas quais a administração faz com que os interessados concorram entre si, uns a pautar as propostas dos outros. Igualmente, o momento das férias dos servidores distribui benefícios que não podem ser livremente concedidos. Se pensarmos na Operação Lava Jato, estamos a cogitar de técnicas para obter informações que ancorem a discussão e permitam alavancar acordos. Enfim, a negociação administrativa faz parte do nosso cotidiano banal" [2].

Sendo assim, seguindo na linha de Juarez Freitas de que a "[…] Lei de Processo Administrativo Federal precisa ser adaptada, o mais cedo possível, para contemplar o processo cooperativo e não adversarial" [3], o livro Processo Administrativo Negocial sugere a alteração do citado normativo para incluir balizas processuais que pautem a negociação possível da administração pública.

Isso porque, nenhuma atividade administrativa deve existir sem uma processualidade adequada que lhe confira segurança jurídica. Os standards mínimos para negociação conferem transparência, previsibilidade, facilitam o controle e incentivam a proatividade dos negociantes, já que estarão respaldados por normativos autorizantes.

Nesse contexto, o processo não engessa, mas legitima. O processo não atrasa, mas garante eficiência. O processo não burocratiza, mas dá segurança para seguir em frente.

Encontra-se em andamento o Projeto de Lei nº 2.481/2022 com proposta de alteração da lei de processo administrativo federal. Dentre outros temas, o artigo 2º passa a autorizar a negociação feita pela administração pública e atrela o processo administrativo aos ditames da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

Apesar de se reconhecer a importância em se explicitar tais pontos, conclui-se que eles não inovam no ordenamento jurídico: como antes demonstrado, a negociação faz parte do dia a dia administrativo, assim como é dedutivo que as normas contidas em uma lei introdutória também se apliquem ao processo administrativo.

Entende-se pela necessidade de verdadeiramente normatizar as balizas negociais, uniformizando aquilo que se espera das partes no quesito da negociação, como: o dever de colaboração público-privada, a paridade que deve existir na relação negocial, a possibilidade de se criarem soluções não antevistas em lei (mas não proibidas por ela, claro), a coautoria dos compromissos, motivação dos compromissos assumidos, o respeito a critérios objetivos, a eventual apresentação de evidências em embasem as proposições, dentre outros aspectos também explorados no livro.

Continuam sendo regras processuais gerais, mas que conferem maior densidade à negociação, quando unidas às normas contidas na LINDB. Parametriza-se a negociação, de modo que ela se torne segura e eficiente.

 


[1] CARNAES, Mariana. Processo Administrativo Negocial: balizas normativas para efetivar a negociação no âmbito regulatório. Londrina: Editora Thoth, 2022.

[2] MOREIRA, Egon Bockmann. Sentando-se à mesa de negociação com autoridades públicas. In: CUÉLLAR, Leila; MOREIRA, Egon Bockmann; GARCIA, Flávio Amaral; CRUZ, Elisa Schmidlin. Direito Administrativo e Alternative Dispute Resolution. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 23.

[3] FREITAS, Juarez. Direito administrativo não adversarial: a prioritária solução consensual de conflitos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 276, p. 25-46, set./dez. 2017. p. 38

Autores

  • é advogada especialista em Direito Regulatório, membra da Infrawomen Brazil e da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB-SP, mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP, doutora em Direito Administrativo pela USP e autora do livro Compromisso de Ajustamento de Conduta e a Eficiência Administrativa.

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