Processo Tributário

Honorários advocatícios e cumprimento de sentença no mandado de segurança

Autor

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

6 de novembro de 2022, 8h00

Segundo a orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — consolidada em sua Súmula 461 —, cabe ao contribuinte vitorioso em mandado de segurança individual que objetiva "declarar o seu direito de compensar" definir como concretizar a decisão judicial que, mesmo anomalamente, constitua obrigação de pagar quantia certa pela fazenda pública, se por meio de compensação ou pela via da restituição em espécie por precatório [1].

A legitimidade dessa opção foi tratada em artigo da lavra de Danilo Monteiro de Casto e Vanessa Damasceno Rosa de Spina, veiculado nesta coluna e em que os autores afirmaram que "a Súmula 213 do STJ há muito reconhece que o mandado de segurança é a via adequada para se declarar o direito à compensação, assim como a Súmula 461 da mesma Corte reconhece que cabe ao contribuinte escolher a forma como pretende receber o indébito tributário reconhecido por sentença declaratória, se por precatório ou por compensação" [2].

Não objetiva o presente texto questionar a posição jurisprudencial que admite a materialização da sentença de procedência do mandado de segurança para "declarar o direito de compensar" via precatório; ao contrário, dela se parte para tratar de questão que desse entendimento decorre: a aplicação, nessa específica hipótese, do § 1º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015 (CPC/2015), o qual consagra o princípio do sucumbimento na fase de cumprimento de sentença:

"Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

§ 1º. São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente."

O interesse por esse dispositivo, no contexto do processo tributário, advém do conteúdo do artigo 25 [3] da Lei federal 12.016/2009 — lei do mandado de segurança — que expressamente veda a possibilidade de condenação em honorários advocatícios nessa modalidade processual e que já teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ação direta de inconstitucionalidade 4.296 (a mesma que tratou das vedações à concessão de liminar em mandado de segurança [4]) [5].

Com esse cenário configurado, é nosso propósito responder à seguinte pergunta: a regra de sucumbência do CPC/2015 é extensível ao cumprimento de sentença em mandado de segurança para "declarar o direito de compensar" realizado via precatório? (restringe-se a análise à hipótese do precatório, pois se a opção for a compensação não haverá cumprimento de sentença, consagrando-se a reparação patrimonial em ambiente administrativo).

Bem, já foi dito que processo tributário é instrumento de solução do conflito de interesses havido entre fisco e contribuinte, sendo um dos meios de operacionalizá-la o mandado de segurança, destacado dos outros "tipos" processuais de provocação do poder judiciário por (1) assumir status constitucional, (2) ser concebido como mecanismo consolidador irrestrito do princípio do livre acesso à jurisdição judicial diante de ato de autoridades públicas [6] (3), ser dotado de um rito que não admite o desdobramento probatório porque exige a demonstração do direito líquido e certo na petição inicial e (4) projetar uma resposta célere para contenção de atos ilegais, praticados ou iminentes, além de, no que toca ao tema deste artigo, (5) ter seu processamento regulado por lei específica [7].

A partir da Lei federal 12.016/2009 a opção do legislador foi a de categoricamente excluir o princípio da sucumbência desse instrumento processual de resolução de conflitos, integrando em disposição normativa orientação consolidada até então na jurisprudência do STJ e do STF [8].

Sem dúvida, a escolha do legislador com tal exclusão pautou-se no discurso vencedor à época da vigência da Lei federal 1.533/1951 e do CPC/1973 que afastava a fixação de honorários advocatícios em ação mandamental.

Esse fator não depõe contra o texto positivado; ao contrário, deixa claro que a regra geral do CPC/2015 não pode ser estendida ao mandado de segurança, o que somente se admitiria na presença de disposição que assim determinasse, o que não há, sequer genericamente, uma vez que a Lei federal 12.016/2009 não determina a aplicação subsidiária do CPC/2015, fazendo-o apenas quando remete expressamente a seus artigos.

Poder-se-ia cogitar que o dispositivo do CPC/2015, porque posterior, contrapor-se-ia ao da lei anterior, já que à época da edição da lei federal 12.016/2009 não havia cumprimento de sentença contra a fazenda pública.

Reputamos, no entanto, que tal proposição não se sustenta, uma vez que o artigo 25 da lei do mandado de segurança aparta do princípio da sucumbência o processo de mandado de segurança em sua inteireza. Significa dizer: desde seu ato disparador (a petição inicial) até o instante da satisfação do direito material envolvido, e não apenas em uma das etapas da "forma de organização dos atos que compõem o processo" [9].

 


[1] O contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado (Súmula nº 461, Primeira Seção, julgado em 25/8/2010, DJe de 8/9/2010).

[3] Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.

[5] Afirmou o ministro Nunes Marques em voto vogal:

"HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM MANDADO DE SEGURANÇA

Aqui também não há a necessidade de grande esforço argumentativo para verificar a constitucionalidade da norma que prevê o descabimento de honorários sucumbenciais no âmbito do mandado de segurança (Lei nº 12.016/2009, art. 25).

A norma veio, na verdade, para consagrar o vetusto enunciado n. 512 da Súmula do Supremo, que já declarava há décadas: Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança.

As razões desse entendimento são bastante conhecidas e têm a ver com o acesso à justiça, em nada menosprezando a função eminente dos advogados, os quais poderão perfeitamente cobrar por seu trabalho mediante honorários contratuais.

A exclusão dos honorários sucumbenciais no mandado de segurança intenta oferecer maior segurança e confiança aos impetrantes para buscarem a proteção judicial em casos de ilegalidade ou abuso de poder.

Desse modo, reduz o receio da condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, capaz de desestimular o uso dessa ação constitucional de grande envergadura. O legislador, portanto, oferece, por esse meio, maior eficácia à norma constitucional que prevê o mandado de segurança (CF, art. 5º, LXIX e LXX), sem prejuízo — repito — de que o advogado seja remunerado pelos meios contratuais disponíveis.

É constitucional, portanto, o art. 25 da Lei nº 12.016/2009." (ADI 4.296, relator(a): MARCO AURÉLIO, relator(a) p/ acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 9/6/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-202 DIVULG 08-10-2021 PUBLIC 11-10-2021)

[6] Constituição Federal/1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[8] A referência é à Súmula nº 512 STF e nº 105 do STJ:

Súmula 512: Não cabe condenação em honorários de advogados na ação de mandado se segurança.

Súmula 105: Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios.

[9] CONRADO, Paulo Cesar. Execução Fiscal. 4ª edição. São Paulo: Noeses, 2020, p. 3.

Autores

  • é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do curso de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV LAW) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão e do grupo de estudos de “Processo Tributário Analítico” do Ibet.

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