Processo Tributário

Liminar em mandado de segurança x compensação: óbice do artigo 170-A CTN

Autores

  • Daniel de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário msc. candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) e internacional (IBDT) professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

  • Eduardo de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário MSc candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) conselheiro do CMT (4ª Câmara Julgadora) juiz suplente do TIT professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

2 de outubro de 2022, 8h00

Firmes na premissa de que a legislação processual deve ser interpretada à luz da relação jurídica de direito material conflituosa subjacente [1], o presente artigo retoma a controvérsia atinente à questão da compensação tributária ser autorizada por decisão liminar proferida em mandado de segurança.

O assunto foi abordado em outros três artigos [2] desta coluna, mas é reconvocado, tendo em vista que, recentemente [3], o Superior Tribunal de Justiça determinou o cancelamento de sua Súmula 212, que consolidava o entendimento de que a compensação de créditos tributários não poderia ser deferida em ação cautelar ou medida liminar cautelar ou antecipatória. Isso, a fim de alinhar sua orientação de jurisprudência ao julgamento da ação direta de inconstitucionalidade 4.296, no qual o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 7º, § 2º, da Lei 12.016/2009 [4].

Diante do posicionamento manifestado pela Suprema Corte e pelo Tribunal Superior, seria possível, a partir de então, admitir a efetivação de compensação de créditos tributários com fundamento em decisão liminar proferida em mandado de segurança?

A resposta ao questionamento acima demanda, necessariamente, a análise do teor do artigo 170-A do código tributário nacional, cuja redação institui vedação à compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.

Esse, portanto, é o critério fixado, pela legislação material, para que o sujeito passivo esteja autorizado a realizar compensações relacionadas a tributo objeto de ação judicial: o "trânsito em julgado da respectiva decisão judicial" que reconheça ao contribuinte o direito ao crédito do tributo objeto de contestação judicial.

Antes do advento do Código de Processo Civil de 2015, parece-nos que essa questão não comportaria maiores digressões, sendo facilmente resolvida pela literalidade do diploma anterior. Nos termos da legislação processual anterior, o termo "trânsito em julgado da respectiva decisão judicial", constante do artigo 170-A do CTN, seria definido, necessariamente, como "trânsito em julgado da respectiva sentença", único tipo decisório acobertado pelo manto da coisa julgada consoante o código de processo civil de 1973 [5].

De acordo com o CPC/1973, os efeitos da coisa julgada material somente eram atribuídos à sentença não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

Assim, interpretando-se o artigo 170-A do CTN à luz do CPC/1973, concluir-se-ia que decisões precárias e provisórias, tais como pedidos liminares concedidos em mandado de segurança, não seriam o veículo adequado para autorizar o sujeito passivo a realizar compensações tributárias, já que o trânsito em julgado somente seria verificado em decisões judiciais do "tipo" sentença.

Com a edição do Código de Processo Civil/2015, entretanto, diante dos posicionamentos jurisprudenciais recentemente fixados pelo STF e STJ, a leitura isolada da legislação processual poderia dar margem a resposta no sentido de que a decisão liminar poderia autorizar a compensação. Mas, não é isso que se dá, conforme demonstraremos.

O CPC/2015 sofreu alteração relevante no que tange ao calibre da decisão judicial em relação à qual recai o atributo da coisa julgada, pois, de acordo com o seu artigo 502 [6], a coisa julgada material se forma sobre decisão de mérito não mais sujeita a recurso, portanto, de conteúdo de artigo 487 [7], que pode ser veiculada, tanto em sentença, como em decisão interlocutória proferida em julgamento antecipado parcial de mérito, essa última nos termos do seu artigo 356 [8].

Portanto, em comparação com a legislação processual anterior, a coisa julgada não está restrita à sentença, abrangendo decisões proferidas no curso do processo, portanto, interlocutórias, mas não qualquer interlocutória, apenas aquelas que tratem do mérito da demanda, isto é, do direito material pretendido pelo proponente da demanda.

A literalidade do artigo 170-A do CTN não qualifica o tipo de decisão judicial transitada em julgado, valendo-se da expressão genérica "decisão judicial", cujo conteúdo, se lido conjugadamente ao referido artigo 502 do CPC/2015 e à manifestação de inconstitucionalidade do § 2º, do artigo 7º, da Lei 12.016/2009, poderia conduzir à equivocada conclusão de que a decisão concessiva de liminar, porque interlocutória, respaldaria o sujeito passivo a realizar compensações.

Entretanto, não é qualquer decisão interlocutória que assume a autoridade da coisa julgada [9], tão somente a que aprecia o mérito da demanda com cognição exauriente, o que não se corporifica na apreciação da liminar no mandado de segurança, seja porque conforma-se sobre os pressupostos do fumus e do periculum, portanto, apreciação não exauriente e sem análise do mérito da demanda, seja porque pode ser revogada a qualquer tempo até e na própria sentença, cujo conteúdo inclusive se lhe sobrepõe.

Assim, a interpretação da legislação processual à luz do ciclo de positivação da obrigação tributária leva à conclusão de que a compensação, para que opere seus efeitos enquanto causa extintiva da obrigação tributária, demanda situação de definitividade incompatível com decisões provisórias da potência das liminares em mandado de segurança.

Os recentes posicionamentos exteriorizados pelo STF e pelo STJ poderiam respaldar a prolação de decisão que autorize a transmissão de declarações de compensação até o trânsito em julgado da demanda, determinando a suspensão da exigibilidade dos débitos confessados e, eventualmente, afastando os efeitos previstos no § 12, II, "d" do artigo 74 da Lei 9.430/1996[10].

No entanto, em nenhuma hipótese a decisão liminar em mandado de segurança seria capaz de permitir o efetivo encontro de contas entre sujeito ativo e sujeito passivo, haja vista a necessidade de um evento dotado de definitividade para que a obrigação tributária alcance o estágio de exigibilidade exaurida, como já tivemos a oportunidade de tratar nesta coluna [11].

 


[3] O cancelamento da Súmula 212 pela 1ª Seção do STJ ocorreu na sessão de 14/9/2022, decisão de cancelamento essa publicada no DJe de 19/9/2022.

[4] Apenas para lembrar a leitora e o leitor: esse dispositivo da lei de mandado de segurança vedava a concessão de liminar para autorizar a compensação. Seu conteúdo é:

Art. 7º. (…)

§ 2º. Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.”

[5] Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.

[6] Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

[7] Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:

I – acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;

II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

III – homologar:

a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção;

b) a transação;

c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.

[8] Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:

I – mostrar-se incontroverso;

II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

[9] Para mais informações a respeito sobre os tipos decisórios habilitados pelo CPC/2015 ao trânsito em julgado, clique aqui

[10] Art. 74. (…)

§ 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses:

II – em que o crédito

d) seja decorrente de decisão judicial não transitada em julgado

Autores

  • é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário, msc. candidate em Blockchain e Digital Currency pela University of Nicosia, especialista em Direito Tributário Nacional (PUC) e Internacional (IBDT), professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu, pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e Advogado em São Paulo.

  • é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário, MSc candidate em Blockchain e Digital Currency pela University of Nicosia, especialista em Direito Tributário Nacional (PUC), conselheiro do CMT (4ª Câmara Julgadora), juiz suplente do TIT, professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu, pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!