Ambiente Jurídico

Guardas Municipais e a proteção do meio ambiente e do patrimônio cultural

Autor

  • Marcos Paulo de Souza Miranda

    é promotor de Justiça em Minas Gerais coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais (Caocrim) e membro do International Council of Monuments and Sites (Icomos).

5 de novembro de 2022, 8h00

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que em meados de 2022, dos 5.560 municípios brasileiros, 982 possuíam Guardas Municipais instaladas.

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O fundamento constitucional para a criação das Guardas Municipais reside no artigo 144, § 8º, da Carta Magna, que estabelece que os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

Em nível infraconstitucional, a Lei nº 13.022, 8 de agosto de 2014, estabeleceu o Estatuto Geral das Guardas Municipais, com a função de proteção municipal preventiva, ressalvadas as competências da União, dos estados e do Distrito Federal. Pela Lei nº 13.675/2018 as Guardas Municipais foram formalmente integradas ao Sistema Único de Segurança Pública.

Por se constituírem estruturas relativamente recentes e ainda em fase de maturação, percebe-se ser necessária maior reflexão acerca do verdadeiro papel esperado das Guardas Municipais, que, conforme decidido recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, não possuem permissão constitucional "para realizarem atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil para combate da criminalidade urbana ordinária". (AgRg no HC nº 771.705/SP, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 4/10/2022).

Por outro lado, campos enormes de atividades que podem ser legitimamente exercidas pelas Guardas Municipais precisam ser mais bem explorados, notadamente no que diz respeito ao meio ambiente, ao ordenamento urbano e ao patrimônio cultural.

De acordo com publicação da Secretaria Nacional de Segurança Pública sobre o tema:

"Essas premissas definem a esfera de atuação das Guardas Municipais, para todo o Brasil, a fim de se evitar desvio de finalidade, abusos, exercício indevido da função, interpretações jurídicas dúbias ou concorrer com responsabilidades de forças policiais estaduais e federais. Permite, ainda, a integração dos esforços com outras forças, conforme a Lei do Susp.

As Guardas devem concentrar esforços nas ações de prevenção primária pela presença ostensiva nos equipamentos públicos, colaborar com o combate à desordem urbana, preservação do patrimônio ecológico, histórico, cultural e imaterial das cidades, garantindo a boa execução dos serviços sob a responsabilidade dos municípios." (BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp): Livro Azul das Guardas Municipais do Brasil. [Coordenado por] Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Brasília, 2019)

Veja-se que a possibilidade de atuar nas áreas acima citadas é expressamente prevista na Lei Federal nº 13.022/2004:

"Art. 5º — São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:

VII – proteger o patrimônio ecológico, histórico, cultural, arquitetônico e ambiental do Município, inclusive adotando medidas educativas e preventivas;

XII – integrar-se com os demais órgãos de poder de polícia administrativa, visando a contribuir para a normatização e a fiscalização das posturas e ordenamento urbano municipal;"

A conjugação dos dispositivos transcritos, bem como a regulamentação própria das respectivas leis locais, abrem amplas perspectivas de atuação das Guardas Municipais atuarem na fiscalização de diversos aspectos do meio ambiente em suas dimensões natural, cultural e urbanística, inclusive lavrando autos de infração e impondo sanções administrativas aos responsáveis.

No campo da poluição visual, por exemplo, entendemos que as Guardas podem atuar em relação às publicidades irregulares (outdoors, painéis e outros engenhos de publicidade instalados à margem da lei), pontos de descarte ilícito de resíduos urbanos, bem como às pichações empreendidas não raras vezes por associações criminosas que disputam território e poder.

A poluição sonora provocada por estabelecimentos comerciais e eventos que desenvolvem suas atividades à margem da lei é outra área de importância para a atuação das Guardas Municipais.

No campo do ordenamento urbanístico, construções clandestinas, parcelamentos ilegais, ocupação ilícita de espaços urbanos, captação clandestina de água potável e supressão de vegetação em áreas urbanas também podem ser objeto de atuação da Guarda Municipal. A tal respeito, vale ressaltar que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais já teve a oportunidade de assim decidir sobre auto de infração lavrado pela Guarda Municipal de Varginha, que, inclusive, conta com um Grupamento Especializado em Meio Ambiente (GMAT):

"Considerando que o art. 6º, III, do Decreto Municipal nº 3.520/2004, prevê que compete à Guarda Municipal de Varginha "auxiliar na fiscalização de áreas verdes e na defesa do meio ambiente", entendo que tal órgão pode promover a fiscalização e autuação em casos de danos ambientais. Assim, não se verifica qualquer irregularidade quanto à competência dos agentes que promoveram a autuação. Acrescente-se que a fiscalização decorreu de pedido da Gerência de Serviço de Planejamento, Gestão e Fiscalização Ambiental da Prefeitura de Varginha." (TJ-MG; AI 1182738-67.2021.8.13.0000; 5ª Câmara Cível; rel. des. Luís Carlos Gambogi; julg. 12/8/2021; DJEMG 13/8/2021).

No campo do patrimônio cultural, a vigilância preventiva (inclusive por videomonitoramento) em relação à conservação, à manutenção e à higidez dos bens culturais protegidos (tombados, inventariados, integrantes de áreas de proteção especial etc.) tem potencial para induzir o efetivo cumprimento do princípio da intervenção estatal obrigatória imposta aos entes federativos pelo artigo 23, III e IV da Constituição Federal.

Outra missão que nos parece essencial às Guardas Municipais diz respeito à implementação de ações permanentes de orientação e educação ambiental e patrimonial, sobretudo envolvendo o corpo discente e docente das unidades de ensino municipal, de forma a colaborar com a implantação da cultura de paz, a preservação da vida e do respeito aos valores coletivos na comunidade local.

Como assinalado, a interação com a comunidade do município, para acompanhamento e discussão de problemas e projetos voltados à melhoria das condições de segurança (em todos os aspectos), é decisiva para a pacificação dos conflitos. Além disso, a proximidade do policiamento humaniza a ação, condição almejada por toda a sociedade. (BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp): Livro Azul das Guardas Municipais do Brasil. [Coordenado por] Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Brasília, 2019 – p. 14.)

Enfim, parece-nos importante um novo olhar e maior especialização das Guardas Municipais para o desempenho de ações em prol da defesa do meio ambiente, do urbanismo e do patrimônio cultural em nosso país, a fim de que as promissoras estruturas municipais não se arvorem indevidamente no cumprimento de medidas próprias das polícias, nem deixe de atuar em campos que lhes são reservados pela legislação vigente.

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