Processo Tributário

Prazo para Fazenda opor-se a sentença no caso de alteração jurisprudencial

Autor

  • Rodrigo G. N. Massud

    é advogado mestre e doutorando em Direito Tributário pela PUC-SP especialista em Direito Tributário e em Processo Civil pela PUC-SP/Cogeae professor dos cursos de especialização em Direito Tributário e extensão em "Processo Tributário Analítico” do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e Pesquisador do grupo de estudos de "Processo Tributário Analítico" do Ibet.

6 de março de 2022, 8h00

Em texto anterior [1], ao tratarmos da impugnação ao cumprimento de sentença com "efeito rescisório", disposta no artigo 535, §§ 5º a 8º, do CPC [2], surpreendemo-nos com um tipo diferente de sincretismo processual, no caso de opção do contribuinte pela realização do seu direito em ambiente administrativo [3].

Restou em aberto, contudo, a pergunta sobre os limites temporais para a provocação fazendária na oposição ao título judicial, em seus diferentes ambientes de realização, e, também, distintos fundamentos (alteração jurisprudencial anterior ou posterior).

Pois bem, iniciemos a partir das provocativas reflexões de Paulo Conrado em torno da noção do conceito de processo [4], ao concluir que a coisa julgada não pode ser tomada como marco terminativo do conflito, "pois nem toda sentença transitada em julgado esgota o conflito que originou a relação processual".

Trata-se, podemos dizer, de um desdobramento da alteração do próprio conceito de sentença já no CPC/73 [5], conceito esse que há tempos cedeu espaço ao critério meramente topológico.

Sincretismo, instrumentalidade e efetividade, portanto, ganham contornos práticos importantes na (re)análise do conceito de processo, sobretudo nas ações de repetição de indébito, nas quais a figura da coisa julgada é insuficiente para marcar o encerramento do processo/conflito, senão de uma fase processual.

A par da insuficiência resolutiva do conflito, uma leitura parcial dessa afirmativa poderia levar a uma outra (porém equivocada) conclusão, de que somente com o pagamento (lato sensu), do título executivo, colocar-se-ia fim ao estado (dito transitório) de conflituosidade, operando a desejada passagem para o estado de solução. Conclusão como essa estenderia o estado de pendência (e, consequentemente, de "rescindibilidade") do título executivo judicial.

Tomada a premissa a essa maneira, a Fazenda Pública poderia opor-se ao título executivo, nas hipóteses previstas no artigo 535, §§ 5º a 8º, do CPC, até o momento do pagamento do precatório ou da homologação das compensações administrativas.

E mais: na medida em que o regime de oposição fazendária ao título executivo está condicionado a determinadas circunstâncias específicas de alteração jurisprudencial, poder-se-ia sustentar, inclusive, a perpetuação do estado conflituoso até que sobreviesse a resposta definitiva (precedente final) sobre a matéria, o que permitiria concluir até mesmo por uma repetibilidade de indébitos tributários já liquidados, mediante lançamento para exigência dos valores devolvidos ao contribuinte.

Ou seja, exemplos claros de uma indesejada redução epistemológica das noções de instrumentalidade e efetividade à distorcida noção de simplificação processual [6].

Assim, é preciso conciliar o novo regime rescisório com a desejada segurança jurídica, o que se faz, em primeiro lugar, a partir da regra de direito intertemporal estabelecida no artigo 1.057 do CPC, segundo a qual o regime disposto no artigo 535, §§ 7º e 8º, aplica-se às sentenças transitadas em julgado após a entrada em vigor do CPC/15 (18/3/2016).

Em segundo lugar, é preciso compreender que o referido regime de impugnação por alteração jurisprudencial está inserido no capítulo destinado ao "cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública", produzindo uma tutela [7] com eficácia desconstitutiva da relação de responsabilidade patrimonial estabelecida na coisa julgada que gerou o título executivo judicial (efeitos ex nunc) [8] [9].

Ou seja, corrige-se o presente, em virtude do estado de pendência do cumprimento de sentença considerada inconstitucional, privilegiando, tanto quanto possível, a função interpretativa do texto constitucional atribuída ao STF.

Por meio desse regime de oposição, a Fazenda pretende, portanto, a obtenção de provimento desconstitutivo da relação de indébito tributário, cassando a executabilidade do título (inciso III, do artigo 535, do CPC [10]), de modo a permitir, materialmente, a não satisfação do dever de recompor o dano patrimonial ao contribuinte.

O fundamento (causa de pedir) desse provimento desconstitutivo da obrigação de indébito é o juízo de adequação entre coisa julgada "exequenda" e o paradigma do STF.

Não se procura alterar o passado, muito menos reverter indébitos já liquidados [11].

Tomadas as coisas nesses termos, cumpre verificar os momentos adequados para a oposição fazendária ao título executivo, separando as hipóteses do § 7º e do § 8º, do artigo 535, do CPC, as quais tratam, respectivamente, da alteração jurisprudencial anterior e posterior à formação do título executivo judicial.

Pois bem, no caso de (1) alteração anterior, por óbvio, a Fazenda deve observar o prazo legal de 30 dias para a apresentação da competente impugnação ao cumprimento de sentença. Uma vez não o fazendo, ou sendo esta rejeitada, segue-se com a expedição da ordem requisitória ao Tribunal, dando-se por encerrada a fase sincrética de cumprimento de sentença, não mais sujeita a qualquer oposição fazendária [12] [13].

Os problemas surgem, todavia, na situação de (1.a) opção do contribuinte pela via administrativa, bem como (2) alteração jurisprudencial posterior ao trânsito em julgado do título exequendo, tenha ela se dado (2.a) no ambiente de cumprimento judicial, ou (2.b) no ambiente administrativo.

Na situação "1.a" (alteração jurisprudencial anterior e opção pelo cumprimento administrativo), pensamos que a Fazenda deve ser intimada, no momento em que o contribuinte manifesta sua desistência ao cumprimento judicial a fim de seguir no administrativo, de modo a exercer sua faculdade processual de oposição ao título [14]. Em não havendo tal intimação, teríamos três possíveis soluções: reconhecer a possibilidade de oposição fazendária, mediante provocação nos mesmos autos judiciais originários (a) no prazo de 30 dias após a apresentação do pedido de habilitação do crédito; (b) no prazo de 30 dias após a apresentação do PER/DComp inicial; ou (c) até o momento da homologação, expressa ou tácita, dos PER/DComps.

Segundo pensamos, a solução que nos parece mais adequada seria a intermediária "b", na medida em que é neste momento que o contribuinte exerce e inicia sua pretensão executória de realização administrativa do título judicial, sendo o momento "a" meramente preparatório (pressuposto formal).

Reforça essa conclusão, ainda, o fato de a própria fazenda, recentemente, ter manifestado entendimento pelo oferecimento dos indébitos à tributação no momento da transmissão do primeiro PER/DComp [15].

Além do mais, retomando as premissas iniciais: (i) não cabe autotutela administrativa no momento da expedição do despacho decisório, devendo haver a provocação judicial para a instauração de ambiente impugnativo de controle ou adequação da relação obrigacional decorrente do indébito; e (ii) o pagamento (lato sensu) não pode perpetuar um estado processual de cumprimento administrativo, dilatando uma faculdade processual (de oposição ao título executivo), sobretudo porque, na hipótese, a alteração jurisprudencial é anterior.

Resta, por fim, enfrentar a situação "2" (alteração jurisprudencial posterior, com opção pelo cumprimento judicial — "2.a", ou administrativo — "2.b"). Nessa situação, há expressa previsão legal de utilização da ação rescisória (de constitucionalidade duvidosa), a ser ajuizada no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da decisão paradigma do STF.

As soluções, segundo pensamos, acabam se desdobrando também aqui, com pequena diferença no ambiente administrativo: (1) no caso de cumprimento em ambiente judicial, expedida a ordem requisitória ao tribunal, não caberia mais a oposição fazendária, sob pena de perpetuar o estado de pendência da conflituosidade para até o pagamento dos precatórios; e (2) no caso de opção pelo ambiente administrativo, porém, a oposição fazendária via ação rescisória, por ser veiculada em ação autônoma, deve ocorrer, respeitado o prazo de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão do STF, até o momento da análise dos PER/DComps que formalizam a dupla e implicada relação obrigacional da compensação cujos efeitos (extintivos) se pretende afastar. Realizada a homologação, expressa ou tácita, das compensações, encerra-se o espaço (processual e material) para a Fazenda se opor à realização administrativa do título, até mesmo por falta de interesse de agir.

 


[2] "Art. 535 (…).

§ 5º. Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

§ 6º. No caso do § 5º, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica.

§ 7º. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5º deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda.

§ 8º. Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal."

[3] Concluímos naquela oportunidade que as diferentes formas de cumprimento de sentença (judicial ou administrativa) não implicariam distinção nos regimes de controle e adequação da coisa julgada, de modo que, mesmo na hipótese de opção pela habilitação e compensação administrativa, aplicar-se-ia o regime rescisório do CPC. Consequência disso é que não pode(ria) a Fazenda Pública exercer qualquer tipo de autotutela administrativa, devendo promover a provocação judicial para se opor à executabilidade do título ou à exigibilidade da obrigação, nos mesmos autos originários na situação do § 5º (alteração jurisprudencial anterior à formação da coisa julgada), ou em novos autos autônomos na situação do § 8º (alteração jurisprudencial posterior).

[5] Na redação original do CPC/73, em seu artigo 162, sentença era "ato pelo qual o juiz põe termo ao processo". Com a Lei nº 11.232/05, passou-se a identificar o conceito de sentença a partir do seu conteúdo.

[6] Para uma análise segura ao tema da instrumentalidade e efetividade no processo tributário, remetemo-nos ao texto inaugural desta coluna: https://www.conjur.com.br/2021-mar-02/paulo-conrado-processo-tributario-instrumentalidade. No âmbito das tutelas provisórias em sede de compensação, encontramos outro desdobramento da instrumentalidade no seguinte texto: https://www.conjur.com.br/2021-jul-25/processo-tributario-tutela-provisoria-supremo-compensacao. E ainda, tratando da instrumentalidade no âmbito recursal, confira-se: https://www.conjur.com.br/2021-jul-04/processo-tributario-acoes-tributarias-jurisdicao-delimitacao-causa-recorrer-instrumentalidade.

[7] Apesar das discussões doutrinárias acerca da natureza jurídica da impugnação ao cumprimento de sentença (se defesa ou ação), parece-nos inegável e inerente ao atual estágio do sincretismo processual, admitirmos a possibilidade de produzir tutela de conhecimento com pronunciamento de mérito, extrapolando, portanto, efeitos para fora do processo e formando coisa julgada.

[8] "(…) São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado (…).

(…) a procedência dos embargos à execução ou do incidente de impugnação inibem a prática dos atos executivos da sentença atacada e impõem a extinção do processo de execução" (ADI 2418/DF, rel. min. Teori Zavascki, Plenário, j. 4/5/2016 — grifamos).

[9] Sem adentrar na questão do conteúdo decisório (rescisório versus cessação de eficácia da coisa julgada), quer-nos parecer que, do ponto de vista material, por qualquer ângulo, a tutela que acolhe a impugnação fazendária possui eficácia ex nunc, ou seja, demarca (encerra) prospectivamente a relação patrimonial de indébito tributário reconhecida no título.

[10] O dispositivo não fala mais em inexigibilidade do título, senão, corretamente, em inexequibilidade do título (pressuposto e atributo da executabibilidade). Costuma-se diferenciar, em direito tributário, exigibilidade de executabilidade, representando graus diferentes de eficácia da obrigação, de modo que é possível uma obrigação exigível, mas não exequível. Por isso, o título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo STF, em certas circunstâncias, em regra perde sua executabilidade, não sua exigibilidade.

[11] De maneira mais aprofundada, tratamos desse tema no seguinte artigo: Coisa julgada 'especialmente soberana' nas ações de repetição de indébito e na compensação tributária: como ficam os indébitos no tempo?. In: CONRADO, Paulo Cesar; ARAUJO, Juliana Furtado Costa [Coords.]. Proceso Tributário Analítico — vol. IV. São Paulo: Noeses, 2018, p. 191/212.

[12] A satisfação do título executivo (pretensão executória), em observância ao regime constitucional previsto no artigo 100 da CF/88, se dá com a requisição de pagamento dos precatórios/requisitórios ao Tribunal competente e inclusão da obrigação na respectiva dotação orçamentária (artigo 100, § 5º), oportunizando-se ao contribuinte credor, nos termos dos §§ 13 e 14, do artigo 100, inclusive ceder, total ou parcialmente, o seu direito creditório, independentemente da concordância do devedor.

[13] O encerramento do cumprimento de sentença pressupõe a imediata transmissão da requisição de pagamento, de modo que, havendo resistência protelatória, não pode a Fazenda Pública utilizar dessa morosidade para justificar a oposição ao título.

[14] A esse respeito e sob fundamentos complementares, remetemo-nos também ao seguinte artigo: CASTRO, Danilo Monteiro. Compensação Tributária, coisa julgada e os §§ 5º a 8º do artigo 535 do CPC. In: Carvalho, Paulo de Barros [Coord.]. XVII Congresso Nacional de Estudos Tributários: meio século de tradição. São Paulo: Noeses, 2021, p. 425/443.

[15] Solução de Consulta Cosit nº 183, de 7 de dezembro de 2021: "Na hipótese de compensação de indébito decorrente de decisões judiciais transitadas em julgado nas quais em nenhuma fase do processo foram definidos pelo juízo os valores a serem restituídos, é na entrega da primeira Declaração de Compensação, na qual se declara sob condição resolutória o valor integral a ser compensado, que o indébito e os juros de mora sobre ele incidentes até essa data devem ser oferecidos à tributação pelo IRPJ".

Autores

  • é advogado, mestre e doutorando em Direito Tributário pela PUC-SP, especialista em Direito Tributário e em Processo Civil pela PUC-SP/Cogeae, professor dos cursos de especialização em Direito Tributário e extensão em "Processo Tributário Analítico” do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e Pesquisador do grupo de estudos de "Processo Tributário Analítico" do Ibet.

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