Processo Tributário

O cumprimento de sentença e o conceito de processo: possíveis impactos

Autor

  • Paulo Cesar Conrado

    é juiz federal em São Paulo professor do Curso de Especialização do Ibet professor e coordenador do curso e do grupo de estudos do "Processo tributário analítico" do Ibet e professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP.

11 de julho de 2021, 8h00

Processo é palavra que, dentro e fora do Direito positivo, comporta inúmeros sentidos. Talvez o mais comum, ao menos no Direito, é de "relação que formaliza um conflito verificado no campo material, desenvolvendo-se na direção de sua solução". Seguimos, nesta coluna, essa acepção, ocupando-nos dos conflitos verificados no específico domínio tributário — daí falarmos em processo tributário.

Em tempos atuais, porém, é desejável (ou melhor, necessário) que, usando da proposta analítica que nos orienta, realcemos a existência de um aspecto subjacente àquele conceito, uma espécie de viés implícito (ou subconceito) — o de transição.

Essa ideia — a de transição, repita-se — nos persegue em diversos ambientes, não só no jurídico. Talvez por isso, de tão comum (simples até) deixou de ser percebida; mas é muito importante!

Estar em processo é estar em transição — de um estado migramos para outro.

Em Direito, o estado conflituoso, porque indesejado, deve ser reconduzido ao estado de harmonia — não no sentido íntimo, mas no dos comportamentos objetivos.

O processo instrumentaliza essa passagem. Como relação jurídica, exaure-se, portanto, quando há efetiva transposição daqueles estados.

Pensando o fenômeno processual a partir da ideia de instrumentalidade, o CPC de 2015 nos provoca sobre essa face conceitual, como que a retirando da sombra das formalidades em que aparentava estar oculta. E o faz não por meio de enunciados teórico-abstratos, mas, muito melhor do que isso, por força de técnicas concretas, como a do cumprimento de sentença.

Reflitamos: se o processo é relação que serve ao Direito material em estado conflituoso, visando à sua eliminação, quando ele, processo, cumpre(iu) sua missão?

Essa é a pergunta que, segundo o peso que damos à ideia de instrumentalidade, nos desafia neste momento.

Em nossa tradição, trabalhamos com a figura da coisa julgada como marco terminativo do processo, uma verdade relativa no campo de especulação que tomamos (o tributário), pois nem toda sentença transitada em julgado esgota o conflito que originou a relação processual.

Pois vejam a mesma pergunta há pouco lançada ressurgindo (agora com um traço adicional de resposta aflorando): se a formação da coisa não esgota, em todos os casos, a transposição de estados a que vínhamos nos referindo — do "estado 1" (de conflito) para o "estado 2" (de solução) —, seria possível dizer que o processo se exauriu? Parece que não, daí a opção deliberada no CPC de 2015 pela figura do cumprimento de sentença também contra a Fazenda.

Há, nesse contexto, uma mensagem direcionada aos operadores do Direito Tributário: sentença proferida contra a Fazenda em matéria tributária, quando tornada definitiva, só exaure o processo quando, por si, nos coloca no estado de solução — gaveta em que se alojam, por exemplo, as sentenças anulatórias de lançamento. Quando assim não sucede, porém, é preciso mais.

Pois é justamente isso o que ocorre quando falamos de sentenças que reconhecem como indébito o pagamento de determinado tributo. Essas sentenças, na projeção do CPC de 2015, devem ser cumpridas para que se esgote o conflito, momento em que a transição ínsita ao conceito de processo se perfectibilizará.

Assim sempre foi, podemos dizer, mesmo antes do CPC de 2015. O que há de interessante na "nova" realidade positivada, no entanto, é a explicitação da ideia mediante a introdução da ferramenta prática do cumprimento. A sentença transitada deixa de ser marco terminativo do processo (à medida que a transição de estados não se operou) e passa a ser marco terminativo de uma fase do processo — que continua aceso, num claro reconhecimento do direito posto de que processo é figura instrumentalizadora de um estado de transição —, enquanto ela, transição, não se aperfeiçoar, o processo não se esgota.

Mais do que conceituais-acadêmicas, essas colocações são de importância vital em termos práticos, pois nos chamam a atenção sobre a (in)viabilidade do uso do trânsito em julgado como marco determinativo de certos efeitos jurídicos, mormente quando falamos de sentença transitada que reconhece o indébito e que precisa ser cumprida (e muitas vezes o é não judicial, mas administrativamente, caso já clássico, no Direito federal, da compensação).

Por uma questão de coerência sistêmica (e de segurança, por conseguinte), reconhecendo que a sentença transitada não é suficiente para a passagem de estados (do conflito para a solução), parece que o plano processual nos dá pistas claras, desde 2015, de que não é adequado ver o trânsito como fato gerador da incidência de efeitos jurídicos outros (inclusive tributários), a não ser por emprego de raciocínio ficcional, visto que ficcional seria, apenas com o trânsito, a passagem de estados aqui reiteradamente mencionada.

Autores

  • Brave

    é juiz federal em São Paulo, professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP e professor e coordenador do curso e do grupo de estudos em "Processo tributário analítico" do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!