Improbidade em debate

Multa e dosimetria

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27 de maio de 2022, 8h03

Embora os incisos I e II do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992 estabelecessem, em sua redação original, um teto para a sanção de multa superior àquele que viria a ser fixado após a reforma empreendida pela Lei nº 14.230/2021, eles possuíam uma virtude que aparenta ter passado ao largo da mudança normativa: margem para uma calibragem na dosimetria da pena pecuniária.

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Mais claramente, a norma original trazia a possibilidade de multa de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial (artigo 9º) ou de até duas vezes o valor do dano (artigo 10). Na redação reformada, de sua vez, o limite máximo foi minorado, como antecipado, mas a dicção legal em tese teria imposto um patamar fixo a ser observado: em lugar da locução "até", adotou o legislador a expressão "equivalente" — ao acréscimo, no caso do artigo 9º, e ao valor do dano, no caso do artigo 10, sem prejuízo, na esteira do § 2º do artigo 12, de a sanção poder ser aumentada até seu dobro a fim de preservar a proporcionalidade em sua reprovabilidade e seu caráter pedagógico.

Nosso ponto está em que a alteração teria eliminado uma margem variável entre zero e (1) três vezes o valor do acréscimo (artigo 9º) ou (2) duas vezes o valor do dano (artigo 10) e passado a ditar, de modo fixo, e como regra, um valor igual ao acréscimo ou ao dano, admitindo-se excepcionalmente a razão dobrada. Com isso, em nosso sentir, e adotada uma interpretação literal da lei, ficaria o julgador premido de uma dosimetria daquela sanção, somente havendo margem para incidência de circunstância agravante a autorizar o incremento da pena pecuniária até seu dobro.

A dissonância ainda se revela quando tomamos em consideração os §§ 4º e 5º do mesmo artigo 12, a rezar, respectivamente, que, (1) na eventual extrapolação da sanção de proibição de contratação para além do ente lesado, deve se tomar em conta a observância da função social da empresa como baliza e (2) prevê a possibilidade de, em atos de menor ofensa, se cominar tão somente a pena de multa.

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Explicamos: se a função social da empresa há de ser considerada como contraponto ao agravamento de uma dada sanção, também deveria ser capaz de operar em favor da dosimetria e da atenuação de multa. Ao mesmo tempo, se a menor ofensividade de dados atos pode autorizar unicamente a pena de multa, deveria também admitir sua redução para aquém de valor que, por isso, não deveria ser considerado previamente fixado e imutável.

Ainda além, o § 4º do artigo 18 revela a hipótese de o juiz autorizar o parcelamento em até quarenta e oito parcelas mensais do débito resultante de condenação pela prática de improbidade administrativa se o réu demonstrar incapacidade financeira de saldá-lo de imediato. Não vemos por que motivo essa disposição não possa ser aplicada analogicamente à multa e, no mesmo sentido, como essa mesma incapacidade financeira não mereça ser considerada na dosimetria, para aquém, da pena pecuniária.

Finalmente, se lido o artigo 17-B, I e II, dele deflui a possibilidade teórica de acordo de não persecução cível não somente fixar multa para aquém do piso normativo, mas, até, de deixá-la de fixar como sanção. Isto é, é em tese possível que decisão judicial homologue ajuste que deixe de cominar a pena pecuniária ou que a fixe aquém do limite mínimo, não havendo sentido em que decisão judicial que julgue a ação não pudesse fazer o mesmo.

Por todas essas razões, sustentamos que os incisos I e II do artigo 12 devem ser interpretados em conjunto com as demais disposições da Lei nº 8.429/1992 para o fim de autorizar, na dosimetria da pena de multa, valores inferiores àqueles estabelecidos nos aludidos dispositivos, incidindo nessa análise, e bem assim como contraponto à virtual majoração da multa até seu dobro (§ 2º), a função social da empresa, a capacidade de pagamento e o princípio da individualização da pena. E mais: pelos mesmos motivos, reputamos aplicável à multa, por analogia, o § 4º do artigo 18, admitindo-se o pagamento parcelado da cominação.

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