Licitação e desenvolvimento nacional sustentável: algumas particularidades
13 de maio de 2022, 8h05
A redação original da Lei nº 8.666/1993 não contemplava, como política pública para as licitações, o desenvolvimento nacional sustentável. Entretanto, o assunto restou superado e parcialmente solucionado com a edição da Lei nº 12.349/2010, que, conferindo nova redação ao artigo 3º, instituiu a promoção do desenvolvimento nacional sustentável como princípio da licitação.
Trata-se, sem dúvidas, de inegável avanço, que contempla não apenas uma política pública, como também o atendimento a um mandamento constitucional, estimulando a sadia atividade empresarial notadamente prospectiva.
A par das nuances que permeiam o conceito de sustentabilidade, há uma infinidade de discussões que gravitam na essência de seu conteúdo prático. O desenvolvimento sustentável deve ser entendido como aquele que provê a todos um nível de avanço econômico e ambiental básico sem, contudo, extrapolar os recursos naturais dos quais esse serviço depende. É, portanto, um equilíbrio entre tecnologia e ambiente, promovendo justiça e equidade social.
Nesse contexto, a Lei nº 14.133/2021 foi um tanto mais prodigiosa que a Lei nº 8.666/1993, à medida em que não lindou o desenvolvimento nacional sustentável apenas ao campo principiológico, muito embora a força indicativa de um normativo de tal jaez proporcione uma interpretação de toda a lei numa ambiência mais sistemática do que se isolada fosse a norma, tal qual uma norma-regra.
Ocorre que o legislador, como já mencionado, foi além, insculpindo, por exemplo, como objetivo do processo licitatório, dentre outros, "incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável" (inciso IV do artigo 11 da Lei nº 14.133/2021). Marçal Justen Filho [1] parte do pressuposto de que a busca do desenvolvimento nacional sustentável não é uma finalidade da licitação em si, mas de toda a contratação pública. Para o autor "a licitação é um procedimento seletivo de propostas — esse procedimento não é hábil a promover ou deixar de promover o desenvolvimento nacional sustentável". Mesmo assim, a "licitação passa a ser orientada a selecionar a proposta mais vantajosa inclusive sob o prisma do desenvolvimento nacional sustentável".
Inquestionável o intuito do legislador no sentido de marchetar, na contratação pública, o princípio do desenvolvimento nacional sustentável, precipuamente se utilizada para a configuração de uma melhor contratação pública. A prática, entretanto, quanto à implementação de cláusulas de sustentabilidade induz a uma atividade mais complexa, nada obstante o dever geral, por parte do administrador, de incutir nas contratações tal basilar preceito.
Por certo, as políticas públicas de sustentabilidade espraiam-se no corpo normativo sob as mais variadas formas, sendo que algumas delas são de factíveis concretizações, ao revés de outras, cujo retrato de aplicabilidade, senão intrincado, é de improvável concretização.
Leia-se, por exemplo, a margem de preferência para produtos nacionais, política largamente adotada pela Administração Pública brasileira quando da expedição de vários regulamentos em tal sentido. Daí que sempre se faz presente o questionamento sobre a compatibilidade entre as margens de preferência para produtos nacionais e a sustentabilidade. Em outras palavras, deve-se perquirir se as práticas governamentais protetivas ao mercado local se configuram como políticas de sustentabilidade, à míngua de um maior custo na contratação, quando, exemplificativamente, o mesmo artigo 11, II, acentua como objetivo do processo licitatório, "assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição".
Para além, não há negar que a proteção aos bens produzidos no Brasil, com exorbitantes margens de preferência, transfere onerosamente para o Estado os custos de um hipotético desenvolvimento e aprimoramento tecnológico nacional.
No âmbito da União, são comuns normas infralegais que dinamizam tais políticas de sustentabilidade. Porém, tais normas não devem ser estendidas como de reprodução obrigatória para os demais entes federados. Não pode o poder público federal impor aos demais entes políticos que compõem a federação o ônus de uma contratação mais custosa. Toda essa análise faz parte do mérito da contratação, especialmente na fase do planejamento.
Torna-se imprescindível, portanto, avaliar a praticabilidade de qualquer normativa tendente a implementar políticas públicas de desenvolvimento nacional sustentável, nomeadamente quando, ao ensejo de fomentar o atendimento a tal princípio, violam-se outros, tais como a isonomia e a economicidade.
Cumpre destacar que, em momento algum, questiona-se sobre a necessidade da adoção de licitações e contratações públicas sustentáveis, que aceitem medidas protetivas ao meio ambiente e que promovam um desenvolvimento econômico não restrito, apenas, ao puro e simplório crescimento. Ao contrário, eis que esse é o desiderato da Constituição e que, portanto, merece aplausos e deve ser implementado.
Inegável, também, que as contratações públicas não se cingem às fincas de uma destinação exclusiva de provimento dos entes estatais. Em outras palavras, as contratações públicas não se limitam a promover a satisfação direta e imediata das necessidades estatais, porquanto a atividade contratual do Estado não se constitui como mero instrumento de atendimento das necessidades administrativas.
Entretanto, a dimensão ótima e ideal do princípio do desenvolvimento nacional sustentável deverá sempre ser orientada pela técnica da proporcionalidade, analisando as circunstâncias concretas, sem a declaração contemplativa e meramente teórica de sugestões que desconheçam o contexto fático e realístico da contratação.
Acima de tudo, deve-se levar em consideração o montante dos recursos desembolsados pelos entes estatais para a satisfação de suas necessidades, sob pena de comprometimento da estrutura econômica da contratação em sua totalidade.
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2022, p. 144.
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