Opinião

Tema 942 do STF e a atividade penosa de servidores em fronteiras

Autores

26 de junho de 2022, 17h06

Em face da enormidade de fronteiras de nosso país, com mais de 16.885 quilômetros, inúmeros servidores públicos federais atuam em regiões penosas, desgastantes física e mentalmente, sofríveis e extremamente perigosas e vitais para o Brasil, próximos aos nossos países vizinhos, sendo que de 12 países da América do Sul, o Brasil faz fronteira com dez.

Deveras, a faixa de fronteira é delimitada como de extrema importância para a soberania do Brasil, conforme artigo 20, § 2º da CF:

"§ 2º. A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei."

Faixas de fronteira, além do constituinte originário, são reconhecidas pelo legislador infraconstitucional como locais diferenciados, sofríveis, que dificultam a vida do servidor público federal, ainda mais quando atuando no combate ao crime, tanto que a Lei 8.112/90, em seu artigo 71 diz:

"Art. 71. O adicional de atividade penosa será devido aos servidores em exercício em zonas de fronteira ou em localidades cujas condições de vida o justifiquem, nos termos, condições e limites fixados em regulamento."

Já o artigo 227, inciso VII da LC 75/93 assevera:

"Art. 227. Os membros do Ministério Público da União farão jus, ainda, às seguintes vantagens (…)

VIII – auxílio-moradia, em caso de lotação em local cujas condições de moradia sejam particularmente difíceis ou onerosas, assim definido em ato do Procurador-Geral da República;"

O procurador-geral da República regulamentou o adicional de atividades penosas no âmbito do Ministério Público da União, através da Portaria PGR/MPU nº 633, de 10 de dezembro de 2010, incluindo várias cidades como locais de fronteira que deveriam ser agraciados com tal adicional, concretizando que tais locais são penosos.

Importante asseverar que a Súmula 37 do STF aduz que não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia, contudo, não se está a efetivar qualquer aumento de subsídios, mas apenas a concretização de reconhecimento de atividade penosa para fins previdenciários.

Trabalhar em uma fronteira do Brasil com outros países é deveras desgastante, penoso, sofrível e extremamente perigoso, prejudicial à sua saúde, em face do crime organizado (tráfico, contrabando, associação criminosa) ali instalado, bem como inúmeros questões cíveis de quilombolas, indígenas e fundiárias, dentre outras.

O artigo 7º, inciso XXIII da Carta Magna assevera:

"Art. 7º — São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (…)

XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;"

Até a Emenda Constitucional nº 103/2019 vigorava o seguinte preceito, em relação aos servidores públicos:

"Art. 40. O servidor será aposentado (…)
§ 1º. Lei complementar poderá estabelecer exceções ao disposto no inciso III, "a" e "c", no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas; (…)
§ 4º. É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores (…):
III – cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física."

Não se pode ignorar que os efeitos dos direitos adquiridos até a publicação da Emenda Constitucional nº 103/2019 devam ser totalmente preservados, na medida em que a própria Constituição Federal e a Lindb, conforme a Teoria de Gabba, preserva tal qualidade do ato jurídico, imanente à própria concepção do tempo rege o ato. Diz o artigo 6º da Lindb:

"§ 2º. Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem."

Portanto, tal tempo especial já estava delineado perfeitamente anteriormente à EC 103/2019, devendo ser computado para fins previdenciários, na medida em que o Supremo Tribunal Federal publicou a Súmula Vinculante 33:

"Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica."

Por fim, através da repercussão geral 942 do STF, a Egrégia Corte decidiu acerca de tal temática:

"Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC nº 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República."

Deveras, imperioso verificar se o STF teria reconhecido apenas a atividade insalubre, e não penosa, como possível de aplicação do tema de repercussão geral 942 do Supremo Tribunal Federal, ou seja, estariam excluídas as atividades perigosas, bem como as atividades penosas — embora o STF não tenha se debruçado especificamente acerca da aplicação do artigo 57 da Lei 8.213/91 para as atividades penosas.

As atividades insalubres, penosas e perigosas sempre foram tratadas de forma dessemelhante ao tempo de serviço comum e inexiste qualquer dúvida de que fronteira é uma atividade penosa por si só, dadas suas características e efeitos, sendo esta a principal premissa a se verificar no caso concreto, ou seja, a atividade especial penosa se reflete diretamente nas zonas de fronteira.

Claramente se verifica que o exercício de cargo público em fronteira é penosa, portanto, mister que se analise do quê se trata uma atividade penosa e verificar se o Superior Tribunal de Justiça já decidiu, acerca das atividades penosas e seu direito à contagem com o devido acréscimo legal:

"A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que "o servidor público, ex-celetista, que exerceu atividade perigosa, insalubre ou penosa, assim considerada em lei vigente à época, tem direito adquirido à contagem de tempo de serviço com o devido acréscimo legal, para fins de aposentadoria estatutária" (AgRg no REsp nº 799.771/DF, relatora: ministra Laurita Vaz, DJe 7/4/2008)

No mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal:

"SERVIDOR PÚBLICO. PROFESSOR. ATIVIDADE PENOSA E INSALUBRE. CONTAGEM ESPECIAL DE TEMPO DE SERVIÇO. DIREITO ADQUIRIDO. MUDANÇA DE REGIME. O direito à contagem especial do tempo de serviço prestado sob condições insalubres pelo servidor público celetista, à época em que a legislação então vigente permitia tal benesse, incorporou-se ao seu patrimônio jurídico. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e improvido." (RE 258.327, 2ª Turma, relatora: ministra Ellen Gracie, julgado em 9/12/2003)

Importante aludir que Octavio Bueno Magano se referiu ao trabalho penoso como sendo aquele "[…] gerador de desconforto físico ou psicológico, superior ao decorrente do trabalho normal" (MAGANO, Octavio Bueno; MALLET, Estevão. Direito do Trabalho na Constituição. p. 242, 2ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1993).

De outro giro, para Cretella Júnior, atividade ou operação penosa é aquele "(…) acerbo, árduo, amargo, difícil, molesto, trabalhoso, incômodo, laborioso, doloroso, rude" (Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 1991 apud OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. São Paulo: LTr, 1998).

Leny Sato (coeditora dos Cadernos de Psicologia Social do Trabalho — CPAT-Ipusp), em trabalho de dissertação (Mestrado em Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1991, afirma que "podem ser consideradas penosas as atividades que exigem esforços físicos e mentais capazes de causar, além de incômodo, sofrimento e desgaste ao indivíduo, podendo inclusive originar problemas de saúde não necessariamente classificados como doenças".

Os Decretos 53.831/64 e 83.080/79 se referiam, em conjunto, a atividades insalubres, penosas e perigosas, de forma exemplificativa, o quê indica que a temática sempre foi tratada em conjunto pelo legislador, dadas suas características de prejuízo à saúde como um todo.

O STJ já definiu que as atividades penosas previstas em Decretos são meramente exemplificativas:

"O rol de atividades previstas nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79 é exemplificativo, sendo possível que outras atividades não enquadradas sejam reconhecidas como insalubres, perigosas ou penosas, desde que tal situação seja devidamente comprovada. Precedentes: AgRg no AREsp 598.042/SP, rel. min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 15/12/2014; AgRg no AREsp 534.664/RS, rel. min. Sérgio Kukina, 1ª Turma, DJe 10/12/2014; e AgRg no REsp 1.280.098/RJ, rel. min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, DJe 1/12/2014."

A faixa de fronteira sempre foi objeto de interesse e destaque de importância pelo constituinte e legislador infraconstitucional, tanto é que estrangeiros, em geral, tem sérias restrições para aquisição de propriedades rurais em tais regiões do país, conforme a Lei 5.709/71.

O legislador sempre se preocupou com servidores que oficiam em tais locais, criando gratificações ou auxílios para amenizar a situação penosa de tais servidores, os quais possuem sérios riscos de vida nas faixas de fronteira.

Diz o artigo 17 da Lei 8.270/91:

"Art. 17. Será concedida gratificação especial de localidade aos servidores da União, das autarquias e das fundações públicas federais em exercício em zonas de fronteira ou em localidades cujas condições de vida o justifiquem, conforme dispuser regulamento a ser baixado pelo Poder Executivo no prazo de trinta dias."

Por sua vez diz o artigo 1º da Lei 12.855/2013:

"Art. 1º — É instituída indenização a ser concedida ao servidor público federal regido pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em exercício de atividade nas delegacias e postos do Departamento de Polícia Federal e do Departamento de Polícia Rodoviária Federal e em unidades da Secretaria da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Trabalho e Emprego situadas em localidades estratégicas, vinculadas à prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços."

A Portaria nº 459, de 19/12/2017, publicada no dia 20/12/2017, DOU, Seção 1, página 115, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão definiu os municípios considerados localidades estratégicas para os fins de que trata a Lei nº 12.855, de 2 de setembro de 2013, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil incluiu vários municípios transfronteiriços como locais que deveriam efetivar o pagamento de tal indenização de fronteira aos seus servidores.

Verifica-se claramente que locais de difícil provimento, penosos, causam grande prejuízo à saúde física e mental do servidor, sendo imperioso que se aplique o artigo 57 da lei nº 8.213/91, o qual prevê redução do tempo de contribuição para a aposentadoria especial:

"Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei."

Neste viés, verifica-se claramente que a Constituição, a legislação infraconstitucional e as próprias decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal coadunam tratamento diferenciado para as atividades penosas efetivadas em fronteiras do Brasil, fazendo jus tais servidores públicos federais a contarem de maneira diferenciada, como tempo especial, para fins de aposentadoria, o exercício em locais dentro dos 150 quilômetros da faixa de fronteira.

Autores

  • Brave

    é doutorando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e ITE, mestre em Direito pela UFRJ e pela Universidade Paranaense, especialista em Direito Notarial e Registral e em Direito Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp e procurador da República.

  • Brave

    é doutoranda em Direito pela ITE, mestre em Direito pela Uninter, mestrando em Políticas Públicas pela UFPR, especialista em Direito Notarial e Registral e Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp, professora de pós-graduação pela Uninter e advogada.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!