Escritos de Mulher

A menina de Santa Catarina

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22 de junho de 2022, 8h02

O abortamento no Brasil é, em regra, proibido por lei. No entanto, o procedimento é legalmente autorizado em duas hipóteses legais: 1- se não há outro meio de salvar a vida da gestante; 2- se a gravidez resulta de estupro (artigo 128, I e artigo 128, II, do Código Penal). Fora desses casos em que o abortamento não será punido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem autorizando a realização da interrupção da gravidez nos casos em que os fetos apresentam graves anomalias, como por exemplo a anencefalia, enfermidade que torna completamente inviável a vida fora do útero.

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Recentemente, descobriu-se uma criança de 11 anos, moradora do estado de Santa Catarina, que estava sendo mantida em um abrigo para evitar que fizesse o abortamento de feto que trazia no ventre, resultante de um estupro, provavelmente praticado no ambiente doméstico. A menina, com cerca de cinco meses de gestação, havia sido levada a um hospital estadual para atendimento, onde teve o procedimento de interrupção da gravidez negado, por ordem judicial. Consta que a juíza do caso, bem como a promotora de justiça que teria atuado, preferiram não autorizar o procedimento de interrupção da gravidez, que expunha a vida da criança a risco. A juíza, posteriormente, informou que havia deixado o caso.

Inacreditável que duas mulheres, preparadas para enfrentar a criminalidade como seria de se supor, diante da brutalidade sofrida pela criança-gestante, tenham decidido se eximir de responsabilidade em situação na qual a própria lei penal autoriza a interrupção da gravidez com base em dois princípios: salvar a vida da mãe e evitar a morte da criança estuprada.

Uma criatura de dez anos que é obrigada a manter relações sexuais com um genitor, outro parente ou terceiros, conforme nossos ditames legais foi vítima de estupro, caso em que a lei penal autoriza a interrupção da gravidez. Além disso, uma criança subjugada dentro da própria família, como parece ser o caso em tela, tem que receber auxilio e amparo do Estado e não ser encaminhada a uma entidade assistencial simplesmente para esperar a hora do parto.

Além dos casos autorizados em lei, o Supremo Tribunal Federal também firmou jurisprudência no sentido de que o abortamento do feto anencefálico (que apresenta ausência total ou parcial do encéfalo) deve ser permitido para que não se chegue ao cúmulo de obrigar uma gestante a carregar até o fim uma criatura inviável após o parto.

A sociedade patriarcal brasileira costuma ser inclemente com relação aos direitos da mulher. Apesar de todas as leis já editadas e em vigor no país que têm o intuito de proteger os direitos da população feminina, percebe-se que, na prática, a crueldade e o medo é que prevalecem. A questão a ser respondida é: até quando a hipocrisia patriarcal irá prevalecer sobre os direitos humanos?

A criança de 10 anos, que engravidou, descobriu que iria ser mãe após já estar de vinte e duas semanas, quando foi encaminhada a um hospital de Florianópolis! E, segundo informações obtidas pelo G1, vejam só que incrível providência a Justiça consta ter tomado: mandou que a criança voltasse para a casa da mãe, provavelmente o local onde teria sido estuprada.

Diante de tantas calamidades praticadas em nome da preservação da vida, é urgente estabelecermos que as mulheres brasileiras também possuem direito à sua própria integridade física e emocional.

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