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Como baixar o preço dos combustíveis no Brasil

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

21 de junho de 2022, 8h02

Escrevo esta coluna com uma pitada de pretensão. Nesta verdadeira confusão sobre o preço dos combustíveis, na qual o presidente Bolsonaro está mirando para a parte tributária (ver aqui o texto de Heleno Torres e o meu, dentre vários), o problema está em outro ponto. O presidente está com mira fraca. A pretensão do texto é mostrar possíveis caminhos para solucionar a questão.

Spacca
Uma alternativa é apontada pelo presidente Bolsonaro, que, se reeleito, já declarou que vai privatizar a Petrobras. É uma alternativa a ser discutida, embora não me pareça que vá reduzir o preço dos combustíveis, pois existe o risco sempre presente de se criar um monopólio privado, sem que o governo possa ter qualquer ingerência no setor. É uma boa forma de transferir o problema, retirando-o da pauta de preocupações governamentais, sem o solucionar.

Outra alternativa é oposta à anterior e passa por uma decisão política estratégica do acionista controlador da Petrobras — isto é, o governo federal. Considerando que o petróleo, e, por consequência, todos os combustíveis dele derivados, são estratégicos para a economia brasileira, cujos preços não podem variar ao sabor das crises internacionais, como guerras ou problemas cambiais, a alternativa seria a Petrobras fechar seu capital (artigo 4º, §4º da Lei das S.A.), passando a ser uma sociedade anônima de economia mista fechada. Claro que em um primeiro momento isso impactará os cofres da empresa, pois terá que ser efetuada uma oferta valiosa e irrecusável pelas ações.

Assim, a Petrobras se tornaria uma sociedade anônima, de economia mista, fechada, com diferentes classes de ações (artigo 16, Lei das S.A.). Isso minimizaria o impacto dos acionistas privados nas decisões da empresa, e, consequentemente, na política de preços — porém, não eliminará sua influência, pois o capital privado permanecerá na empresa e a busca de lucros altos e imediatos remanescerá. Será que a Petrobras necessita ofertar ações na Bolsa de Nova York, considerando ser uma empresa capitalizada e com enormes reservas a serem exploradas? A mesma pergunta vale para a Bolsa brasileira.

Seguindo essa alternativa estratégica, existe ainda uma possibilidade normativa mais radical, que admite a desapropriação das ações privadas (artigo 236, parágrafo único, Lei das S.A.), o que colocaria o controle societário da Petrobras integralmente nas mãos do Estado (com dispêndio do Tesouro Nacional). Neste caso, não haveria mais uma sociedade de economia mista, em face da inexistência de capital privado na empresa, que poderia funcionar atendendo ao regime jurídico das empresas públicas (artigo 5º, II, Decreto-lei 200/67). Obviamente todas as regras de transparência e controle público e social lhe seriam aplicáveis (Lei 13.303/16), bem como o escopo de "atender ao interesse público que justificou a sua criação" (artigo 238, Lei das S.A.), obedecido o "relevante interesse coletivo" (artigo 173, CF). Assim, a Petrobras poderia elaborar uma política de distribuição de dividendos “à luz do interesse público que justificou sua criação” (art. 8º, V, Lei 13.303/16).

Adotada essa hipótese, o plano estratégico de investimentos da Petrobras deveria ser dirigido pesadamente para a construção de novas refinarias, pois o gargalo dos preços se encontra neste ponto. Afinal, somos superavitários na extração de petróleo, mas não em seu refino. Logo, temos petróleo em abundância, mas não temos combustíveis em abundância. Nesse aspecto, o produto final (combustíveis) é escasso e necessitamos importá-lo, fazendo com que o preço necessariamente seja compatível com o mercado internacional. Se produzirmos mais combustíveis a partir do nosso petróleo, poderemos ter preços mais adequados, pois se trata de um produto estratégico para a economia brasileira – tal como é estratégico o gás na Europa, fortemente atingida com a guerra na Ucrânia, com a diferença que só a Rússia possui gás em abundância.

A ideia atual de um plano de desinvestimentos é ridícula, pois expunha com júbilo no final de 2020 a ideia de reduzir as 13 refinarias da empresa para apenas cinco unidades, acarretando que "a capacidade produtiva passará de 2,2 milhões para 1,1 milhão de barris por dia".

Na hipótese aqui analisada, a Petrobras seguramente terá que ser lucrativa, mas o preço de seus produtos deixará de seguir os parâmetros internacionais, passando a adotar como base seu plano de investimentos, que deverá ser fortemente ancorado na construção de refinarias. Sabe-se que o petróleo é um combustível fóssil, esgotável, cuja importância diminuirá nas próximas décadas com o avanço dos carros elétricos. A política de preços, dessa forma, deve perseguir saldos ativos de balanço, e não lucro especulativo — o que é também diferente de lucro arbitrário ou abusivo (para essa distinção, ver meu Ensaio sobre o conteúdo jurídico do princípio da lucratividade. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v. 224, p. 323-347, 2001). Se precisar de dinheiro para seus investimentos pode emitir debêntures, não conversíveis em ações (artigo 11, I, Lei 13.303/16), jamais se transformando em uma empresa estatal dependente (art. 2º, III, Lei de Responsabilidade Fiscal).

Observe-se que a Petrobras possui os dias contados enquanto empresa petrolífera, pois a civilização do petróleo tende a declinar e acabar nas próximas décadas. Basta ver a modificação do plano de negócios das demais empresas correlatas, que estão migrando para a produção de energia sustentável.

Essa não é uma solução eleitoreira e nem de curto prazo, devendo ser analisada com seriedade, a fim de permitir que a população brasileira efetivamente usufrua de suas enormes reservas de petróleo enquanto elas ainda possuem relevância econômica, com transparência e adequada regulação, de modo a permitir que sejam praticados preços justos e livres do impacto de crises internacionais.

Autores

  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

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