Limite Penal

Melhorar a gestão do caso penal por meio da construção de cenários

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3 de junho de 2022, 9h18

.1. Escopo. O texto parte do argumento, desenvolvido no Guia do Processo Penal Estratégico (EMais, 2022, no prelo), de que o desempenho na gestão do caso penal pode ser melhorado por meio da criação de cenários, via modelo RoadMapCrime, relacionados ao: (a) estado atual; (b) pior cenário; (c) melhor cenário; e, (d) cenário factível. É a continuidade do artigo anterior (Ferramentas de gestão do caso penal orientadas pela Hipótese Acusatória – aqui).

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.2. Orientação Metodológica. O Modelo RoadMapCrime assume a orientação metodológica. A gestão do caso penal pressupõe a adoção de uma metodologia ágil. Do contrário, agiremos de modo “desorganizado” e/ou “amador”. O que fazer diante de um caso penal? Qual é a primeira providência? Qual das ações é a mais relevante? Será que não deixei passar nada? Qual será o efeito do meu comportamento? Quais são os riscos associados? Domino os conhecimentos necessários à análise da validade da prova digital? Essas e outras perguntas são formuladas por todos aqueles que levam a sério a atividade processual. Em geral, a aprendizagem se dá de maneira estática, por meio do domínio normativo, integrada por algum estágio ou pela experiência acumulada na prática forense. Cada um de nós adquiriu no decorrer da “experiência” e do Conhecimento Instalado o “seu” modo de organizar, processar, atuar e decidir no contexto do caso penal (Dispositivo Decisório).

.3. Ferramentas Analógicas e Digitais. O maior obstáculo é o de que a maioria dos agentes procedimentais conta apenas com papel, caneta e um editor de texto para gerenciar o caso penal. A metodologia se resume em anotar o que se julga importante, com riscos e rabiscos, associando ao Conhecimento Instalado (em você), além da pesquisa parcial na doutrina e, principalmente, na jurisprudência, com imensas dificuldades de identificar o que é compatível, dado o excesso de fontes (abundância digital). O “amadorismo metodológico” tende a ampliar a exposição ao “risco” de “erros” (perigos; desastres). O pior é que muitos sequer dão-se conta do contexto de risco; desconhecem a existência de ferramentas ágeis à melhoria do desempenho.  O que você não “viu”, aparentemente, não “existe”, mas pode ocasionar surpresas desagradáveis.

.4. Determinar os componentes do Caso Penal. Denomina-se de "caso penal" o conjunto de todas as entidades (elementos ou componentes) vinculadas à atribuição do valor de verdade à Hipótese Acusatória (HAc), isto é, a Teoria do Caso apresentada pelo Estado em face do resultado da Investigação Criminal, contida na "denúncia" ou "queixa-crime". Para que a atuação estratégica se consolide, será necessário organizar a gestão do caso com dados e informações estruturados de modo hierárquico, classificados de modo a obter maior precisão e acurácia, evitando a ambiguidade e a vagueza.

.5. Procedimentos como Canal de Comunicação. Se os agentes procedimentais se relacionam no domínio do Processo Penal por meio de interação, os Procedimentos de cada Etapa (Investigação Criminal, Justiça Negocial, Procedimento Judicial e Recursal) servem de suporte (físico e/ou digital) à efetivação das trocas comunicacionais. Segue-se que a noção de "procedimento como canal de comunicação" orienta-se pelo esforço compreensivo das relações entre humanos e sistemas inteligentes no ambiente do Processo Penal, tendentes à obtenção das finalidades declaradas em cada Etapa Procedimental. O fluxo do caso penal será representado no modelo RoadMapCrime de modo dinâmico e online (em fase de testes), por meio da seguinte representação:

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.6. Pensamento Estratégico. O Planejamento Estratégico é a denominação genérica do comportamento orientado pela determinação dos objetivos (metas) de: (a) curto; (b) médio; e, (c) longo prazo. Se a Acusação ou a Defesa não sabem qual o resultado desejado ao final da jornada do caso (cenário factível pretendido), o alinhamento das ações iniciais e intermediárias tende a ser desorganizado e aleatório, sem que se tenha foco nos pontos importantes (favoráveis e desfavoráveis). Afinal de contas, se cada interação deve estar vinculada à obtenção de um resultado específico, a antecipação do cenário pretendido, constitui-se como condição de possibilidade do agir estratégico. Em síntese: se você não sabe para onde quer ir, não há caminho certo ou errado. Por isso a insistência no diagnóstico e orientação estratégica. Configura postura amadora a aposta para "ver no que vai dar". Em consequência, adotam-se 3 (três) Níveis: (a) Estratégico; (b) Tático; e, (c) Operacional.

.7. Definição de Cenário. Denomina-se de cenário o conjunto de indicadores representativos do estado atual e futuro do caso penal. Tanto assim que se fala de "cena do crime" (o cenário onde o evento aconteceu). No teatro e no cinema representam a situação em que a história acontece.

.8. Teoria dos Jogos e Cenários. A representação da combinação entre as estratégias dos agentes procedimentais (acusação e defesa) pode se dar sob a denominação de cenários (matriz ou árvores), em que se estabelece o comportamento racional esperado, levando-se em conta os agentes procedimentais reais, os benefícios e o contexto da interação (tema desenvolvido no Guia).

.9. Diagnóstico e Planejamento. Se a atividade procedimental é destinada à obtenção de resultado definido (desde que factível), além da definição de parâmetros para determinação do estado atual, será preciso estimar os cenários subsequentes, isto é, as probabilidades relacionadas aos "estados futuros". Com cenários robustos, a precisão e a acurácia dos Planos de Ação tendem a reduzir a incerteza, além de mitigar a surpresa. A construção de cenários orienta-se pela definição das alternativas possíveis e prováveis em relação aos padrões relevantes estabelecidos na fase de diagnóstico do caso penal, associados à criticidade de cada alternativa (gestão de risco). O exemplo a seguir apresenta, do ponto de vista defensivo, o modelo RoadMapCrime (em fase de testes) de correlação entre os pontos da Hipótese Acusatória (HAc) com a estimativa do peso de cada prova, autorizando inferência quanto à Hipótese Defensiva (HDef) factível.

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.10. Operacionalmente, 4 (quatro) cenários. Para os fins do modelo RoadMapCrime (deduzido do Guia do Processo Penal Estratégico) estabeleceremos 4 (quatro) cenários: (a) Cenário Base (atual); (b) Pior Cenário (pessimista); (c) Melhor Cenário (otimista); e, (d) Cenário Factível (realista).

.11. Partir do Diagnóstico do Estado Atual. O entendimento do caso penal, com suporte em evidências adquiridas, classificadas e processadas em relação à situação (interna ao procedimento) e ao contexto (externo ao procedimento) atual orientam a geração de cenários futuros. A aquisição, organização e processamento dos dados e informações é condição à predição dos cenários subsequentes. Sem isso, estima-se por mera intuição (deslizando no imaginário). O conjunto de indicadores coletados exige avaliação do agente (sua), ou seja, da interpretação técnica, associada à antecipação dos prováveis incrementos probatórios e/ou argumentativos.

.12. Planos de Abordagem Metodológica. O Plano Geral de Abordagem do GPPE se decompõe em 3 (três) Planos: (a) Cronológico (a linha de tempo ou fluxo de estágios do caso penal); (b) Constitutivo (Tipo Penal, Procedimento, Agentes Procedimentais, Provas e Decisões); e, (c) Plano Interferente (Recursos e Ações Impugnativas Autônomas — HC, MS, Reclamação – que podem "interferir" no fluxo cronológico do caso penal).

.13. Plano Constitutivo e os Elementos do Cenário. Adotamos a perspectiva da Teoria dos Jogos associada à MCDA-C, em que as áreas de preocupação, suporte dos cenários, são: (a) Tipo Penal; (b) Procedimento; (c) Agentes Procedimentais; (d) Provas; e, (e) Decisões. O diagnóstico conferirá evidências para construção dos cenários e o gerenciamento do caso penal.

.14. Pontos de vista. Assumimos que a perspectiva altera o objeto analisado. O mesmo conjunto de indicadores do cenário pode receber estimativas diferentes, a depender do ponto de vista (acusatório, defensivo e judicial) e o modo como determinamos a mirada.

.15. Primeiro Plano. Quando assistimos um filme o diretor pode apresentar o cenário desde o ponto de vista de terceiro que observa a cena (espectador) ou em primeiro plano, isto é, a câmera opera como se fosse a visão dos personagens. As escolhas do Diretor do filme alteram a percepção de quem assiste (efeito de observar ou embarcar nos personagens). A precisão da estimativa do comportamento dos demais agentes procedimentais dependerá da habilidade de "pensarmos como ele pensa" e não "como queremos que ele pense". Segue-se que será preciso estimar os comportamentos desde o ponto de vista do agente procedimental com o "poder" de decidir (em cada momento de interação procedimental), isto é, em "primeiro plano" (como se fosse ele). Daí que o diagnóstico do "perfil do agente procedimental", associada às possibilidades (alternativas) e às probabilidades (expectativas racionais e factíveis), condiciona a execução estratégica. 

.16. Orientação pelo resultado factível. Em casa situação procedimental estabeleceremos os 4 (quatro) cenários (atual, pior, melhor e factível), a partir da expectativa decisória do agente estatal (órgão julgador).  Construir os cenários significa estimar a probabilidade de que o destinatário das provas e dos argumentos possa aceitá-los quando do proferimento da decisão, autorizando ajustes e desvios negociais (p.ex., ANPP, Colaboração Premiada).

.17. Níveis Estratégico, Tático e Operacional. O nível Estratégico estabelece a meta a ser obtida dentro do cenário factível (não o sonhado e sim o inferido em face do diagnóstico). Estabelecido o Cenário Desejado (a meta Acusatória e Defensiva), no nível Tático, cada uma dar partes deverá mapear as oportunidades de interação procedimental (audiências, apresentação de provas e argumentos) para o fim de detalhar um pouco mais as ações necessárias à obtenção do resultado pretendido, em geral, por meio da decomposição do Planejamento do nível Estratégico em face de momento da interação procedimental. Por fim, no nível Operacional, para cada interação procedimental (audiência, prova, petição etc.) será necessário planejar o Cronograma e os detalhes do Plano de Ação, no qual os métodos, os meios e os comportamentos serão especificados, envolvendo os demais agentes procedimentais, as tarefas e a sequência da ação planejada. Adotaremos o modelo 5W2H.

.18. Plano de Ação, via 5W2H. A ferramenta 5W2H é um Plano de Ação em que as atividades (comissivas e/ou omissivas) podem ser detalhadas e mensuradas. Orienta-se por um checklist claro, direto e objetivo dos objetivos a serem alcançados em cada situação de interação procedimental. A estrutura declara: (a) What (o que será feito?); (b) Why (por que será realizado, com qual objetivo?); (c) Where (onde será feito?); (d) When (quando será efetivado?); (e) Why (quem será responsável?); (f) How (como será realizado?); e, (g) How Much (quanto custará?).  Com a resposta consistente aos questionamentos, reduz-se a ambiguidade e a vagueza, conferindo-se meios de que as ações obtenham o melhor desempenho (escolha do nível estratégico). Segue um exemplo:

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.19. Ajustes.  Os cenários ordenam os indicadores reais do caso, autorizando ajustes ao longo das Etapas Procedimentais (Investigação Criminal, Justiça Negocial, Processo Judicial e Recursal), por meio de feedback dinâmico da sequência de interações procedimentais. Em face do caráter dinâmico das interações, o instrumento metodológico da construção de cenários confere os meios à tomada de decisão com suporte em evidências. Em consequência, tende a aumentar a assertividade, prevenir risco associados e, também, implementar o monitoramento dos planos de ação direcionados ao objetivo estratégico definido (meta). A proposta é a de incorporar novas ferramentas estratégicas ao "seu" Conhecimento Instalado, ampliando as chances de melhor desempenho. A objetivo é o de aproveitar a sua "expertise", articulando novas ferramentas de Gestão do Caso Penal. O diferencial é o de que você poderá avaliar o que é útil para sua prática, ajustando a proposta do RoadMapCrime às necessidades do seu contexto situado (tempo e espaço). Muito do que será exposto já é realizado de modo intuitivo pelos agentes procedimentais (você provavelmente dirá em diversos momentos: "mas eu já faço isso"). A novidade é a indicação de Metodologia diferenciada capaz de integrar os diversos momentos de aquisição, organização e gerenciamento de informação, com a finalidade de melhorar o seu desempenho na gestão de casos reais.

.20. Gestão eficaz. O êxito na gestão do caso penal singularizado dependerá da sua habilidade de identificação, de análise e de reação aos movimentos da parte adversa. Para tanto, será preciso adquirir, organizar, processar, decidir e executar os Planos de Ação de modo atento, dedicado e profissional. Por isso o convite à revisão de hábitos adquiridos ao longo da experiência no domínio do Processo Penal, mantendo boa parte deles, ao mesmo tempo em que aprimoramos o modo que organizamos, identificamos e processamos a imensa quantidade de informações adquiridas em cada caso penal. Até porque, diante da multiplicação de julgados, artigos e doutrina, as condições materiais para nos mantermos informados está cada vez mais trabalhosa, cara e complexa. Em casos simples "manter tudo na cabeça" pode funcionar bem, inclusive porque se você não adota procedimentos robustos de diagnóstico, tende a "não ver" as oportunidades. Então, aparentemente, elas não existem. Ademais, na hipótese de se verificar um "acontecimento" (mal subido, trânsito congestionado, doença de familiar etc.) e você não estiver disponível à participação da audiência ou para elaboração de uma petição, o seu substituto "não sabe por onde começar". A quantidade de variáveis a ser analisada em um caso penal, ainda que simples, é infinita. O desafio é o de podermos determinar o que é "relevante", centrando as forças na ampliação do "conhecimento" no que é "importante" e "prioritário", consolidando o conhecimento do caso em sistema construído para esse fim. Se estamos diante do "pneu furado" do carro, a nossa escala de urgência e relevância se altera. Não faz sentido preocupar-nos com o preço da gasolina (embora mais de R$ 10 atualmente). O foco é outro (o problema mais urgente). Em emergências, os acontecimentos comparecem para além do nosso poder de gerência. Por isso, diante do tempo escasso e da urgência da ação, precisaremos decidir imediatamente. Mas se você é daqueles que não planeja a adversidade, talvez não tenha calibrado o pneu reserva, ampliando o grau da adversidade. A nossa "reputação" depende muito de "como" nos comportamentos em "tempo real". As "desculpas" não alteram os efeitos dos nossos erros ou da falta de planejamento mínimo.

.21. Finalidade. O escopo do Guia do Processo Penal Estratégico (GPPE) é o de apoiar a tomada de decisão no domínio do Processo Penal por meio do estabelecimento das normas, dos critérios, dos procedimentos e dos padrões aptos à orientação do fluxo de conhecimento necessário ao melhor entendimento e desempenho da nossa principal atividade no Processo Penal: "a resolução de problemas práticos, vinculados ao Contexto de determinado Caso Penal" (o caso penal é um ponto único no Tempo e no Espaço). Segue-se que o modelo RoadMapCrime pretende auxiliá-lo a evitar erros e ampliar o horizonte dos acertos por meio da orientação de cenários factíveis.

P.S. Apresentei o resumo do resumo, esperando que possamos aprofundar o tema em breve, até porque a versão online está na reta final. Aliás, lembre-se de calibrar o pneu reserva. Vai que… Até mais.

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