Aceleração virtual

Índice de leis julgadas inconstitucionais pelo STF volta a crescer e chega a 75%

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7 de julho de 2022, 7h47

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2022, lançado no dia 30 de junho na TV ConJur. A publicação está disponível gratuitamente na versão online (clique aqui para ler) e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa (clique aqui para comprar)

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As ações de controle concentrado de constitucionalidade são casos de competência originária em que o Supremo Tribunal Federal exerce uma de suas funções de maior importância: diz se Legislativo e Executivo respeitaram a Constituição Federal ao editar as normas questionadas. Por isso, costuma ser criticado, acusado de definir políticas públicas e de ultrapassar os limites da separação entre os poderes. Mas, como lembra o ministro Gilmar Mendes, decano do tribunal: encerrado o debate parlamentar e aprovada nova legislação, o STF é acionado para se pronunciar. Um paradoxo, afirma.

De cada 10 ações julgadas pelo STF em 2021, sete foram consideradas inconstitucionais no todo ou em parte. Das 348 julgadas no mérito, 260 foram procedentes (75%). As ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber foram as que mais pautaram ações de controle concentrado durante o ano: 61 e 56, respectivamente, julgadas no mérito.

A União se mantém no topo do ranking de inconstitucionalidade, com 40 leis federais, decretos e Medidas Provisórias consideradas em desacordo com a Constituição Federal. Ou seja, 51% das normas questionadas.

Em maio de 2022, havia 1.630 dessas ações no acervo do Supremo Tribunal Federal. A maior parte delas discute questões de Direito Administrativo e Público (78%) e Direito Tributário (7%). Desde a ADI nº 1, proposta em 1988, mais de 5.400 ações receberam decisão final.

Ao longo de 2021, 348 ações foram julgadas no mérito, um aumento de 80% em cinco anos. Resultado que se deve, principalmente, à ampliação da competência do Plenário Virtual. Em agosto de 2019, a Emenda Regimental 52 permitiu o julgamento de cautelares em controle concentrado e casos com jurisprudência dominante; as demais deveriam ser decididas presencialmente. Logo no início da epidemia do coronavírus, em 2020, a Emenda 53 equiparou o ambiente virtual ao presencial: a partir dali, todos os processos poderiam ser julgados na plataforma online.

A grande diferença é que no Plenário Virtual cada ministro pode pautar os próprios casos. E o julgamento termina em até uma semana. Nas sessões presenciais, a Presidência da corte é quem define a pauta, bem mais limitada. Em 2021, 84% das ações de controle concentrado foram decididas em ambiente virtual.

“De agosto de 2019, quando aprovamos o Plenário Virtual, até a última sessão virtual, julgamos mais ADIs do que nos últimos seis anos. Em seis meses, mais que em seis anos. É muito mais interessante que se julgue rapidamente o que não precisa ser tão debatido do que ficar na fila décadas e décadas”, afirmou o ministro Alexandre de Moraesna ocasião em que a competência dos dois plenários foi equiparada, em março de 2020.

Em entrevista ao Anuário da Justiça, o ministro Gilmar Mendes disse que a “mudança foi importantíssima, porque solucionou um problema de estrangulamento que havia na corte”, inclusive em relação a casos de repercussão geral reconhecida e sem data para entrar em pauta. Ele ponderou que esses julgamentos não permitem debates mais aprofundados, apesar de poderem ter repercussão na jurisprudência. “Isso é algo que tem preocupado, e vejo que os próprios advogados têm criticado. Mas, nesse momento, há um consenso de que foi uma mudança para melhor”, afirmou.

Assim como o número de decisões, a quantidade de novas ações de controle de constitucionalidade vem aumentando ano a ano. Em 2021, foram propostas 572, o maior número da história da corte. O procurador-geral da República, Augusto Aras, adotou em sua gestão um novo modelo de atuação, buscando maior eficiência e unidade institucional no controle concentrado de constitucionalidade perante o STF. Passou a ajuizar em bloco ações contra leis que tratam do mesmo assunto em diferentes estados. Somente em 2021, foram 204 novas ADIs, sete ADPFs e quatro ADOs.

Um exemplo dessa atuação em bloco foi o ajuizamento de 17 ADIs contra normas estaduais que trataram do foro por prerrogativa de função. A iniciativa estendeu a todos os estados a interpretação do STF sobre o tema. Segundo a corte, é inconstitucional norma de Constituição estadual que estende o foro por prerrogativa de função a autoridades não contempladas pela Constituição Federal de forma expressa ou por simetria (ADI 5.591).

Seguindo essa interpretação, a Procuradoria-Geral da República questionou leis estaduais que conferem foro especial nos crimes comuns e de responsabilidade a diversos cargos, como defensores públicos estaduais, procuradores do Estado, membros do Conselho da Justiça Militar, procuradores das Assembleias Legislativas, chefes da Polícia Civil, delegados e reitores de universidades.

Também foram objeto de ações de inconstitucionalidade, propostas em bloco, normas que trataram da exploração de energia nuclear, matéria que, conforme a Constituição, é de competência exclusiva da União. “É inconstitucional norma de Constituição estadual que disponha sobre o depósito de lixo atômico e a instalação de usinas nucleares”, definiu a corte em ADIs contra leis da Paraíba, do Piauí e do Distrito Federal.

Entre os autores qualificados para propor ações de controle concentrado no STF, a PGR foi a que teve mais processos julgados em 2021. Foram 136, com 87,5% de êxito. Partidos políticos aparecem em seguida, com 58 ações julgadas com 59% de êxito; e associações empresariais: 57 ações com 72% dos pedidos atendidos pela corte.

Em 2021, foi principalmente por meio de ações de descumprimento de preceito fundamental que o STF moldou o plano nacional de combate à epidemia da covid-19. Autorizou, por exemplo, estados e municípios a importar e distribuir vacinas contra a doença, enquanto o governo federal queria centralizar esse processo (ADPF 770). Contra nota técnica do Ministério da Saúde que passou a não recomendar a vacinação de adolescentes de 12 a 17 anos, o STF entendeu que decisão de promover a imunização contra a covid-19 nessa faixa etária, observadas as evidências científicas e as análises estratégicas pertinentes, também se insere na competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (ADPF 756).

Determinou ainda a manutenção da divulgação integral dos dados epidemiológicos relativos à epidemia. A interrupção abrupta da coleta e divulgação dos dados, entendeu o STF, “caracteriza ofensa a preceitos fundamentais da Constituição Federal, nomeadamente o acesso à informação, os princípios da publicidade e da transparência da Administração Pública e o direito à saúde” (ADPFs 690, 691 e 692).

E mais: reconheceu como dever do poder público elaborar e implantar plano para o enfrentamento da epidemia nas comunidades quilombolas (APDF 742); e considerou descabida a exigência de “justificativa de ausência” às provas no Enem diante do contexto de anormalidade vivido (ADPF 874).

No âmbito dos estados, manteve a validade de decreto do estado de São Paulo que proibiu a realização de cultos, missas e demais atividades religiosas presenciais como forma de conter a epidemia (ADPF 811). Mas julgou inconstitucional a lei fluminense que proibiu o cancelamento de planos de saúde por falta de pagamento durante a epidemia (ADI 6.441), por invasão da competência da União para legislar sobre o assunto.

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O controle concentrado de constitucionalidade também foi usado pelo STF para afirmar a inconstitucionalidade do trecho da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) que previu o pagamento de honorários periciais e advocatícios por quem é beneficiário da Justiça gratuita e perdeu a ação (ADI 5.766). Na área eleitoral, sob relatoria do ministro Dias Toffoli, a corte entendeu que a lei pode proibir showmícios, mas que são permitidas apresentações artísticas para arrecadação para campanhas eleitorais (ADI 5.970).

Também foi de relatoria do ministro Dias Toffoli a conclusão de que o argumento da legítima defesa da honra não pode ser usado por
nenhuma das partes nem mesmo durante julgamento no Tribunal do Júri (ADPF 779). Segundo Toffoli, além de ser um argumento “atécnico e extrajurídico”, a tese é um “estratagema cruel, subversivo da dignidade da pessoa humana e dos direitos à igualdade e à vida” e totalmente discriminatório contra a mulher.

A seu ver, trata-se de um recurso argumentativo e retórico “odioso, desumano e cruel” usado pelas defesas de acusados de feminicídio e agressões contra mulheres para responsabilizar as vítimas por suas próprias mortes ou lesões, contribuindo para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil.

O direito de resposta foi tema de três ações julgadas em 2021. O STF decidiu que a retratação espontânea, ainda que com o mesmo destaque, não impede o exercício do direito de resposta pelo ofendido nem prejudica a ação de reparação por dano moral (ADIs 5.415, 5.418 e 5.436).

Em dezembro de 2021, a corte validou o Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020), sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em julho. O marco prevê a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033 e viabiliza a injeção de mais investimentos privados no setor. A decisão se deu por maioria, depois de três sessões de julgamento.

Propostas por partidos políticos, as ações sustentavam que as novas regras induzem empresas privadas de saneamento e fornecimento de água a participar de licitações em locais onde as estatais que realizam os serviços não apresentam prejuízos, deixando as companhias deficitárias sob a responsabilidade de estados e municípios.

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Prevaleceu o voto do relator, ministro Lux Fux, segundo o qual o Congresso optou pelo modelo facultativo de concessão e manteve a autonomia federativa. Para o ministro, as novas regras podem reduzir os gastos públicos com o sistema de saúde, contribuir para a revitalização de bacias hidrográficas, com a conservação do meio ambiente e a redução de perda de água, além de proporcionar mais qualidade de vida para a população.

No ranking de inconstitucionalidade, o estado do Rio de Janeiro aparece em segundo lugar, depois da União, com 16 ações julgadas procedentes pela corte em 2021 – 84% de todas as propostas. O STF limitou a uma reeleição ou recondução de membros das mesas da Assembleia Legislativa, decisão que foi replicada a leis de outros estados que permitiam a reeleição ilimitada (ADI 6.721).

Em dezembro de 2020, o Plenário da corte havia decidido pela impossibilidade de recondução dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, dentro da mesma legislatura. No entanto, a norma não é de reprodução obrigatória nos estados.

Também é inconstitucional a lei do Rio de Janeiro que instituiu o pagamento de gratificação, pelo Poder Judiciário, a membros do Ministério Público pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral (ADI 2.381); e aquela que concedeu descontos a idosos para compra de medicamentos (ADI 2.435).

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O estado da Paraíba saiu da 26ª posição do ranking para a 3ª em 2021. Teve 14 leis julgadas inconstitucionais pelo STF, 82% das normas questionadas. A corte considerou que o estado invadiu a competência da União ao impedir operadoras de planos de saúde de limitar o tempo de internação de usuários diagnosticados com covid-19 ou recusar o atendimento, diante do período de carência contratual vigente (ADIs 6.493 e 6.497).

Atendeu, a pedido da PGR, e julgou inconstitucional a autonomia administrativa e financeira concedida à Polícia Civil, uma vez que há vínculo hierárquico de subordinação ao governador do estado (ADI 6.599); e a pensão especial concedida a dependentes de ex-governadores, ex-deputados estaduais, ex-juízes e desembargadores (ADPF 793). A lei paraibana que proibiu a cobrança de juros e multas em contratos de financiamento, quando a inadimplência não se deu por má-fé do consumidor, também não passou pela análise de constitucionalidade da corte.

Diante da grande quantidade de leis em desacordo com a Constituição Federal, o presidente da corte, ministro Luiz Fux, defende um controle prévio de constitucionalidade pelo Judiciário. “Entendo que o controle prévio de constitucionalidade, que poderia levar a uma redução da judicialização, seja considerado controverso. Ele poderia trazer vantagens ao sistema de Justiça, mas trata-se de tema que demanda diálogo institucional e consenso”, afirmou em entrevista ao Anuário da Justiça.

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Fux também disse que o STF caminha para se tornar de fato uma corte constitucional. “Apesar de as ações recursais ainda chegarem em maior quantidade do que as originárias, pela primeira vez na história, o acervo recursal em trâmite perante o STF se tornou menor do que o acervo de ações de competência originária”. Esse resultado, afirma, realinha o STF com a sua vocação institucional: “A de ser uma corte constitucional. É dizer: um tribunal responsável por discussões jurídicas relevantes e de caráter repetitivo.”

Além das ações de controle concentrado de constitucionalidade, estão entre os casos de competência originária os Habeas Corpus, de longe a principal classe processual distribuída na corte, reclamações, ações cíveis originárias e ações penais contra agentes públicos com prerrogativa de foro. Fux defende uma redução do tipo de ações originárias na corte, mas diz que essa mudança depende do Congresso Nacional.

“Há ministros — como eu — que entendem pela necessidade de reforma dessa competência criminal tanto pelo desgaste institucional como pelo seu volume processual, por exemplo, no caso dos HCs. O STF deve ser uma corte responsável por debater temas constitucionais de relevo a fim de elaborar teses que garantam segurança jurídica e preservem os direitos fundamentais consolidados na Constituição Federal”, defende.

Clique aqui para assistir ao lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2022

Anuário da Justiça Brasil 2022
ISSN: 2179981-4
Edição: 2022
Número de páginas: 288
Editora ConJur
Versão impressa: R$ 40, exclusivamente na Livraria ConJur (clique aqui)
Versão digital: acesse gratuitamente pelo site http://anuario.conjur.com.br e pelo app Anuário da Justiça

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