Palavras ao vento

Relatório da PF sobre Nythalmar tem poucos indícios de ilegalidades

Autor

16 de fevereiro de 2022, 7h44

O advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho é investigado pela prática dos crimes de tráfico de influência e exploração de prestígio (artigos 332 e 357 do Código Penal, respectivamente), pela suposta aproximação com o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, e com procuradores da franquia fluminense da finada força-tarefa da "lava jato" em troca de benefícios a clientes.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Marcelo Bretas recebeu a medalha Pedro Ernesto da Câmara Municipal do Rio
Fernando Frazão/Agência Brasil

Contudo, relatório produzido pela Polícia Federal a partir de arquivos do celular e do computador de Nythalmar aponta poucos indícios de que o advogado cometeu tráfico de influência e exploração de prestígio.

Em acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República, Nythalmar afirma que Bretas negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o Ministério Público Federal.

O criminalista apresentou reclamação ao Superior Tribunal de Justiça argumentando que a investigação contra ele deveria tramitar na Corte, uma vez que os fatos investigados supostamente envolvem dois procuradores regionais da República, que têm foro por prerrogativa de função no tribunal.

O relatório foi enviado pela PF à ministra Laurita Vaz, do STJ, em 17 de dezembro. O documento foi produzido pelo agente Frederico de Souza Cunha, com base na análise de 286 gigabytes de material, significando praticamente 140 mil arquivos em mais de 18 mil pastas, sendo que a grande maioria é composta por arquivos de uso pelo sistema ou por programas executáveis (e que representam basicamente "arquivos de lixo".

A conclusão do servidor é a de que "foram encontrados indícios que vinculam o alvo aos delitos investigados no IPL em comento, além de vestígios de provas relacionados a outros fatos delituosos".

Com relação a Bretas, o relatório anexa uma foto de Nythalmar com ele, tirada quando o juiz recebeu a medalha Pedro Ernesto da Câmara Municipal do Rio, em 12 de junho de 2017, mas sem comentários do agente da PF.

O documento inclui uma conversa via WhatsApp entre o advogado e o empresário Marco Antônio de Luca. Em 30 de outubro de 2019, Nythalmar lhe enviou um arquivo com nome de "Petição Marco de Luca — Juntada de Subs sem reservas". Na sequência, escreveu: "Feitos em todos os processos, mantido apenas o questionamento meu na qualidade de impetrante agora em diante do Bretas julgar vc diferente de todos".

O agente da PF apontou que "chama atenção a frase 'agora em diante do Bretas julgar vc diferente de todos'. Infere-se pelo contexto das conversas que se trata do magistrado Marcelo Bretas". Contudo, no Habeas Corpus 0003772-12.2019.4.02.0000, em tramitação na Justiça Federal da 2ª Região, Nythalmar sustenta que Bretas tratou Luca de forma mais severa em relação a réus em situação semelhante. Ou seja, a diferença foi negativa, e não para beneficiar o cliente.

Em gravação de conversa entre o advogado e o empresário, Nythalmar afirma que irá "entrar no CNJ contra o juiz, porque o que ele fez com você é desumano". Marco Antônio de Luca responde que não tem nada a ver com isso, ainda mais se Nythalmar não for mais o advogado dele. O empresário diz que entende a indignação do criminalista.

"É uma coisa sua da indignação pelo que aconteceu. É um absurdo que você tá vendo e que não pode fazer nada por isso aí. Né? (…) Porque você foi dentro da lei e o cara não respeitou a lei para fazer isso aí que ele fez comigo. Não respeitou o acordo que ele fez com você. (…) Se uma hora ele… 'inaudível'… você devolve, você faz isso, você faz aquilo outro… É.. Você não tem nenhum problema, mas ele não cumpriu isso", diz o empresário.

Nythalmar então afirma: "Não, não é nem isso, com todo mundo ele faz assim. Todo mundo que fez isso e devolveu o dinheiro".

O relatório também cita um arquivo denominado "Amigo sempre que se tem sucesso os incompetentes". "Neste arquivo que se assemelha, em conteúdo, a uma carta não assinada de algum cliente do Dr. Nythalmar, chama atenção a frase 'Foi meu caso, que mesmo não tendo nenhum processo junto ao Dr. Marcelo Bretas lhe procurei para me representar no STF'", destaca o agente da PF.

Trata-se de uma carta do ex-deputado Pedro Corrêa a Nythalmar. No relatório da PF, há a transcrição de conversa entre Marco Antônio de Luca e o advogado, na qual ele afirma: "A Aline Correia que você conhece o Laudo. A Aline tem um processo de contrabando, não tem nada a ver com a Lava-Jato, quem cuida sou eu. O Pedro Correia colocou o caso dele do STF do Barroso nas minhas mãos e também está dando certo" (sic).

A conversa mais relevante do documento em relação a Marcelo Bretas já havia sido relevada pela revista Veja. Segundo o veículo, o advogado criminalista apresentou uma gravação na qual Bretas diz que vai "aliviar" acusações contra o empresário Fernando Cavendish, delator e que também chegou a ser preso pela "lava jato".

A revista transcreve a gravação, na qual Bretas afirma: "Você pode falar que conversei com ele, com o Leo, que fizemos uma videoconferência lá, e o procurador me garantiu que aqui mantém o interesse, aqui não vai embarreirar", diz Bretas. "E aí deixa comigo também que eu vou aliviar. Não vou botar 43 anos no cara. Cara tá assustado com os 43 anos", diz, em outro trecho do diálogo.

Leo seria o procurador Leonardo Cardoso de Freitas, então coordenador da operação no Rio de Janeiro. Os "43 anos" se referem à decisão que condenou o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, o que gerou temor generalizado nos réus.

Além disso, Nythalmar afirma que Bretas atuou para que Wilson Witzel (PSC) fosse eleito governador do Rio em 2018. De acordo com o advogado, no segundo turno, Paes, em busca de uma trégua, se comprometeu a nomear uma irmã do juiz para uma secretaria, se fosse eleito. Depois de Witzel ganhar as eleições, ele, Eduardo Paes e Bretas firmaram um acordo informal, narra Nythalmar. O ex-prefeito assegurou que abandonaria a política "em troca de não ser perseguido" (o que não aconteceu, pois foi novamente eleito prefeito do Rio em 2020). Já Witzel nomeou Marcilene Cristina Bretas, irmã do juiz, para um cargo na Controladoria-Geral do Estado do Rio. À Veja, Bretas negou as acusações.

Outras acusações
O relatório da Polícia Federal transcreve diversas conversas entre Nythalmar e Danielle Cunha, filha do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Parte das conversas trata da transferência do político para de Curitiba para o Rio, ocorrida em maio de 2019. Em grupo de mensagens, Rafael Guedes Castro, advogado de Cunha, dialoga com Danielle sobre a transferência. Nythalmar mal interage na conversa.

Em outra conversa de dezembro de 2019, apenas entre Danielle e Nythalmar, o advogado afirma que entrou o contato com "o gab do estrela" — segundo a PF, "provavelmente o juiz Rafael Estrela Nóbrega", titular da Vara de Execução Penal do Rio. O criminalista diz que "ele vai dar sim". "Deixou bem claro isso. Mas pediu sem carnaval". Poucos dias depois, porém, o julgador negou pedido de prisão domiciliar de Cunha.

Em março de 2020, Danielle questiona por que ainda não saiu um ofício para que seu pai pudesse fazer uma cirurgia em um hospital particular — uma semana depois, a 13ª Vara Federal de Curitiba substituiu a prisão preventiva de Cunha por domiciliar. Na conversa, Nythalmar pergunta se "aquele amigo não pode ajudar". Danielle diz que isso só poderia ocorrer em "casos maiores".

Segundo o relatório da PF, uma busca em fontes abertas permitiu que se verificasse que "quem deu a autorização foi o juiz Rafael Estrela, da Vara de Execução Penal do Rio de Janeiro, possivelmente sendo este o 'amigo' citado nas mensagens". Em 17 de março de 2020, Estrela permitiu que o ex-deputado deixasse a prisão para realizar o procedimento.

Em maio de 2020, Danielle acusa o criminalista de vazar provas — conforme a PF, da operação furna da onça, que apurou esquema de corrupção na Assembleia Legislativa do Rio. "Essa operação não existia mais a possibilidade", respondeu Nythalmar.

A PF ainda aponta que "causa estranheza o fato da mesma [Danielle Cunha] solicitar que ele [Nythalmar] olhe o 'wr', provavelmente o aplicativo Wickr".

Acusações infundadas
O documento da Polícia Federal também menciona o envolvimento de Nythalmar com a milícia. Porém, sem apontar elementos contundentes.

O empresário Rogerio Caetano da Silva enviou mensagem ao advogado em junho de 2020 sobre um projeto de fábrica de botijão de gás.

"Rogério é empresário e consta no quadro societário de diversas empresas de distribuição de gás, sendo a maioria em área notadamente sob controle de milícia como Campo Grande, Nova Iguaçu e Taquara. Nythalmar responde que já falou com 'Rocinha' e este disse para levar 'ao cara'. Nenhuma das duas pessoas citadas na mensagem foi qualificada até o momento. Nythalmar responde que já falou com 'Rocinha' e este disse para levar 'ao cara'. Nenhuma das duas pessoas citadas na mensagem foi qualificada até o momento", cita o agente da PF.

No entanto, o criminalista, na conversa, diz que falou com "Rochinha", e não "Rocinha". Portanto, não há referência à favela na zona sul do Rio.

Outro arquivo trata de conversa, de 2016, do advogado com Fabio Tavares Rangel. Segundo a PF, em determinado momento, eles falam sobre amizade com Didil, possivelmente se referindo a Wellington da Silva Braga, também conhecido como o miliciano Ecko. Trata-se, entretanto, de um empresário, que consta de contrato social. "O conteúdo dos diálogos não sugere relação com os fatos abordados, motivo pelo qual o áudio não está degravado", admite a PF.

Bolsonaro e cloroquina
Em 24 de março de 2020, já decretada a epidemia de Covid-19 no Brasil, Nythalmar e Pablo Antônio Fernando Tatim dos Santos tratam da compra e fabricação de remédios pelas Forças Armadas contra a doença, citando explicitamente a cloroquina. O advogado solicita que Santos o ajude com a pauta e acrescenta que é importante estar bem com os militares.

Em seguida, pergunta se ele conseguiu falar com o pastor. No dia seguinte, Santos orienta "vamos apagar essas mensagens" e "apaga seus áudios". "Como não há áudios nesse trecho da conversa, infere-se que foram apagadas mensagens de texto e áudios", afirma o relatório, sem, contudo, apontar irregularidades.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!