Processo Novo

No apagar de 2022, uma impactante reforma acaba de ser realizada no STF

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

28 de dezembro de 2022, 8h00

Em sessão administrativa concluída em 14/12/2022, os ministros do Supremo Tribunal Federal aprovaram a Emenda Regimental 58/2022 [1]. Com a reforma, o regimento interno do tribunal foi alterado em pontos bastante sensíveis. E, a depender do modo como as novas redações dos dispositivos regimentais vierem a ser interpretadas e aplicadas, talvez venhamos a testemunhar uma das mais impactantes reformas pelas quais passou o Supremo.

Spacca
A tônica da reforma é o reforço da colegialidade no Supremo. Isso é estampado também na ata da sessão administrativa realizada [2].

Quanto às cautelares concedidas por decisão monocrática (também chamada de unipessoal) do relator, prevê-se, com a reforma, que a medida deve ser inserida automaticamente na pauta da sessão subsequente, para que o colegiado competente delibere se referendará, ou não, a liminar concedida pelo relator.

O assunto não é totalmente novo, e já havia sido objeto de debate anteriormente, entre os integrantes da corte [3]. De todo modo, agora os ministros decidiram a respeito do tema, dando-lhe novos contornos. Há inegável homenagem à colegialidade na redação que acaba de ser aprovada.

O problema, quanto ao que restou consignado na Emenda Regimental 58/2022, reside do âmbito de abrangência da alteração. Segundo a nova redação do inciso IV do artigo 21 do regimento interno do tribunal, essa disciplina diria respeito, em princípio, a medidas cautelares de natureza cível ou penal [4]. Fica claro, por exemplo, que decisões que tenham sido proferidas pelo relator e que resultem em prisão de alguma pessoa deverão ser de imediato submetidas ao colegiado. Mas, se interpretado restritivamente, o texto também poderia conduzir ao entendimento de que a nova disciplina não alcançaria ações em que se realize controle abstrato de constitucionalidade. Assim, se prevalecer esse modo de pensar, liminares concedidas sine die por ministro relator de ação direta de inconstitucionalidade não seriam abrangidas pela reforma, algo que, a nosso ver, seria injustificável. Afinal, se a reforma se propõe a reforçar a colegialidade do Supremo, parece inapropriado que isso seja observado em algumas modalidades de processo, e, em outras, não. Além disso, esse entendimento poderia conduzir a resultados desastrosos, uma vez que cada vez mais se baralham os controles concentrado e difuso de constitucionalidade (que se dão, por exemplo, quando o Supremo julga uma ação direta de inconstitucionalidade e um recurso extraordinário, respectivamente), algo que é, hoje, reconhecido pela própria legislação infraconstitucional (o § 12 do artigo 525 do CPC é ótimo exemplo disso). Não bastasse, em controle abstrato de constitucionalidade também se delibera sobre medidas de natureza cível ou penal. De que natureza seria a medida cautelar concedida pelo relator em ação direta de inconstitucionalidade que suspenda uma reforma pontual do Código Civil, ou do Código Penal, apenas para ficar nesses dois exemplos?

Por isso, segundo pensamos, a nova disciplina haveria de ser observada pelo Supremo Tribunal Federal em qualquer modalidade de processo, e qualquer que seja a natureza da matéria versada.

Outro ponto da reforma diz respeito aos prazos para devolução de processos pelos ministros após pedidos de vista.

Iniciado o julgamento pelo órgão colegiado (uma das duas Turmas, ou o próprio Plenário) e apresentado o voto pelo relator, um dos demais ministros pode pedir vista para examinar a questão e apresentar o seu voto. De acordo com a regra ainda hoje em vigor, o ministro que pedir vista tem prazo de 30 dias para devolver os autos para que o julgamento prossiga. No entanto, essa mesma regra não prevê qualquer consequência para o caso de o ministro que pedir vista não devolver os autos ao colegiado. Diante disso, há pedidos de vista que duram anos.

Com a reforma, o prazo é aumentado para até 90 dias, mas, caso os autos não sejam devolvidos pelo ministro que pedir vista, eles estarão liberados automaticamente para que o julgamento prossiga com a tomada dos votos dos demais ministros.

A regra de transição aprovada é igualmente impactante: cautelares concedidas por relatores monocraticamente e pedidos de vista já formulados por ocasião da publicação da Emenda Regimental também se submetem à reforma. Assim, as cautelares concedidas por decisões unipessoais de relatores deverão ser submetidas ao colegiado em até 90 dias, e igual prazo haverá de ser observado pelo ministro que tiver pedido vista.

Não se confundem o texto de uma lei (ou de um regimento interno) e a norma dali extraída. A norma é produto da interpretação do texto. Quer-se com isso dizer que, embora as modificações aqui rapidamente examinadas sejam alvissareiras, há que se aguardar o que delas fará o Supremo, aplicando-as no dia a dia. De todo modo, parece estar claro que as decisões colegiadas ganham maior relevo, e as decisões monocráticas do relator perdem espaço, algo que nos parece muito positivo, fortalecendo institucionalmente o Supremo. Se isso é algo que se concretizará, é cedo para dizer. Mas, a depender do modo como a reforma se implementar, podemos estar diante de uma das mais importantes transformações pelas quais passou o Supremo, em tempos recentes. Não será demasiado dizer que poderemos ter, doravante, um novo Supremo Tribunal Federal.

 


[1] A notícia foi veiculada no site do tribunal, e outras informações podem ser extraídas da ata da referida sessão administrativa.

[2] Consta da ata:

"O Tribunal aprovou as propostas de alterações e inclusões dos seguintes dispositivos ao Regimento Interno do STF, relacionadas à matéria concernente ao reforço da colegialidade:

2.1. Por unanimidade, a inclusão dos §§ 5.º, 6.º, 7.º e 9.º (renumerado como 8.º) ao art. 21 e do § 5.º ao art. 134, e a alteração do caput dos arts. 134 e 324.

2.2. Por maioria, a alteração dos incisos IV e V do art. 21 do Regimento Interno do STF, vencido o Ministro Nunes Marques, que registrou ressalva em seu voto."

[3] Em junho de 2020 já havia sido objeto de deliberação, que não chegou a ser concluída quanto ao ponto em razão de pedido de destaque apresentado durante a sessão administrativa.

[4] Disponibilizamos a íntegra da minuta da emenda em nosso canal no Telegram.

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  • é doutor e mestre em Direito, professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM, ex-visiting scholar na Columbia Law School, em Nova Iorque (EUA), ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015, advogado, árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

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