fatos e provas

É possível absolvição sumária em ação de improbidade com acusação de conluio

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27 de dezembro de 2022, 8h49

Mesmo antes da devida instrução processual, é plenamente possível que o juiz da causa, analisando indícios, conclua pela absolvição sumária de agentes públicos alvos de ação de improbidade administrativa baseada na ocorrência de conluio.

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Voto vencedor do ministro Gurgel de Faria concluiu que seria inviável rever conclusões das instâncias ordinárias sobre o ponto

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a um recurso especial do Ministério Público do Distrito Federal que buscava responsabilizar advogados públicos por atos ímprobos cometidos através da emissão de pareceres jurídicos.

O caso envolve a realização de um Termo de Acordo de Regime Especial (Tare), instrumento que permite ao Fisco a concessão de um regime especial para que determinadas empresas possam cumprir suas obrigações fiscais.

Segundo o MP-DF, o Tare firmado com a Empresa Martins S.A. foi alterado com a exclusão de uma cláusula graças a pareceres jurídicos emitidos por procuradores do DF e encampado pelos agentes tributários, o que levou ao favorecimento do contribuinte e causou lesão aos cofres públicos.

A exclusão dessa cláusula teria permitido a redução da carga tributária na remessa de mercadorias da filial no estado de São Paulo para a matriz em Minas Gerais, por meio de passagem ficta desses bens pelo Distrito Federal. O prejuízo causado seria da ordem de R$ 28 milhões.

As instâncias ordinárias absolveram os procuradores de maneira sumária por entender que seria inviável atribuir ilicitude à conduta do profissional que, por dever de oficio, expressa certa opinião ao emitir um parecer — o qual, por sinal, tem caráter opinativo e não vincula a administração pública.

Ao STJ, o MP-DF alegou que o cerne da questão é a existência de conluio entre os agentes públicos para beneficiar o contribuinte, o que só poderia ser descartado a partir da devida instrução processual, com o trâmite da ação de improbidade.

Na 1ª Turma, a votação foi apertada e só se resolveu com o voto de desempate após a convocação do ministro Francisco Falcão, que integra a 2ª Turma. Isso porque o ministro Benedito Gonçalves se declarou suspeito e não participou do julgamento.

Sergio Amaral/STJ
Para ministro Kukina, havendo indícios de improbidade e acusação de conluio, conclusão dependeria do trâmite da ação
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Fatos e provas
A corrente vencedora foi a do voto divergente do ministro Gurgel de Faria, para quem não caberia ao STJ rever as conclusões do TJ-DF sobre a ausência dos indícios mínimos necessários ao recebimento da ação de improbidade, pois baseada na análise de fatos e provas.

"Convém anotar que a decisão de recebimento da inicial da ação de improbidade não pode limitar-se à invocação do in dubio pro societate [na dúvida, em prol da sociedade], devendo, antes, ao menos, tecer comentários sobre os elementos indiciários e a causa de pedir, ao mesmo tempo que, para a rejeição, deve bem delinear a situação fático-probatória que lastreia os motivos de convicção externados pelo órgão judicial", explicou.

Em voto-vista, o desembargador convocado Manoel Erhardt concordou e acrescentou que o Supremo Tribunal Federal julgou que o Tare firmado no caso dos autos foi ilegítimo, por gerar prejuízo na incidência do ICMS em outros estados, com violação do pacto federativo. Portanto, não só a cláusula específica caiu, mas todo o acordo.

"Assim, nessa fase embrionária da demanda, é possível dizer que não se detecta a presença de conluio doloso entre os agentes acionados, especialmente por atos dos emissores de parecer, uma vez que os fatos posteriores vieram a comprovar que, realmente, era possível a alteração da cláusula do acordo, até porque o TARE, na forma como foi inicialmente engendrado, não contou com as melhores luzes jurídico-legais, razão pela qual foi reputado ilegal em momento seguinte", concluiu. Formou a maioria com eles o ministro Francisco Falcão.

Absolvição prematura
Ficou vencido o relator, ministro Sergio Kukina, acompanhado da ministra Regina Helena Costa. Ele destacou que a jurisprudência do Supremo indica que só é possível responsabilizar advogados públicos pelo conteúdo de pareceres técnico-jurídicos meramente opinativos "se evidenciada a presença de culpa ou erro grosseiro".

Esse parece ser exatamente o caso dos autos, apesar de as instâncias ordinárias terem presumido que os pareceristas atuaram nos limites legais de sua atividade profissional. Se a imputação é de atividade coordenada para causar dano ao erário, desvendá-la requereria a devida instrução processual.

"Dessa forma, uma vez que a efetiva elucidação dos fatos narrados na exordial da ação somente poderá ocorrer por meio do regular processamento do feito, a sua extinção, em relação aos ora agravantes, mostrou-se intempestiva e inoportuna, em nítida ofensa ao artigo 17, parágrafo 8º, da LIA", concluiu.

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REsp 968.110

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