Processo Lento

Lei que regulamenta criptomoedas previne crimes, mas não deverá ter efeito rápido

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1 de dezembro de 2022, 10h16

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (29/11) o projeto de lei que regulamenta a prestação de serviços com criptomoedas, texto que, por já ter sido aprovado antes no Senado, vai agora para sanção presidencial. Na opinião de especialistas no tema ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a nova norma não causará impacto imediato, mas dará maior segurança jurídica ao mercado e ajudará a prevenir crimes.

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Norma aprovada no Congresso traz definições sobre o mercado de criptoativosPexels

A ConJur já mostrou, à época da aprovação no Senado, que o PL tinha um caráter conceitual. A lei trará princípios, diretrizes e definições sobre o assunto, mas, como explica o professor e consultor em regulação financeira Isac Costa, não produzirá efeitos práticos relevantes no mercado por pelo menos um ano — até porque há no texto a previsão de um período de transição de 180 dias, para os agentes se adaptarem.

"O texto do projeto de lei das criptomoedas aprovado é bastante genérico, estipulando as diretrizes macro para a regulamentação da prestação de serviços de ativos virtuais, além de conceituar os próprios ativos, a prestação e os prestadores de serviços de ativos virtuais", afirma Milene Fachini, sócia de fintechs, cripto e blockchain no escritório Baptista Luz Advogados.

Segundo a advogada, "a expectativa é que seja um processo ainda um pouco longo. Na prática, demos o primeiro de alguns muitos passos em direção à regulamentação de criptomoedas".

"É um marco legal importante. Uma primeira camada de pavimentação de uma estrada para um setor que tem uma dinâmica muito intensa de negócios e que tem como característica principal ser global", opina o advogado Tiago Severo, especialista em regulação em sistema financeiro do Caputo, Bastos e Serra Advogados. "Posiciona o país positivamente e internacionalmente entre os poucos países que possuem lei sobre os criptoativos."

Principais pontos
A partir da vigência da lei, qualquer empresa que ofereça serviços de ativos virtuais — em essência, as corretoras de criptoativos, também chamadas de exchanges — precisará obter autorização prévia e cumprir requisitos a serem estabelecidos por algum órgão ou entidade do Executivo federal, ainda não escolhido. Também haverá fiscalização e aplicação de punições pelo descumprimento das regras que serão estipuladas em resoluções, instruções e outros atos infralegais.

Ou seja, as regras específicas dependerão da atuação do governo federal, provavelmente por meio do Banco Central. Os dispositivos do PL aprovado, segundo Costa, têm um valor mais simbólico do que prático. A ideia é permitir que as instituições comecem a se organizar a partir da fixação dos conceitos.

"A aprovação desse marco regulatório é um importante passo para o setor em termos de segurança jurídica e confiabilidade", opina Milene.

"Com a lei, a tendência é que as empresas sejam formalizadas, ajudando que o segmento seja visto pela população de maneira geral de forma positiva", destaca Severo.

Além disso, a regulamentação abre caminho para a diminuição de crimes e consequentes riscos aos investidores. As empresas de criptomoedas deverão manter registros sobre operações suspeitas de lavagem de dinheiro e comunicá-las às autoridades responsáveis, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Também poderão ser responsabilizadas por crimes financeiros, da mesma forma que bancos e outras instituições. E há ainda a tipificação do crime de fraude em prestação de serviços de ativos virtuais.

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Especialistas destacam instrumentos da lei para o combate à lavagem de dinheiro

A norma aprovada, portanto, ajuda a "tirar a máscara" de certos participantes do mercado, nas palavras de Costa. Se tais disposições não extinguem eventuais irregularidades, ao menos fornecem instrumentos para a obtenção de informações adicionais sobre operações suspeitas, o que configura potencial ganho no combate ao crime, segundo o especialista.

Na avaliação de Severo, os principais benefícios da norma são mesmo as soluções contra os crimes: "A legislação está em conformidade com as recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), para fins de combate à lavagem de dinheiro. A consequência positiva, claro, será colocar o país em uma posição importante perante o mundo".

Lacunas
Alguns temas muito debatidos ao longo da tramitação do projeto de lei ficaram fora do texto final. O principal deles foi a segregação patrimonial. Tal regra impediria que o capital dos usuários de uma exchange se misturasse com o patrimônio da empresa, mas "foi suprimida por pressão de alguns participantes do mercado que queriam ter um modelo de negócio mais livre", afirma Costa.

No modelo aprovado, sem a segregação patrimonial, as exchanges atuam como bancos: os recursos depositados pelos clientes são utilizados livremente pela empresa, em empréstimos e outros investimentos. Porém, Costa lembra que, neste ano, muitas empresas "quebraram" porque não tinham os recursos disponíveis para os clientes que precisavam efetuar saques.

O professor ainda aponta um "ponto cego" da lei: a falta de comunicação com as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Apesar de não oficializado, o Banco Central já é tido como o órgão responsável por regular o tema. No entanto, Costa ressalta que o BC não é muito voltado a investimentos, mas, sim, a liquidação de operações e estabilidade financeira.

Atualmente, a maioria das pessoas usa criptoativos não como forma de pagamento, mas como investimento. "Os riscos aos investidores são muito mais próximos dos problemas de que a CVM trata do que dos problemas de que o Banco Central trata", diz o professor.

A nova lei ignora essa situação e não menciona questões normalmente tratadas pela CVM, como deveres fiduciários dos prestadores de serviços, informações enganosas, má formação de preços, manipulação de mercado e uso indevido de informação privilegiada.

"Hoje, do jeito que o projeto está redigido, todas essas preocupações e todos esses instrumentos regulatórios só vão ser aplicados se os criptoativos forem valores mobiliários", explica Costa.

O professor defende "algum tipo de adaptação da regulação do mercado de valores mobiliários para ser incorporada a essa lei, em sua regulação infralegal, e proteger os investidores". Outra alternativa sugerida por ele é estabelecer uma comunicação para determinar que deve ser aplicada a regra da CVM quando os ativos virtuais forem usados como investimento.

"Apesar da criptomoeda ter surgido para viabilizar operações realizadas diretamente entre as pessoas, sem qualquer intermediação, vemos que na prática os investidores ainda não possuem confiança o suficiente para realizarem operações desta maneira, razão pelas quais os investidores institucionais utilizam exchanges e empresas para custodiar seus criptoativos", indica o tributarista Thiago Barbosa Wanderley, sócio do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados. "Nos resta aguardar as regras regulatórias que disciplinarão a atuação destes intermediários, de modo a evitar quebras repentinas e perdas expressivas aos investidores", completa.

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