Prática Trabalhista

Férias coletivas: direitos e regras nas festas de final de ano

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

1 de dezembro de 2022, 8h00

Com a aproximação do período das festas de final de ano, é certo que as empresas devem programar a concessão de férias coletivas aos seus empregados. E aqui, claro, algumas dúvidas podem surgir quanto à temática.

Será que todos os empregados têm direito de gozar das férias coletivas? Quais são os direitos dos trabalhadores e os deveres do empregador? O empregado pode se recusar a usufruí-las? E qual é o momento adequado para a concessão dessas férias?

Com efeito, impende destacar que o direito às férias é tido como de ordem constitucional, inserido no capítulo dos direitos sociais, conforme estabelece o artigo 7º, inciso XVII, da Constituição Federal de 1988 [1]. Verifica-se, assim, que o gozo das férias é um direito fundamental do trabalhador e, a um só tempo, um dever do empregador em proporcioná-las.

Nesse desiderato, para a concessão de tal direito, o trabalhador precisa estar com o contrato de trabalho em vigor na época da concessão das férias, assim como laborar por um período mínimo de 12 meses. Essa fase é denominada de período aquisitivo [2], de sorte que, a partir do transcurso do prazo de 12 meses de trabalho, o empregado irá adquirir este direito.

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De mais a mais, a legislação trabalhista informa que as faltas injustificadas ao serviço poderão afetar a quantidade de dias destinados à fruição das férias pelo trabalhador. E, mais, a norma celetista também disciplina as situações que não são tidas como faltas ao serviço para fins do cômputo das férias e que, portanto, não devem interferir na contagem do período aquisitivo.

Entrementes, a Consolidação das Leis do Trabalho [3] estabelece alguns critérios a serem observados para fins de fruição das férias, tais como hipóteses de interrupção da contagem desse período. Por isso que, via de regra, após a obtenção do período aquisitivo, dá-se início ao cômputo do período concessivo, entendido como aquele destinado à efetiva fruição das férias. Nessa hipótese, se a fruição não contrariar os interesses do empregador e, ainda, houver concordância do trabalhador, este poderá escolher o período que lhe for mais benéfico.

Entretanto, a legislação traz duas ressalvas em relação à concessão das férias, quando se terá o respeito, em princípio, aos interesses do trabalhador: (1) a primeira, no que tange aos membros da família que laborem mesmo estabelecimento, de modo que aqueles terão direito ao gozo em idêntico período, se disso não resultar prejuízo para a empresa; e, (2) para o estudante menor de 18 anos, que terá o direito de coincidir suas férias com as férias escolares.

Noutro giro, as férias coletivas possuem previsão legal no artigo 139 da Consolidação das Leis do Trabalho [4]. Nessa circunstância, ocorrerá a paralisação conjunta de todos empregados ou de alguns setores da empresa. Neste cenário, as férias coletivas poderão ser usufruídas em dois períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a dez dias corridos [5].

Diferentemente das férias individuais, as férias coletivas serão determinadas pelo empregador. Sob esta perspectiva, nota-se que não há opção ao empregado em não usufruir das férias coletivas, cujo ato de concessão se traduz numa prerrogativa unilateral da empresa.

O empregador aqui deverá comunicar, com uma antecedência de 15 dias, o início e fim das férias coletivas ao órgão local do Ministério do Trabalho, além de informar também quais os estabelecimentos e/ou setores que serão compreendidos, cujas cópias desta comunicação serão remetidas aos respectivos sindicatos da categoria profissional. Outro dever do empregador é providenciar que sejam afixados avisos nos locais de trabalho com informações sobre a concessão das férias coletivas aos empregados.

Há que se ter em mente que, nos termos do artigo 51, inciso V, da Lei Complementar nº 123/2006 [6], as microempresas e as empresas de pequeno porte são dispensadas de comunicar o Ministério do Trabalho e Emprego acerca da concessão das férias coletivas.

Dito tudo isso, fato é que as férias igualmente estão sendo usadas para fins de ajuste na produção de certas empresas, sobretudo considerando o período pandêmico. Nesse sentido, no primeiro semestre de 2022, uma montadora de veículos na região de Minas Gerais determinou a fruição de férias coletivas para aproximadamente 600 funcionários com fins de minimizar a crise global e reajustar a produção [7]. Com idêntico objetivo outra montadora na região do Vale do Paraíba adotou o mesmo procedimento [8].

Aliás, durante o período crítico da pandemia, um levantamento da Secretaria de Política Econômica, em novembro de 2020, apontou que 35,6% das empresas anteciparam as férias dos seus funcionários de abril a junho do mesmo ano [9]. Isso permite concluir que as férias coletivas podem ser utilizadas outrossim como instrumento e estratégia para evitar a dispensa de trabalhadores em situações de crises financeiras ou de baixa produtividade.

Nesse desiderato, oportunos são os ensinamentos do professor Carlos Henrique Bezerra Leite [10]:

"Ao contrário das férias individuais, que é o de proteger, principalmente, a saúde do trabalhador, as férias coletivas visam assegurar os interesses da empresa, seja em virtude de uma crise econômica ou pela inviabilidade de manter o quadro de funcionários durante um período do ano, como acontece, por exemplo, nas instituições de ensino que não possuem atividades durante as férias.

Da mesma forma, aqui as férias poderão ser gozadas em dois períodos anuais, desde que nenhum deles seja inferior a 10 dias corridos.

(…). Os empregados com menos de 12 meses terão direito a férias proporcionais, sendo permitida a sua convocação para executar trabalhos na empresa nos demais dias. Caso não sejam convocados, serão considerados em licença remunerada, sendo ilegal qualquer compromisso que tais empregados venham a assumir no sentido de devolver os valores recebidos a mais ou compensar o trabalho não executado. Trata-se, nesse caso, de direito que já se incorporou ao patrimônio do empregado, sendo, portanto, irrenunciável".

Logo, observa-se que nas férias coletivas, a depender do interesse exclusivo do empregador, todos os empregados poderão ser contemplados, independentemente de terem completado o período aquisitivo.

Entretanto, conforme preceitua o artigo 140 da Consolidação das Leis do Trabalho, "os empregados contratados há menos de 12 (doze) meses gozarão, na oportunidade, férias proporcionais, iniciando-se, então, novo período aquisitivo". Nessa linha de raciocínio, deve-se efetuar o cálculo para se apurar quantos dias de férias proporcionais o empregado tem direito, assim como aferir se haverá ou não licença remunerada, com base no período destinado as férias coletivas.

Em relação ao acerto das férias coletivas, estas deverão seguir os mesmos critérios de adimplemento das férias individuais. Por isso, o pagamento deverá ser feito em até dois dias antes do período de descanso, acrescido do terço constitucional, lembrando que é expressamente vedado que as férias coletivas se iniciem no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado, nos termos do artigo 134, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Se, porventura, houver interesse da conversão de parte das férias coletivas em abono pecuniário, isso deverá ser formalizado mediante acordo coletivo entre o empregador e o sindicato da categoria [11]. E, mais, uma vez que o empregado tenha gozado de férias coletivas, este período poderá ser descontado do cálculo e tempo de fruição das suas férias individuais, se houver saldo em aberto existente.

Em arremate, as férias coletivas podem ser benéficas para as duas partes do contrato de trabalho, possibilitando, por um lado, um maior tempo de convivência social dos trabalhadores com os seus familiares justamente no período de festas de final de ano; e, por outro, uma melhor garantia da saúde financeira da empresa, cumprindo, ao final, com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil insculpido no inciso IV do artigo 1º da Lei Maior, qual seja, o valor social do trabalho e da livre iniciativa.

 


[1] Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…). XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

[2] Art. 130. Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção: I – 30 (trinta) dias corridos, quando não houver faltado ao serviço mais de 5 (cinco) vezes; II – 24 (vinte e quatro) dias corridos, quando houver tido de 6 (seis) a 14 (quatorze) faltas; III – 18 (dezoito) dias corridos, quando houver tido de 15 (quinze) a 23 (vinte e três) faltas; IV – 12 (doze) dias corridos, quando houver tido de 24 (vinte e quatro) a 32 (trinta e duas) faltas. § 1º – É vedado descontar, do período de férias, as faltas do empregado ao serviço § 2º – O período das férias será computado, para todos os efeitos, como tempo de serviço.

[4] Art. 139. Poderão ser concedidas férias coletivas a todos os empregados de uma empresa ou de determinados estabelecimentos ou setores da empresa.

[5] Artigo 139 (…). § 1º – As férias poderão ser gozadas em 2 (dois) períodos anuais desde que nenhum deles seja inferior a 10 (dez) dias corridos.

[10] Curso de Direito do Trabalho – 14ª ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022. Páginas 667e 668.

[11] Art. 143. É facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes. (…). § 2º – Tratando-se de férias coletivas, a conversão a que se refere este artigo deverá ser objeto de acordo coletivo entre o empregador e o sindicato representativo da respectiva categoria profissional, independendo de requerimento individual a concessão do abono.

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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