Opinião

Parece ter chegado ao fim a batalha de Tiririca x Erasmo e Roberto Carlos

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31 de agosto de 2022, 6h02

Difícil pensar em período eleitoral sem que venham na memória os jingles de campanha, especialmente as "paródias" de músicas famosas, instrumentos comuns e importantes na busca de votos, seja por políticos menos populares, seja por figuras conhecidas em seus palanques.

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O mês de agosto, que inaugurou a época de campanha até as eleições 2022, já iniciou com uma notícia veiculada pela União Brasileira de Compositores (UBC) de que o PL (Partido Liberal) teria uma nova versão para música "O Portão" (do popular refrão "eu voltei, agora pra ficar. Porque aqui, aqui é meu lugar"), de Erasmo e Roberto Carlos, para campanha à reeleição do deputado Tiririca por São Paulo.

Para quem não lembra, o refrão dessa mesma canção foi utilizado pelo político em sua campanha de 2014 e gerou bastante polêmica, em razão da ausência de autorização por parte dos seus titulares. A controvérsia foi inicialmente julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendeu, na ocasião, que a "utilização de trecho de obra musical (com letra originária modificada) não possuía destinação humorística". Dessa forma, não poderia se enquadrar no conceito de paródia[1],  que  não caracteriza violação de direito autoral, segundo artigo 47 da Lei de Direitos Autorais (LDA).  Condenou, então, o humorista e político a arcar com indenização "em 20 vezes sobre o montante que seria originalmente devido aos autores", de acordo com o artigo 109 da LDA.

Em 2019, a discussão chegou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reverteu a decisão anterior sob o fundamento de que a ausência de comicidade não descaracterizaria a paródia (apesar de a decisão ponderar — como pano de fundo — que o candidato é artista popular que se destacou justamente no meio humorístico por meio de paródias). Segundo a Corte Superior, "a paródia é fruto de uma nova interpretação, ou uma adaptação a um novo contexto, com o intuito de aproximar emissor e destinatário da mensagem comunicada".

Destacou que a finalidade eleitoral não traria qualquer impacto à conclusão pela licitude e que a violação ao direito autoral apenas se caracterizaria caso fosse verificado conteúdo ofensivo ou descrédito à obra original ou ao seu autor.

O caso ganhou mais um capítulo com a interposição de um novo recurso pela gravadora dos compositores (ERESp. 1.810.440/SP), mas parece ter chegado ao fim no último dia 24 de agosto, já que o Superior Tribunal voltou a colocar o assunto em pauta e decidiu negar provimento ao recurso.

Em resumo, buscava-se alterar o desfecho da ação com base na alegação de que a solução dada ao caso divergia de outro julgado da Corte que, em 2011, tratou da controvérsia acerca do uso da música "Roda, Roda, Roda" (habitualmente veiculada no antigo "Cassino do Chacrinha") em publicidade do mercado Carrefour (REsp. 1.131.498/RJ). Em tal julgamento, o STJ entendeu que a música foi alterada pelo Carrefour com a finalidade de atrair consumidores ao mercado, "não havendo [que se] falar em paráfrase, pois a canção original não foi usada como mote para desenvolvimento de outro pensamento, ou mesmo em paródia, isto é, em imitação cômica, ou em tratamento antitético do tema. Foi deturpada para melhor atender aos interesses comerciais do promovido na propaganda" e, portanto, seria cabível indenização aos compositores. Em outras palavras, o Tribunal concluiu que a campanha carecia de esforço criativo cômico suficiente para se enquadrar na exceção legal (como já havia sido constatado pelo Tribunal do Rio de Janeiro).

Além desses casos, vale lembrar outros dois recursos julgados pelo STJ acerca da aplicação do artigo 47 da LDA.  Em 2017, decidiu a disputa entre a Folha de S.Paulo e o detentor do site www.falhadesaopaulo.com.br (REsp nº 1.548.849/SP), no qual eram publicadas paródias/críticas às notícias à Folha. Em tal ocasião, o STJ entendeu que as publicações da "Falha" eram evidentemente paródias com cunho crítico e humorístico, não havendo que se falar em qualquer violação aos direitos da Folha.

Em 2018, julgou caso que discutia a paródia de trecho da música de Vinícius de Moraes em campanha publicitária (REsp No. 1.597.678/RJ) e novamente entendeu que a exceção do artigo 47 da LDA deveria ser aplicada ante a conclusão do tribunal de origem sobre a criatividade e clara intervenção cômica dos publicitários — e que não ocasionou depreciação da canção ou de seu autor.

As decisões mencionadas apenas reforçam o cunho subjetivo da exceção legal. Afinal, o legislador apenas foi claro ao determinar que as paródias não podem simplesmente reproduzir a obra e não devem implicar seu descrédito.

Fato é, portanto, que a conclusão sobre a licitude sempre dependerá do caso concreto.


[1] Apesar de não possuir definição legal, paródia pode ser tradicionalmente definida como releitura cômica ou crítica de uma obra.

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