Justiça sem rosto

TJ-SP anula audiência de custódia virtual na qual juiz não ligou a câmera

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26 de agosto de 2022, 19h08

O descumprimento das formalidades procedimentais da audiência de custódia acarreta nulidade insanável. Assim, o juiz Luís Geraldo Lanfredi, substituto em segundo grau que atua como desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo, em liminar, anulou uma audiência feita por videoconferência sem entrevista prévia com a Defensoria Pública e sem que o magistrado ligasse a sua câmera.

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Juiz plantonista não autorizou entrevista prévia com a Defensoria Pública Reprodução/AMB

Consequentemente, foi determinada a soltura de dois homens investigados por suposto envolvimento com tráfico de drogas, cuja prisão preventiva havia sido decretada na audiência de custódia.

A audiência ocorreu de forma virtual na 43ª Circunscrição Judiciária de Casa Branca (SP). O juiz plantonista não mostrou seu rosto, mas apenas o fundo de tela com as insígnias do TJ-SP. Com isso, o ato foi conduzido apenas por voz.

A Defensoria Pública estadual solicitou entrevista prévia com os homens, para esclarecer os motivos, fundamentos e procedimentos da audiência. Porém, o magistrado considerou que o órgão deveria ter empreendido tal conversa por conta própria, antes que os réus fossem apresentados em juízo.

A Defensoria, então, impetrou Habeas Corpus no TJ-SP. Lanfredi, relator do caso, não constatou justificativa plausível para que a audiência de custódia ocorresse de maneira virtual.

Ele lembrou que o Conselho Nacional de Justiça, em 2020, definiu critérios excepcionais para audiências por videoconferência, durante o estado de calamidade pública causado pela Covid-19. Porém, ressaltou que "a conjuntura atual não é a mesma de antes".

Lanfredi também lembrou que, antes da apresentação de uma pessoa presa ao juiz, deve ser garantido seu atendimento prévio e reservado por advogado ou defensor público, sem a presença de policiais. Esse é o momento no qual o investigado é informado dos fatos que estão sendo investigados e seus direitos, como o de permanecer em silêncio.

O relator ressaltou que "nem mesmo o cenário pandêmico em momento algum flexibilizou ou contemporizou essa obrigação, enquanto instrumentalizadora do direito ao exercício da ampla defesa".

A defensora pública responsável não pôde entrar em contato com os investigados, porque eles estavam em outro local. Ou seja, o ato "se inviabilizava materialmente, diante das circunstâncias concretas". A culpa foi atribuída à Defensoria, mas Lanfredi destacou que a obrigação "cabia e competia ao juízo".

Além disso, o magistrado plantonista sequer advertiu os réus sobre o direito ao silêncio. Em vez disso, iniciou as perguntas "da forma como entendeu" e questionou os réus acerca dos fatos e — de forma sucinta — dos procedimentos adotados pelos policiais durante a prisão em flagrante.

Lanfredi ressaltou que o juiz sequer apontou algum defeito em sua câmera para justificar a audiência às escuras. "Trata-se de uma atuação e performance judicial que se distancia — para não dizer que se afasta completamente — do objetivo perseguido por uma audiência de custódia, bem como das premissas estabelecidas pelo legislador constitucional e ordinário, e inclusive todas as precauções que nortearam a regulamentação do ato, quer seja em cenário pandêmico ou não", assinalou ele.

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Processo 2196047-44.2022.8.26.0000

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