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MP não pode celebrar acordo de colaboração premiada com pessoa jurídica

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9 de agosto de 2022, 16h47

Como não se mostra possível enquadrar pessoa jurídica como investigada ou acusada por crimes de organização criminosa, o Ministério Público não pode com ela celebrar um acordo de colaboração premiada.

Jair Pires
Acordo de delação foi firmado para tratar de irregularidades em licitação do metrô de SP
Jair Pires

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso em Habeas Corpus ajuizado para trancar ação penal contra um ex-assessor de secretário de logística do governo de São Paulo.

O réu foi representado na ação pelo escritório Pavan Lapetina e Silveira Advogados.

Ele foi denunciado por lavagem de dinheiro e organização criminosa, após ser delatado por ex-executivos da Camargo Corrêa por ilícitos no âmbito de licitação do metrô paulista. Estes, por sua vez, tornaram-se colaboradores ao aderirem a um acordo de colaboração premiada firmado pela própria construtora.

Segundo o réu, o acerto da Camargo Corrêa com o Ministério Público de São Paulo é ilegal, pois a empresa, como pessoa jurídica, não tem capacidade e voluntariedade para firmar acordo de colaboração premiada, conforme previsão da Lei 12.850/2013.

Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a argumentação. Para a corte, a pessoa jurídica é sujeita de direitos, capaz de expressar sua vontade de forma destacada e autônoma em relação à vontade das pessoas naturais que a compõem.

O TJ-SP apontou que a Camargo Corrêa é detentora de informações e dados relevantes sobre os supostos crimes e estrutura da organização criminosa. E apontou que, se a legislação penal nada dispôs sobre a colaboração premiada da pessoa jurídica, é porque não a proibiu.

O tema é inédito no STJ. Relator, o desembargador convocado Olindo Menezes propôs a reforma do acórdão e o trancamento da ação. Nesta terça-feira (9/8), em voto-vista, o ministro Rogerio Schietti acompanhou a conclusão. A votação na 6ª Turma, por fim, foi unânime.

Desembargador Olindo Menezes propôs o trancamento da ação penal contra o réu
Flickr/STJ

Sem crime, sem delatação
Para o desembargador convocado, nunca houve dúvida na jurisprudência e na doutrina quanto à capacidade ou autonomia da pessoa jurídica para firmar compromissos e agir voluntariamente. Isso não significa que possa celebrar acordo de colaboração na área penal.

Isso porque a delação é ato personalíssimo, cujo objetivo é obter a redução ou mesmo a isenção da pena do colaborador por algum crime cometido. Acontece que a pessoa jurídica tem responsabilidade penal muito limitada, restrita aos crimes ambientais, por força constitucional.

Assim, o instituto da delação premiada não se aplica à Camargo Corrêa, enquanto empresa. Principalmente para delatar seus próprios executivos, pessoas físicas a quem a lei confere o direito personalíssimo de firmar acordo para admitir a prática de crimes eventualmente praticados.

"Como não se mostra possível o enquadramento da pessoa jurídica como investigada ou acusada no tipo de organização criminosa, também não seria licito qualifica-la como ente capaz de celebrar acordo de colaboração premiada, menos ainda em relação aos seus dirigentes, aos quais pertence essa opção personalíssima", disse o desembargador Olindo Menezes.

José Alberto
Em voto-vista, ministro Rogerio Schietti acompanhou as conclusões do relator
José Alberto

É delação ou é leniência?
O voto ainda aponta que o acordo firmado pela Camargo Corrêa com o MP-SP mistura dois institutos: da colaboração premiada e da leniência. O primeiro se restringe às acusações penais. O segundo é aplicável à pessoa jurídica, mas em outros âmbitos: na área cível ou administrativa.

Para o desembargador convocado, as leis que tratam desses dois institutos devem ser interpretadas restritivamente, exceto se for para beneficiar o réu. Ou seja, não se aplica a posição do TJ-SP segundo a qual a colaboração premiada da pessoa jurídica seria possível porque a lei não a proibiu.

"Ou se tem uma colaboração premiada baseada na lei 12.850/2013, com todas suas regras, ou um acordo de leniência, seja com base na Lei 12.846/2013 ou mesmo na lei 12.529/2011", concluiu.

Restando nulo o acordo firmado entre Camargo Corrêa e MP-SP, cai também a delação feita por adesão por alguns dos executivos da empresa. Logo, não há outros elementos que possam embasar a ação penal contra o réu, o que leva ao trancamento da mesma.

Clique aqui para ler a decisão
RHC 154.979

*Texto alterado para correção de informação. O acordo foi firmado entre Camargo Corrêa e MP-SP, não MPF.

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