Guerrilha virtual

Ataques de Deltan a STF e Congresso estimularam bolsonarismo, diz professor

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5 de agosto de 2022, 9h21

As publicações no Facebook dos ex-procuradores da República Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima, bem como os comentários a elas, demonstram que a "lava jato" foi construída não como uma conquista institucional, e sim como um trabalho "divino" ou "sobrenatural". As postagens também apontam que os líderes da operação apoiaram ataques a instituições, como o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. E, com isso, fomentaram uma cultura contrária ao Estado de Direito que serviu como fundação para o bolsonarismo.

André Telles
STF foi alvo principal das publicações de Deltan Dallagnol entre 2017 e 2019
André Telles

É o que afirma Fabio de Sa e Silva, professor de Estudos Internacionais e Estudos Brasileiros na Universidade de Oklahoma e estudioso do lavajatismo, em artigo recém-publicado na revista Law & Society Review. O texto é intitulado Relational Legal Consciousness and Anticorruption: Lava Jato, Social Media Interactions, and the co-Production of Law's Detraction in Brazil (2017–2019) ["Consciência jurídica relacional e anticorrupção: 'lava jato', interações nas redes sociais e a coprodução da detração da lei no Brasil", em uma tradução livre].

O docente analisou 756 publicações no Facebook entre outubro de 2017 e outubro de 2019 contendo os termos "lava" e "jato". Durante esse período, o ex-presidente Lula foi preso, Jair Bolsonaro foi eleito presidente e indicou o ex-juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, e o ex-presidente Michel Temer foi preso brevemente. Além disso, o STF julgou indulto de Temer, a competência da Justiça Eleitoral para analisar crimes com implicações em pleitos e a destinação de recursos recuperados pela "lava jato". Nesse intervalo ainda houve a vaza jato, que revelou mensagens entre Moro e procuradores da operação demonstrando diversas ilegalidades.

Sa e Silva examinou postagens nas páginas de Dallagnol e Santos Lima, bem como os comentários a elas. Os termos mais frequentes nessas publicações foram, além de "lava" e "jato", "indulto não", "Brasil", "Deltan", "parabéns", "Deus" e "eu apoio a 'lava jato'".

Os atores da operação eram frequentemente caracterizados como "enviados de Deus". Também é frequente a afirmação de que os procuradores estariam protegidos por Deus e que seriam recompensados por suas ações.

Dallagnol estimulou essa glorificação dos atores da "lava jato", ressalta o pesquisador. Ele se descreve nas redes sociais como um "discípulo de Jesus" e fez postagens com um discurso que compara os funcionários da operação a missionários ou mártires. Quando o STF estava prestes a analisar pedido de Habeas Corpus de Lula em abril de 2018 — que liberou a prisão do ex-presidente —, Dallagnol disse que estaria "jejuando, rezando e torcendo pelo país".

Para o professor, tal discurso serviu para blindar a "lava jato" dos críticos. "Se anticorrupção é uma luta entre o bem e o mal e o juiz e o procurador são 'anjos', a conduta deles são pode ser questionada", afirma Sa e Silva, lembrando que tal imagem messiânica foi reforçada pela imprensa e manifestantes.

Ataques ao Congresso e STF
Deltan Dallagnol frequentemente estimulou a população a agir contra a corrupção. Diversas vezes ele criticou o Congresso Nacional. Em 2019, iniciou uma campanha contra o voto secreto nas eleições para presidente do Senado, acreditando que isso reduziria as chances de o senador Renan Calheiros (MDB-AL) ser eleito para o cargo.

Mas o alvo mais frequente das publicações de Dallagnol foi o STF. Onze das 53 postagens analisadas atacam a Corte ou algum de seus ministros, sempre estimulando manifestações populares contra eles.

O julgamento que foi mais comentado pelo ex-procurador foi o do indulto concedido por Temer em 2017. Mesmo com o alarmismo virtual de Dallagnol, o Supremo concluiu que é prerrogativa do presidente da República conceder indultos sem que sofra interferências do Judiciário.

Alvo de três processos administrativos disciplinares, uma sindicância e 45 reclamações, Dallagnol foi punido duas vezes pelo Conselho Nacional do Ministério Público: por fazer campanha contra Renan Calheiros na eleição para presidente do Senado em 2019 e por afirmar, em entrevista, que o STF passa a mensagem de leniência a favor da corrupção em algumas de suas decisões.

Fabio de Sa e Silva destaca que as publicações de Dallagnol e Santos Lima estimularam um ambiente contrário ao Estado de Direito e que serviu como pilar do bolsonarismo. Não à toa, o discurso dos ex-procuradores nas redes sociais lembra o de Bolsonaro, que constantemente ataca as instituições, especialmente o Supremo, afirma o professor.

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