Consequências e (in)validade de acordos simulados na Justiça do Trabalho
21 de abril de 2022, 8h00
Durante a pandemia, entre os meses de janeiro a junho de 2020, o número de processos na Justiça do Trabalho aumentou em 30%, isso em comparação com o mesmo período do ano de 2021 [1], sendo que grande parte dessas novas demandas foram resolvidas através de acordos.
Segundo os dados do Relatório Justiça em Números 2021, que tem por base o ano de 2020, 23% dos casos foram resolvidos por meio de conciliações, de forma que este percentual aumenta para 45% se for analisada unicamente a fase de conhecimento [2].
Lado outro, o Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2020 concluiu que do valor total pago aos reclamantes 46,6% foram decorrentes de acordos judiciais [3].
Entrementes, uma das grandes preocupações do Poder Judiciário sempre consistiu na verificação da lisura de tais acordos, em especial aqueles que pudessem, em certa medida, fraudar a legislação trabalhista.
No caso acima noticiado, além de o acordo ter sido invalidado, a empresa foi multada por ato atentatório ao exercício da jurisdição e por litigância de má-fé, sendo condenada ao pagamento de multas nos importes de 20% e 9,99%, respectivamente, incidentes sobre o valor da causa.
Noutro giro, a 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro da 1ª Região manteve a decisão da primeira instância que não homologou o acordo extrajudicial apresentado nos autos [5]. Em seu voto, a Desembargadora Relatora concluiu que o ajuste deve ser examinado sob a ótica do princípio protetor e da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, com a finalidade de impedir a ocorrência de fraudes ou lides simuladas [6].
Frise-se, por oportuno, que com o advento da Lei nº 13.467/2017 foram inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho [7] os artigos 855-B a 855-E, os quais versam acerca do procedimento de jurisdição voluntária para a homologação de acordo extrajudicial.
Sobre o assunto, oportunos são os ensinamentos de Homero Batista [8]:
"Inseridos pela Lei 13.467/2017, os arts. 855-B a 855-E são bastante ambiciosos em sua proposta. Explica-se. Os juízes do trabalho desenvolveram grande preconceito com o crescimento alarmante das lides simuladas, assim entendidos os falsos processos trabalhistas, feitos exclusivamente para se obter a homologação de um acordo e quitar todo o contrato de trabalho.
Dado que o Brasil não oferece canais adequados para o diálogo social e dada a estrutura confusa sindical com que convivemos ao longo de décadas, involuntariamente a Justiça do Trabalho se tornou um raro espaço para apresentação de queixas, críticas e anseios do direito do trabalho. E, para complementar, ela oferece um mínimo de segurança as relações jurídicas ao atribuir o selo da coisa julgada — por meio dos julgados de mérito ou dos acordos homologados judicialmente".
Entrementes, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo da 2ª Região tem regras específicas para os pedidos de homologação de acordos extrajudiciais e que são aplicadas no âmbito de sua jurisdição [9].
Logo, inobstante os acordos extrajudiciais tenham sido previstos pela Lei Reformista e efetivamente reconhecidos pela Justiça do Trabalho [10], caso constatado que o objetivo seja fraudar direitos trabalhistas para apenas obter a chancela judicial da coisa julgada, decerto que tais acordos poderão ser anulados, ou, ainda, nem sequer serem homologados em juízo.
De mais a mais, nos termos da Súmula nº 418 do Tribunal Superior do Trabalho [11], a homologação de acordo é uma faculdade do juiz, e não uma obrigação legal a ele imposta.
Aliás, o Código de Processo Civil dispõe, em seu artigo 142 [12], que uma vez convencido o juiz de que as partes se utilizaram do processo com o intuito de praticar ato simulado, este poderá impedir o objetivo de ambos, e, ainda, aplicar-lhes penalidades.
No mesmo sentido, o artigo 966, inciso III, do referido diploma legal, ao versar sobre o instituto da ação rescisória, estabelece que "a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei".
Se é verdade que as partes detêm autonomia para a composição, e, uma vez homologada a avença esta se torna uma decisão irrecorrível; de igual modo o juiz poderá recusar a homologação do acordo se constatada ofensa de ordem pública ou efeitos nefastos para terceiros, notadamente para o trabalhador.
Nesse diapasão, o Ministério Público do Trabalho, de forma didática, ilustrou através de quadrinhos [13] a temática da lide simulada, com o propósito de alertar o trabalhador quando do seu desligamento da empresa.
Contudo, o trabalhador também poderá sofrer penalidades, inclusive ser condenado por litigância de má-fé, caso fique constatado que deixou de expor os fatos em conformidade com a verdade dos fatos e/ou que teria simulado uma situação [14].
De qualquer sorte, impende ressaltar que não somente as partes, mas como também os seus representantes, todos poderão ser penalizados. Por isso, uma vez constatada a existência de lide simulada, e desde que comprovada a participação direta e envolvimento dos respectivos advogados, estes poderão ser punidos junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil [15].
Em arremate, conquanto possa haver concessões mútuas no momento das transações, o que não se pode admitir é que o processo seja utilizado como um mecanismo para burlar a legislação celetária, e tampouco que o acordo homologado possa implicar em renúncia de direitos trabalhistas.
[1] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/business/numero-de-processos-trabalhistas-dispara-durante-a-pandemia-de-covid-19/. Acesso em 18/4/2022.
[2] Disponível em https://www.tst.jus.br/-/justi%C3%A7a-do-trabalho-%C3%A9-destaque-em-relat%C3%B3rio-do-cnj-em-concilia%C3%A7%C3%A3o-e-digitaliza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 18/4/2022.
[3] Disponível em https://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/relatorio-geral#:~:text=Os%20valores%20pagos%20decorrentes%20de,%2C%202.570.708%20casos%20novos. Acesso em 18/4/2022.
[4] Disponível em https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/trt-2-anula-acordo-homologado-para-enganar-a-justica-e-empresa-recebe-multas. Acesso em 18/4/2022.
[5] Disponível em https://www.trt1.jus.br/ultimas-noticias/-/asset_publisher/IpQvDk7pXBme/content/10-turma-do-trt-rj-nao-homologa-acordo-extrajudicial-por-constatar-prejuizos-a-empregado/21078. Acesso em 18/4/2022.
[6] Disponível em https://pje.trt1.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0100720-31.2021.5.01.0019/2#5860a1c. Acesso em 18/4/2022.
[7][7] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 18/4/2022.
[8] CLT comentada – 3ª ed. – São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2021. Página 670.
[9] Disponível em http://www.trtsp.jus.br/indice-noticias-em-destaque/21461-pedidos-de-homologacao-de-acordos-extrajudiciais-seguem-regras-especificas. Acesso em 19/4/2022.
[10] Disponível em https://trt-12.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/931793553/recurso-ordinario-trabalhista-ro-8020620205120012-sc. Acesso em 19/4/2022.
[11] Disponível em https://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-418. Acesso em 19/4/2022.
[12] Art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé.
[13] Disponível em http://mptemquadrinhos.com.br/pdf/HQ26.pdf. Acesso em 19/4/2022.
[14] Disponível em https://www.trt24.jus.br/-/reclamante-e-condenado-por-litigancia-de-ma-fe-em-lide-simulada?inheritRedirect=true. Acesso em 19/4/2022.
[15] Disponível em https://www.oabsp.org.br/tribunal-de-etica-e-disciplina/ementario/turmas-disciplinares/decisoes/acordao-no-1334-pd-18r0000382017. Acesso em 19/4/2022.
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