Prática Trabalhista

Nova MP do Teletrabalho: aspectos pragmáticos

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

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  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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7 de abril de 2022, 8h00

Recentemente, foi publicada a Medida Provisória nº 1.108, de 25 de março de 2022 [1], que trouxe modificações consideráveis sobre as disposições do teletrabalho.

De início, cabe destacar que à época, com o advento da Lei nº 13.467/2017, a Consolidação das Leis do Trabalho [2] foi alterada para permitir a inclusão do capítulo referente ao teletrabalho (artigo 75-A ao artigo 75-E).

Sobre o assunto, oportunos são os ensinamentos de Fábio Luiz Pacheco e Janete Deste [3]:

"Com o advento da Lei nº 13.467/2017, de 13/07/2017, a qual passou a vigorar em 11/11/2017, e que deu início à 1ª Reforma Trabalhista moderna (uma vez que trouxe profundas alterações na legislação laboral e processual trabalhista, às quais outras modificações se somaram), o teletrabalho passou a ser destinatário de pequena regulamentação. Com efeito, foi inserido um Capítulo possuindo algumas normas sobre o instituto.
Assim, o Capítulo II-A, integrado pelos artigos 75-A a 75-E introduziu disciplina a ser observada na prestação de trabalho por empregados em regime de teletrabalho".

Spacca
Nesse panorama, verifica-se que as alterações trazidas pela reforma trabalhista em 2017 introduziram o teletrabalho de forma sucinta, tanto que não garantiu a segurança necessária ao teletrabalhador a ponto de ser objeto de medida provisória que busca agora aprimorar o instituto.

Entrementes, a então redação do artigo 75-B da Consolidação das Leis do Trabalho preceituava que para ser considerado teletrabalho a prestação de serviços deveria ser desempenhada preponderantemente fora das dependências da empresa.

Com a nova redação da norma pela atual MP nº 1.108/2022, o próprio conceito do teletrabalho previsto no artigo 75-B celetista [4] passa por uma metamorfose, pois, a partir de uma atenta leitura do dispositivo, com as respectivas alterações, percebe-se uma enorme e efetiva flexibilização.

Neste diapasão, ao menos enquanto vigente a citada medida provisória, passa-se a entender que tanto o teletrabalho, quanto o trabalho remoto (home office), estão acobertados dentro do regime híbrido de trabalho à distância. Isso porque, na prática, eles passam a ser considerados institutos sinônimos, ao menos para efeitos da nova MP.

E, mais, o termo "preponderante" foi excluído propositadamente pela medida provisória que, em seu lugar, passou a admitir o comparecimento, sobretudo habitual, do empregado às dependências da empresa, sem que isso desnature o regime de teletrabalho ou trabalho remoto [5]. Ficou mantida, contudo, a exigência da utilização de tecnologias de informação e de comunicação para a execução dos serviços à distância, que, por sua natureza, não se configura e/ou se confunde com o trabalho externo.

De mais a mais, impende destacar que outra grande alteração trazida pela medida provisória foi a inovação no que diz respeito ao controle de jornada dos empregados em regime de teletrabalho ou trabalho remoto.

Com efeito, inciso III do artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho excluía os teletrabalhadores do capítulo da jornada de trabalho, sendo este dispositivo até mesmo questionado por especialistas da área trabalhista quanto a sua própria constitucionalidade.

Contudo, o atual artigo 75-B, §2º, da CLT, passou a dispor que "o empregado submetido ao regime de teletrabalho ou trabalho remoto poderá prestar serviços por jornada ou por produção ou tarefa". Doravante, em observância a essa modificação legislativa, o teletrabalhador passa a ter a sua jornada de trabalho controlada pelo empregador, exceto nos casos em que houver prestação de serviços por produção ou por tarefa [6].

Aqui impende ressaltar que, com essa diferenciação feita pela MP entre serviços prestados por jornada, por produção ou por tarefa, é possível concluir que o modo de aferição do salário pago ao teletrabalhador foi alterado, devendo ser isso objeto de ajuste contratual entre as partes.

Além disso, a atual medida provisória deixou claro, para evitar futuras e indesejadas discussões judiciais, que "o regime de teletrabalho ou trabalho remoto não se confunde e nem se equipara à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento" (§4º do artigo 75-B da CLT).

De igual sorte, também reforçou que "o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, e de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho" (§5º do artigo 75-B da CLT). Há que se ter em mente que os tradicionais regimes de prontidão e/ou de sobreaviso não se confundem com tempo à disposição aqui referido na medida provisória que, por regra, não será computado na jornada de trabalho, exceto que as próprias partes ou normas coletivas de trabalho dispuserem em sentido contrário.

Noutro giro, o novo §8º [7] do artigo 75-B acrescido à CLT traz uma questão bastante polêmica em relação à legislação aplicável no caso de trabalho realizado no exterior.

De um lado, a Lei nº 7.064, de 6 de dezembro de 1982 [8], disciplina o conflito de aplicabilidade das normas referentes ao local da contratação e da prestação de serviços, no caso de trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos para prestar serviço no exterior; dado outro, a medida provisória aborda essa questão, porém traz uma redação muito elastecida que poderá causar um desvirtuamento na aplicação da norma, vez que faculta às próprias partes estipularem as regras a serem aplicáveis ao contrato de trabalho — se brasileiras, por ser o empregado aqui contratado, ou se estrangeiras, por força do local da prestação de serviços.

Outra novidade trazida pela medida provisória foi a chancela do teletrabalho ou trabalho remoto para aprendizes e estagiários [9]. Isso já tinha sido previsto outrora ao logo do período pandêmico por outras MP´s que, ao seu cabo, não foram convertidas em lei ordinária.

De mais a mais, a atual medida provisória nº 1.108/2022 inseriu o artigo 75-F [10] na Consolidação das Leis do Trabalho, disciplinando, doravante, quanto à prioridade para as vagas de teletrabalho ou trabalho remoto para os trabalhadores com deficiência ou com filhos de até quatro anos de idade. Não se trata propriamente dita de uma "cota", sujeita a fiscalização e/ou imposição de multas pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. Em realidade, estar-se-á diante de uma medida afirmativa que se mostra em conformidade com a redação do caput do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 que diz que a família é base da sociedade e, por isso, tem especial proteção do Estado.

No que concerne à aplicabilidade das normas coletivas de trabalho, fato é que a MP nº 1.108/2022 regulamentou essa questão problemática, afinal, em tempos de nômades digitais, em que não sabe a exata localização do emprego, dúvidas existem em torno da concessão de benefícios normativos, a exemplo do plano de saúde, do vale-refeição e da participação nos lucros e resultados.

Com a regra vigente [11], aos empregados em regime de teletrabalho ou de trabalho remoto, aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas convenções e acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado. Assim, pouco importa o local onde a empresa tenha sua sede (matriz), pois, para efeitos da MP, a "lotação" do empregado se dará juntamente no estabelecimento empresarial ao qual estiver vinculado contratualmente.

Entretanto, uma das grandes preocupações causados pelo teletrabalho ou trabalho remoto tem sido a desigualdade gerada entre os trabalhadores. Segundo um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas, o trabalho à distância foi adotado por cerca de 10% dos trabalhadores do país que estão concentrados nas regiões mais ricas e urbanizadas [12].

E, de igual importância, é outrossim a questão em torno da saúde do trabalhador. De acordo com um estudo, um dos órgãos do corpo humano mais afetados no trabalho remoto são os olhos, em decorrência da luminosidade das telas, causando uma sobrecarga na musculatura que resulta na fadiga visual ou síndrome da visão do computador [13].

Se é verdade que o teletrabalho possui vantagens, tais como flexibilização de horário, economia para o empregador e ganho de tempo no deslocamento; ao revés, e de igual modo, também possui desvantagens, em especial quanto às questões relacionadas à saúde do trabalhador e o próprio direito à desconexão, que não foram objeto da MP nº 1.108/2022.

Aliás, para não dizer que a MP nada tratou sobre o direito à desconexão dos teletrabalhadores, pode-se entender que o novo §9º do artigo 75-B da CLT faz expressa menção ao fato de que, por acordo individual entre as partes, devem ser impostos limites aos horários e aos meios de comunicação entre empregado e empregador, de modo a permitir que sejam assegurados os repousos legais, a exemplo do intervalo intrajornada, do horário noturno, do descanso semanal remunerado e das férias [14].

Dito tudo isso, é cediço que toda e qualquer medida provisória possui força de lei, e, por isso, as empresas devem ser cautelosas e prudentes quanto à necessária adequação dos contratos de trabalho de seus colaboradores que estejam desempenhando suas funções nesse formato à distância. E, no caso, ante as atuais diretrizes, se a empresa optar em determinar o retorno presencial do seu colaborador, é importante ressaltar que, pela atual medida provisória, o empregador não ficará responsável, via de regra, pelas despesas com deslocamento, na hipótese de o empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista em seu contrato trabalho, salvo disposição em contrário estipulada individualmente entre as partes contratantes [15].

De resto, conquanto a medida provisória nº 1.108/2022 ainda dependa da aprovação pelo Congresso Nacional para se transformar em lei ordinária, é muito provável que ao longo de sua tramitação o texto seja aprimorado — e aqui, para fins de informação, por ora já foram apresentas 158 emendas por parlamentares [16], com destaque para as sete emendas do deputado federal, dr. Rodrigo Agostinho, quem é o autor do PL nº 5.581/2022 que igualmente trata especificamente sobre o regime de teletrabalho, projeto de lei esse entendido como um dos mais completos e técnicos no assunto elaborado por um seleto grupo de juristas [17].

Em arremate, é indispensável que o teletrabalho seja regulamento de forma decente, garantindo a saúde, segurança e proteção do trabalhador. Não por outra razão que, por força do aumento exponencial do trabalho exercido de casa nesse período da pandemia, o Ministério Público do Trabalho já havia emitido uma nota técnica com 17 recomendações [18] visando à proteção da saúde e de direitos fundamentais para aqueles que passaram a laborar em tal modalidade de labor à distância.


[3] O teletrabalho na legislação brasileira e sua multidisciplinariedade: aspectos teóricos e práticos. – Leme, SP: Mizuno, 2021, página 27.

[4] Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.

[5] Art. 75-B, § 1º. O comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento, não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto.

[6] Art. 75-B, § 3º. Na hipótese da prestação de serviços em regime de teletrabalho ou trabalho remoto por produção ou tarefa, não se aplicará o disposto no Capítulo II do Título II desta Consolidação.

[7] Artigo 75-B, § 8º. Ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional, aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes na Lei nº 7.064, de 6 de dezembro 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.

[8] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7064.htm. Acesso em 4/4/2022.

[9] Artigo. 75-B, § 6º. Fica permitida a adoção do regime de teletrabalho ou trabalho remoto para estagiários e aprendizes.

[10] Art. 75-F. Os empregadores deverão conferir prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados e empregadas com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto.

[11] Art. 75-B, § 7º. Aos empregados em regime de teletrabalho aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas convenções e acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado.

[14] Art. 75-B, § 9º. Acordo individual poderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais.

[15] Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho ou trabalho remoto deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho. (…) §3º. O empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese do empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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