Poder não é dever

Histórico infracional pode ser usado para afastar tráfico privilegiado, diz STJ

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8 de setembro de 2021, 17h51

Embora medida socioeducativa imposta a menor infrator não configure pena e não gere reincidência, o seu registro como ato infracional pode ser utilizado como elemento caracterizador da dedicação às atividades criminosas.

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Menor infrator que volta a praticar tráfico pode ser caracterizado como réu primário que se dedica às atividades criminosas
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Essa foi a conclusão alcançada por maioria de votos pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento nesta quarta-feira (8/9).

A consequência desse posicionamento é permitir que os atos cometidos por menores de idade sirvam para afastar a aplicação do redutor de pena do artigo 33, parágrafo 4º da Lei 11.343/2006 ao réu que, após os 18 anos, volta a praticar o tráfico de drogas.

Chamado tráfico privilegiado, o redutor é destinado aos réus pelo crime que sejam primários, de bons antecedentes, não se dediquem às atividades criminosas, nem integrem organização criminosa.

Cinco votaram nesse sentido nesta quarta-feira, mas houve diferenças de fundamentação.

O relator, ministro Joel Ilan Paciornik, e o desembargador convocado Jesuíno Rissato entenderam simplesmente que o ato infracional basta para comprovação de que o réu, na primeira vez em que denunciado por tráfico, se dedica às atividades criminosas.

Outros três acrescentaram fundamentos a essa ideia. Para eles, não é o simples fato de existirem atos infracionais que serve para afastar o redutor do tráfico privilegiado: é preciso avaliar se são fatos graves, se estão devidamente documentos e se não estão muito distantes no tempo. Depende, portanto, da análise de cada caso concreto.

A proposta foi feita pelo ministro Rogerio Schietti e acompanhada pelos ministros Antonio Saldanha Palheiro e Ribeiro Dantas.

Por fim, quatro ministros divergiram por afirmar que tais atos infracionais não servem mesmo para afastar o tráfico privilegiado, por falta de respaldo legal. Foi a posição da ministra Laurita Vaz, seguida pelos ministros João Otávio de Noronha e Sebastião Reis Júnior, e pelo desembargador convocado Olindo Menezes.

Curiosamente, essas diferentes fundamentações levaram à aplicação do redutor no caso concreto, que tratava de dois réus cujos atos infracionais datavam de mais de dois anos antes da acusação de tráfico de drogas.

Assim, a 3ª Seção concluiu, por maioria de votos, que a prática de tráfico enquanto menores de idade estava tão espaçada que não servia para provar dedicação às atividades criminosas.

José Alberto
Ministro Rogerio Schietti fez a diferenciação com a jurisprudência até recentemente pacífica sobre o tema no STJ
José Alberto

Poder, pode…
O tema não é novo no Judiciário, mas apenas recentemente viu surgir divergências nas cortes superiores. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, a 1ª Turma tem precedentes em ambas as posições. Já a 2ª Turma em 2021 passou a definir que atos infracionais não servem para afastar o redutor do tráfico privilegiado. O mesmo ocorre no STJ, com recente acórdão da 6ª Turma votando no mesmo sentido.

A diferenciação entre as duas teses foi proposta pelo ministro Rogerio Schietti, ao lembrar acórdão da 6ª Turma que analisou caso de um réu primário por tráfico que tinha 71 infrações enquanto menor de idade. Evidentemente que esse jovem se dedicava às atividades criminosas.

"Na verdade, a tese, a meu sentir, não é a de impossibilidade de uso desses atos infracionais", disse o ministro. "É da necessidade de avaliar, caso a caso, para ver se há ou não dedicação a atividades criminosa."

Assim, explicou que não é a simples existência de atos infracionais que serve para afastar o redutor do tráfico privilegiado. Será preciso avaliar a gravidade desses atos, sua documentação e se não estão muito distantes no tempo.

"Não podemos considerar atos infracionais como antecedentes penais e muito menos como reincidência. Mas não vejo porque desconsiderar todo um passado de uma atuação de um adolescente para concluir pela atividade habitual dele como criminosa. Não vejo impedimento que se considere fatos da vida real para esses fins", disse o ministro Schietti.

Ao concordar, o ministro Ribeiro Dantas apontou que essa posição atende aos pressupostos para aplicação do tráfico privilegiado e, ao mesmo tempo, não fecha os olhos à realidade. "Não podemos julgar essa pessoa com mesma brandura com que julgaríamos um jovem adulto que não tenha uma história de vida permeada com este comportamento que denota prática de atividade criminosa", disse.

"Não consigo conceber que um determinado cidadão que venha cometendo atos infracionais de forma reiterada, em decorrência de mero marco temporal [a maioridade penal] deixe de sofrer as consequências daquele estilo de vida", concordou o ministro Saldanha Palheiro.

Lucas Pricken/STJ
Para ministra Laurita Vaz, usar ato infracional para provar dedicação ao crime fere contemporaneidade exigida na lei
Lucas Pricken/STJ

…mas não necessariamente deve
Abriu a divergência a ministra Laurita Vaz, na linha de que o reconhecimento da dedicação às atividades criminosas exige contemporaneidade com o fato criminoso em apuração.

Ou seja, admitir o uso do histórico infracional como prova suficiente de engajamento criminoso, além de contrariar a natureza de medida sócio educativa, leva o julgador a extrair dados do passado como prova que deveria estar adstrita ao tempo presente.

"Tal procedimento equivale a equiparar o histórico infracional aos antecedentes criminais, o que não consta com o devido respaldo legal", disse a ministra Laurita.

O voto dela faz a ressalva quanto à possibilidade de a acusação comprovar que o réu primário venha se dedicando às atividades criminosas desde a adolescência, desde que não haja período de tempo relevante entre as condutas ilícitas.

"Mas referida prova deve estar amparada em documentos concretos trazidos aos autos e capazes de permitir ao julgador traçar com segurança a conexão temporal e circunstancial entre as infrações e o crime em apuração", disse.

Essa ressalva aproxima o voto divergente com o ponto de vista defendido pelo ministro Schietti. Por conta disso, a ministra Laurita Vaz, que apenas no caso concreto proferiu o voto vencedor e será relatora para o acórdão, vai redigir uma nova tese sobre o tema e voltar a apresentar o colegiado.

Veja como votaram os ministros da 3ª Seção

Atos infracionais servem para afastar redutor: Joel Ilan Paciornik e Jesuíno Rissato
Atos infracionais podem servir para afastar redutor, mas dependem do caso concreto: Rogerio Schietti, Ribeiro Dantas e Antonio Saldanha Palheiro
Atos infracionais, em regra, não servem para afastar redutor: Laurita Vaz, Olindo Menezes, João Otávio de Noronha e Sebastião Reis Júnior.

EREsp 1.916.596

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