Assuntos complexos

Pedidos de vista interrompem quatro ações do STF sobre penal e processo penal

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9 de novembro de 2021, 20h21

Pedidos de vista interromperam, nesta terça-feira (9/11), quatro julgamentos da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal sobre questões de Direito Penal e Direito Processual Penal. Os casos discutem se o Ministério Público é obrigado oferecer acordo de não persecução penal (ANPP); os efeitos da ausência de interrogatório do réu; a retroatividade da necessidade de representação da vítima para ação penal por estelionato — medida imposta pela Lei “anticrime” (Lei 13.964/2019) —; e se registro por uso de drogas conta para reincidência.

Nelson Jr./STF
Ricardo Lewandowski disse que interrogatório do réu é parte essencial do processo para a defesa
Nelson Jr./STF

No primeiro caso analisado na sessão (HC 203.440), uma mulher condenada a 2 anos de detenção por homicídio culposo na direção de veículo interpôs agravo de instrumento contra decisão do ministro Ricardo Lewandowski que negou Habeas Corpus. A ré alegou prescrição e que o MP deveria ter lhe oferecido ANPP.

Relator do caso, Lewandowski apontou que o artigo 28-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei “anticrime”, estabelece que, “não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”, mediante determinadas condições.

A pena mínima de homicídio culposo na direção de veículo automotor é de 2 anos (artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro). No entanto, o crime foi violento, pois gerou a morte de uma pessoa, avaliou o ministro. Dessa maneira, ele entendeu que o MP poderia, mas não estava obrigado, a oferecer ANPP no caso. E votou para negar o agravo regimental.

O ministro Gilmar Mendes opinou que a violência na prática do crime que impede a celebração do acordo é inerente à conduta, e não ao resultado. Assim, não haveria proibição de o MP firmar ANPP no caso. Porém, Gilmar pediu vista para analisar a questão, assim como a retroatividade do acordo de não persecução penal e seu limite temporal.

Lewandowski reconheceu que se trata de uma questão nova e complexa. E disse que os ministros também precisam decidir se o ANPP é direito subjetivo do réu que cumpre as condições do artigo 28-A do CPP ou se oferecê-lo é faculdade discricionária do Ministério Público.

Ausência de interrogatório
Em outro processo (HC 204.799), a defesa de um réu que ficou foragido durante a instrução penal pediu, após sua prisão, para ele ser interrogado. Contudo, o juiz já havia proferido a sentença e negou o requerimento. Ricardo Lewandowski concedeu HC para anular o processo a partir da sentença, exigindo a realização de interrogatório.

O MP, em agravo regimental, afirmou que o interrogatório não foi feito por culpa do réu. E nenhuma das partes pode arguir nulidade para a qual tenha dado causa ou concorrido, conforme o artigo 565 do CPP. A defesa, por sua vez, disse que o interrogatório já tem data e horário designados e que é essencial para o processo.

Lewandowski votou por manter sua decisão monocrática. Segundo ele, a jurisprudência do STF avalia que o interrogatório é parte essencial da defesa dos réus. E se o acusado já estava preso e à disposição da Justiça, tal fase do processo não poderia ser afastada.

Gilmar Mendes pediu vista novamente, para analisar tal questão com mais profundidade.

Representação em estelionato
Lewandowski, em decisão monocrática no terceiro processo do dia (RHC 203.558), ordenou, em setembro, a intimação de vítima de estelionato para, querendo, oferecer a representação no prazo de 30 dias, sob pena de decadência.

O parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal, incluído pela Lei “anticrime”, determina que, em casos de estelionato, o MP só deverá atuar representação, salvo se a vítima for a administração pública, direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; ou maior de 70 anos de idade ou incapaz.

Lewandowski votou para confirmar sua decisão monocrática, determinando a intimação da vítima para que, se quiser, ofereça representação em até 30 dias.

O ministro Edson Fachin avaliou que, como a vítima compareceu a audiência em juízo, houve representação tácita. Portanto, a ação penal poderia prosseguir.

Em resposta, Lewandowski declarou que tinha notado a presença da vítima em atos processuais e disse que, se o colegiado decidisse seguir o voto de Fachin, não enxergaria problema nisso. Entretanto, lembrou que a 2ª Turma decidiu que a previsão contida da Lei "anticrime" que exige manifestação da vítima para propositura de ação por estelionato deve retroagir em benefício do réu até o trânsito em julgado. Caso seguissem esse precedente, não precisariam examinar a fundo os autos para concluir se houve ou não manifestação da vítima, que pode ser mais ou menos incisiva, dependendo da situação, apontou o relator.

Diante dessa ressalva, Edson Fachin mudou seu voto para acompanhar Lewandowski. Fachin entendeu que o critério do relator é mais seguro, pois os atos processuais não são uniformes e passíveis de se extrair conclusões de forma objetiva.

Gilmar Mendes, mais uma vez, pediu vista. O ministro explicou que havia elaborado voto no sentido do inicial de Fachin, por entender que houve representação tácita da vítima. No entanto, diante da mudança de posição do ministro, preferiu se estudar a questão mais a fundo.

Uso de drogas
No quarto processo penal da sessão (RHC 178.512), Edson Fachin, em decisão monocrática, determinou ao Tribunal de Justiça de São Paulo que refizesse a dosimetria da pena imposta a um condenado por tráfico de drogas sem considerar a reincidência de condenação anterior, transitada em julgado, por porte de droga para consumo próprio.

Segundo Fachin, a posse de droga para uso pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006) não prevê pena de reclusão ou detenção. Portanto, não é um crime e não pode contar para fins de reincidência, que exige condenação criminal com trânsito em julgado.

O ministro lembrou que o Plenário do Supremo discute, desde 2015, a constitucionalidade do crime de porte de droga para consumo próprio (RE 635.659). Fachin já votou pela descriminalização da posse apenas de maconha, assim como Luís Roberto Barroso. Gilmar Mendes votou pela liberação do uso de todas as drogas. O processo está com Alexandre de Moraes, que liberou seu voto em 2018. Porém, o caso não voltou a ser incluído na pauta.

O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques.

HCs 203.440 e 204.799
RHCs 203.558 e 178.512

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