Herança da Ditadura

DPU pede que Supremo tranque inquéritos e ações abertas com base na LSN

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19 de março de 2021, 11h34

A Defensoria Pública da União pediu nesta sexta-feira (19/3) que o Supremo Tribunal Federal tranque todos os inquéritos e ações abertas com base na Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/1983) contra pessoas que criticaram o presidente Jair Bolsonaro ou outros agentes públicos federais. 

Alan Santos/PR
LSN está sendo usada contra críticos de Bolsonaro
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"O respeito à Constituição, aos instrumentos internacionais e aos parâmetros interamericanos estabelecidos pela jurisprudência da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos exige o tratamento da Lei de Segurança Nacional em termos severamente restritivos que vem sendo, como demonstrado, constantemente desconsiderados pelo emprego alargado de seus dispositivos para a instauração de investigações que, além de não se prestarem a atender aos termos da referida lei, revelam uma tendência de intolerância à participação política de todos que discordam da conduta do governo de ocasião", afirma a DPU. 

O documento cita como exemplo de uso indevido da LSN o inquérito aberto contra o advogado Marcelo Feller. A investigação foi iniciada a pedido do ministro da Justiça, André Mendonça, depois de Feller criticar o modo em que Bolsonaro estava conduzindo o combate ao novo coronavírus. 

"Está-se diante de um quadro de crescimento vertiginoso da prática inconstitucional e ilegal empreendida por autoridades policiais, estaduais, pelo Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública e pelo menos outro ministro de estado, de forçar o enquadram,ento, como crime contra a segurança nacional, de mera manifestação de opinião política e de prática, em tese, de crime contra a honra do presidente, com notório viés persecutório de intimidação dos opositores ao governo e ao presidente, em franca ameaça aos mais caros fundamentos de um estado democrático", prossegue o HC. 

A DPU diz, ainda, que "a proliferação de prisões em flagrante e de inquéritos vai impactar diretamente no livre debate de ideias que integra o núcleo da democracia, porque a intimidação autoritária, pelo uso do medo e da criminalização da manifestação de pensamento, tende a suprimir exclusivamente as críticas dirigidas a um dos atores políticos, causando desestabilidade ao processo democrático". 

O texto é assinado pelos defensores Antonio de Maia e Pádua; Thales Arcoverde Treiger; e João Paulo Dorini.

"Genocida"
Um grupo de advogados já havia ajuizado ontem, também no Supremo, um HC coletivo para proibir prisões, investigações ou a propositura de ações contra cidadãos que criticarem Bolsonaro ou chamarem o presidente de genocida. O HC também pede a extinção de inquéritos e ações já abertas. 

"Como se tem observado, as autoridades coatoras, conquanto tenham ciência de centenas, senão milhares de manifestações idênticas ocorridas diariamente, apondo a alcunha de 'genocida' ao Presidente da República, apenas 'escolhem' vítimas determinadas para oferecer queixa ou notícia-crime", diz o texto. 

Para os advogados, qualquer pessoa tem o "legítimo direito de qualificar uma política pública como 'genocida', bem como qualificar como 'genocida' um presidente da República que deliberadamente promove políticas geradoras de mortes em níveis genocidas".

O pedido de HC é assinado por Felippe Mendonça; Roberto Montanari Custódio; Leonardo David Quintiliano; Paulo Roberto Iotti Vecchiatti; Rafael Leone Guarilha Colli; Jucemar da Silva Morais; Rafael Khalil Coltro; Djefferson Amadeus de Souza; e Erica Acosta Plak

Crescimento de 285%
Sob a presidência de Jair Bolsonaro, o número de inquéritos abertos pela Polícia Federal com base na Lei de Segurança Nacional (LSN) saltou 285% em comparação com a gestão de Dilma Rousseff/Michel Temer.

Conforme um levantamento do Estadão, com base na Lei de Acesso à Informação, entre 2015 e 2016 foram abertos 20 inquéritos com base na LSN. Já entre 2019 e 2020, foram 77 investigações. Não há dados sobre a aparente explosão de inquéritos abertos em 2021. 

"Há risco de uma confusão entre o que é de segurança nacional e o que é de crítica política. A LSN não deve servir para conter a democracia e, igualmente, não deve ser utilizada com desvio de finalidade", afirmou à ConJur o defensor público do Amazonas Maurílio Maia

A declaração leva em conta uma série de precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a mera crítica, mesmo que feita contra autoridades, não configura ofensa à LSN. 

Isso porque, segundo Plenário do STF, para que haja crime político, nos termos da LSN, é necessário lesão ou perigo de lesão contra a integridade territorial e a soberania nacional; o regime representativo e democrático; a Federação e o Estado de Direito; e os chefes dos poderes da União. 

O tema foi tratado em um artigo de Lenio Streck e Eduardo Newton, publicado na ConJur em janeiro deste ano. No texto, o jurista e o defensor público lembram que a LSN não foi recepcionada pela Constituição de 1988 e que a norma é uma “herança tóxica” da ditadura. 

"Essa forma de lidar com a divergência ideológica não se mostra em conformidade com o Texto Constitucional, que assegura como fundamento da República o pluralismo político. A LSN deveria ser objeto apenas de estudo de historiadores e não objeto de trabalho em delegacias da Polícia Federal. Simples assim", diz a análise. 

Clique aqui para ler a inicial da DPU
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