Prática Trabalhista

Teste de gravidez na dispensa da trabalhadora pode ensejar dano moral?

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

24 de junho de 2021, 8h00

O Tribunal Superior do Trabalho, recentemente, foi provocado para emitir um juízo de valor quanto à possibilidade de indenização por danos morais decorrente da exigência de realização de exame para averiguação do estado gravídico da empregada quando do ato da dispensa [1].

A discussão, no caso, se deu no sentido de que, se, nesse cenário, estaríamos ou não diante de uma conduta discriminatória e, portanto, de uma possível violação aos direitos da intimidade.

Primeiramente, impende frisar que a Constituição Federal traz em seu artigo 5º, inciso X, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

De outro lado, a Lei nº 9.029, de 13/4/1995, proíbe expressamente a exigência de atestado de gravidez e esterilização para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica, cujo artigo 1º é peremptório em afirmar que proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal".

De mais a mais, a Consolidação das Leis do Trabalho, ao tratar da proteção do trabalho da mulher, preceitua em seu artigo 373-A, inciso IV, que é vedado "exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego".

Aliás, nos ensinamentos do professor Henrique Correa [2], "os direitos que asseguram a maternidade tranquila não são voltados apenas para as gestantes, mas para toda a sociedade. Diante disso, a conduta da empresa em não admitir mulheres casadas ou gestantes configura ato discriminatório".

Dito isso, nos parece ser incontroverso que o desígnio da legislação é justamente prevenir que sejam adotadas condutas discriminatórias e que haja uma proteção ao trabalho da mulher, notadamente quando estivermos diante de seu estado gravídico.

Nesse prumo, a legislação é expressa no sentido de ser considerada discriminatória a conduta do empregador que, no início da contratação ou no decorrer dela, exija o exame de gravidez visando a obstar a trabalhadora de ter a aproximação da relação de trabalho.

Observa-se que o texto legal nada dispõe sobre a impossibilidade de realização do exame de gravidez quando a trabalhadora é dispensada de seus serviços.

Entrementes, não é raro nos depararmos com situações em que nem mesmo a trabalhadora possui conhecimento de seu estado gravídico. Não se discute aqui se o desconhecimento do empregador o isentaria de qualquer responsabilidade que, aliás, já possui entendimento pacificado no Tribunal Superior do Trabalho através de sua Súmula 244 [3], mas apenas se a realização do exame no término do contrato de trabalho pode ou não ser considerada uma conduta abusiva.

Indubitavelmente, se, no momento do desligamento for constatado a gravidez da trabalhadora, não restam dúvidas de que não haverá o término do contrato de trabalho, sendo resguardada a segurança jurídica de todos os envolvidos, e, principalmente, do nascituro, o qual é o principal destinatário da proteção legal trazida pela referida norma protetora.

Nesse panorama, não nos parece haver violação aos direitos da intimidade da trabalhadora; ao contrário, o ato praticado revela-se de prudência e cautela justamente para não ferir direitos assegurados e garantidos por lei.

Ademais, caso a trabalhadora não informasse ao seu empregador da gravidez no ato de seu desligamento não haveria outros meios para ter conhecimento de fato que não seja através da realização do exame médico.

De mais a mais, para uma correta e adequada interpretação e aplicação das regras é importante destacar que se faz indispensável a harmonia de todo o ordenamento jurídico. A Constituição Federal traz os direitos e garantias fundamentais, os quais, por certo, não são considerados ilimitados. Ou seja, se, diante do caso concreto, havendo aparente conflito, concorrência ou colisão entre estes direitos e as garantias fundamentais, a exemplo da intimidade e da segurança jurídica, deve-se buscar adequação visando a que estes possam trazer a harmonização dos direitos e garantias em debate.

Se é verdade que deve haver proteção ao trabalho da mulher, evitando-se condutas discriminatórias e que a impeçam de ingressar no mercado de trabalho assim como durante a permanência deste, de igual destaque deve existir esta salvaguarda no seu desligamento, de modo que, ao nosso ver, a realização do exame acarreta justamente na defesa de seus interesses.

Possibilitar a realização deste procedimento evita que sejam levadas ao Judiciário questões que poderiam ter sido solucionadas extrajudicialmente, de forma pacífica e sem desgastes.

Ora, é sabido que dado ao acúmulo de demandas nem sempre a prestação jurisdicional é célere e, nesse sentido, torna-se extremamente prejudicial à trabalhadora ter que aguardar uma decisão de eventual reintegração de emprego ou o pagamento de indenização substitutiva, em casos em que nem mesmo a gravidez era de seu conhecimento.

Frise-se, por oportuno, que a decisão do Tribunal Superior do Trabalho não foi unânime, de forma que o ministro Maurício Godinho Delgado apresentou divergência e, no ponto, ficou vencido pelo Colegiado.

E, para se trazer o contraponto necessário e próprio do debate acadêmico, registre-se que em seu voto Sua Excelência destaca que o patrimônio moral da pessoa humana envolve todos os bens imateriais asseguradas pela Constituição Federal, de sorte que ocorrendo afronta a estes é perfeitamente possível a indenização por dano moral. Ponderou que no caso em discussão o ato teria consistido em uma prática discriminatória, com fundamento no artigo 2º, I, da Lei nº 9.029-95 [4]

O ministro ainda fundamentou a sua decisão no sentido de que a exigência do exame de gravidez extrapola o poder diretivo do empregador, e, assim sendo, afrontaria a intimidade da trabalhadora com a consequente violação de sua privacidade e ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Em arremate, reproduz-se abaixo trecho de outra decisão proferida pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho, esta de lavra do saudoso ministro Walmir Oliveira da Costa, quando então a Corte de Vértice Trabalhista à época já tinha se posicionado no sentido de que a solicitação do exame de gravidez demissional não se traduz em prática discriminatória, a saber:

"(…) Vale salientar que, embora não possa exigir, o empregador pode solicitar no exame médico demissional o exame de gravidez, fato este não observado pela empresa. A solicitação de exame de gravidez no exame demissional não colide com o artigo 373-A da CLT e Lei 9029/95, que vedam a exigência de teste de gravidez para fins de acesso e manutenção da relação de emprego. Até porque tal solicitação é em benefício da empregada, pois visa à proteção de seu emprego" (TST, 1ª T., RR 1441002220085150003, relator ministro Walmir Oliveira da Costa, j. 12/09/2017, pub. DEJT 15/9/2017).

 


[1] Processo RR 61-04.2017.5.11.0010, 3ª Turma Tribunal Superior do Trabalho, ministro Relator Alexandre de Souza Agra Belmonte, Acórdão publicado em 18.06.2021.

[2] Correa, Henrique. Curso de Direito do Trabalho – Salvador: Editora JusPodivm, 2021.página 406.

[3] Súmula nº 244 do TST

"GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.
I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (artigo 10, II, "b" do ADCT).
II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III -A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado".

[4] "Artigo 2º – Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias: I — a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez".

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, e membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP).

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduando lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô, membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP e pesquisador do Núcleo "Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!