O que é abuso ou excesso

STJ recebe recursos para delimitar uso da tese do STF sobre direito ao esquecimento

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19 de junho de 2021, 7h52

O Superior Tribunal de Justiça terá a oportunidade de, pela primeira vez, dar limitação prática à aplicação da tese fixada em fevereiro de 2021 pelo Supremo Tribunal Federal segundo a qual o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição brasileira.

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Um dos casos trata da chacina da Candelária, no RJ, retrata pelo programa Linha Direta, da Globo
Tânia Rêgo/Agência Brasil

A corte recebeu de volta, recentemente, dois casos julgados pelas turmas de Direito Privado, em que entendeu que caberia o esquecimento. Ambos os acórdãos foram atacados em recursos extraordinários, que permaneceram sobrestados, aguardando o julgamento em repercussão geral pelo STF.

Vice-presidente do STJ, o ministro Jorge Mussi despachou em junho devolvendo-os à 3ª e 4ª Turmas para eventual juízo de retratação. Será a oportunidade de indicar às instâncias ordinárias quais são os contornos da tese do STF na seara infraconstitucional.

Isso porque a tese aprovada pelo Plenário do Supremo afasta a ideia de direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados. Mas abre uma brecha.

"Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais — especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral — e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível", diz o texto.

Assim, a corte terá de opor o caso concreto para apontar se eles podem — e o que pode — ser considerados excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação, com potencial de balizar a atuação dos demais tribunais sobre o tema.

Lucas Pricken
Ministro Luís Felipe Salomão relatou caso sobre chacina da Candelária e aplicou direito ao esquecimento pela primeira vez no STJ
Lucas Pricken

Chacina da candelária
Um dos casos que será reavaliado pela corte é o mesmo em que o STJ, pela primeira vez, aplicou o direito ao esquecimento. No Recurso Especial 1.334.097, a 4ª Turma decidiu em 2013 que a Globo deveria pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais por dar o nome de um dos acusados — depois absolvido — pelo crime da Chacina da Candelária.

O episódio aconteceu no Rio de Janeiro em 1993, quando policiais à paisana abriram fogo contra as cerca de 70 crianças e adolescentes que dormiam nas escadarias da igreja da Candelária. Várias ficaram feridas e oito morreram. Três policiais foram condenados pelo crime e dois foram absolvidos.

A Globo, que é representada na ação pelo escritório Perdiz Advogados, relatou o caso em um episódio do programa "Linha Direta". O recurso foi julgado pela 4ª Turma em conjunto com outro, que também apareceu na atração, referente ao caso Aída Curi, estuprada e morta em 1958 por um grupo de jovens. Foi esse o processo que o STF usou para firmar a tese que afastou o direito ao esquecimento.

O relator do recurso no STJ é o ministro Luís Felipe Salomão, então um defensor do direito ao esquecimento, tese que não consta de nenhuma lei, sendo criada por juízes — primeiro, pelo desembargador Rogério Fialho Moreira, do Tribunal Regional da 5ª Região, depois transformada em enunciado da 6ª Jornada de Direito Civil da Justiça Federal, que aconteceu em 2013.

Lucas Pricken/STJ
Na 3ª Turma, ministro Marco Aurélio Bellizze deu o voto vencedor no acórdão que admitiu o direito ao esquecimento
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Fraude em concurso
A outra devolução para eventual juízo de retratação é o Recurso Especial 1.660.168, em que, em 2018 a 3ª Turma aplicou o direito ao esquecimento para obrigar Google, Yahoo e Microsoft a filtrar resultados em suas páginas de busca referentes às suspeitas de fraude em concurso para magistratura que teria sido praticada por uma promotora.

Ela foi inocentada pelo Conselho Nacional de Justiça, que reconheceu problemas no método  adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e até emitiu recomendações para os concursos seguintes. Ainda assim, quaisquer buscas de seu nome na internet a vinculavam diretamente às acusações.

Também neste caso, a decisão do ministro Jorge Mussi identifica que o entendimento firmado  destoa, “em princípio”, do definido pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 786. Assim, encaminha os autos para a 3ª Turma, “para eventual juízo de retratação, ficando prejudicada a análise do pleito de atribuição de efeito suspensivo”. O relator para o acórdão é o ministro Marco Aurélio Bellizze, que proferiu o voto vencedor. A relatoria original é da ministra Nancy Andrighi.

REsp 1.334.097
REsp 1.660.168

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