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Igualar direito ao esquecimento à censura é "cortina de fumaça", diz Salomão

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8 de novembro de 2017, 7h47

O argumento de que o direito ao esquecimento seria, no fim das contas, uma forma de censura judicial é uma “cortina de fumaça” que não permite enxergar o tema em sua complexidade. A afirmação é do ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça.

STJ
Argumento "joga com carma" do Brasil, afirma Luís Felipe Salomão.

É uma estratégia também inteligente, diz o ministro, pois "joga com o carma" de um país que viveu duros períodos de restrição à liberdade de expressão.

Em evento nesta segunda-feira (6/11), em Brasília, Salomão explicou que a jurisprudência vai construir as hipóteses de cabimento ou não do direito que as pessoas teriam de não serem citadas por fatos pretéritos. Embora não esteja escrito “com todas as letras” no ordenamento jurídico brasileiro, diz, esse direito pode ser depreendido ao se fazer a ponderação entre princípios constitucionais supostamente em colisão: de um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; do outro, a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada.

“É preciso um ponto de equilíbrio, tendo em vista a razoabilidade e o interesse público. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, afirmou, ressaltando que não se trata de censura prévia, mas um direito posterior. Ele acrescenta ainda que o Supremo Tribunal Federal tem uma súmula dizendo que cabe reclamação direta à corte contra qualquer tipo de proibição prévia de publicação ou impedimento a veiculação de algum fato ou notícia.

O ministro lembrou que, em 2013, a Justiça brasileira começou a reconhecer que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Isso aconteceu durante a 6ª jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, com a aprovação de um enunciado que abordava o tema.

O ministro contou que a 4ª Turma do STJ julgou pela primeira vez casos deste tipo ainda em 2013. Os dois ligados a programas de televisão que fazem reconstituição de crimes. Mas antes disso o tribunal já aplicava o direito na área penal, afirma, quando se tratava de registros antigos em folhas de antecedentes criminais.

De acordo com Salomão, o STJ ainda não analisou nenhum caso que diz respeito ao direito ao esquecimento especificamente na internet, mas afirma que vem sendo consagrado pelos tribunais europeus há alguns anos, inclusive permitindo a retirada de links de notícias de sites de busca.

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, também participou do evento organizado pelo Instituto UniCEUB de Cidadania e o Instituto Palavra Aberta. Ele é relator de um caso, com repercussão geral reconhecida, que discute o direito ao esquecimento. O recurso foi movido por irmãos de Aida Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro e retratada em programa da Rede Globo. A discussão é se pessoas ou familiares podem exigir que seus nomes sejam omitidos de documentos, textos ou reportagens sobre fatos antigos.

Nelson Jr./SCO/STF
Questão não tem relação com divulgação de informações falsas, ressalta Toffoli.

Toffoli afirmou que ainda não concluiu seu voto e que não há previsão para o caso ser levado a julgamento. “Ainda estou formando convicção”, disse. No entanto, o ministro destacou que direito ao esquecimento não tem nada a ver com matérias falsas, incompletas ou bancos de dados que contêm dados injuriosos ou difamatórios. Ele relatou a história que escutou de um advogado que busca na Justiça a aplicação do direito em favor da sua cliente, que teme que a filha descubra que ela foi condenada na década de 1970 por ter assassinado o marido.

Uma revista digitalizou seu acervo e disponibilizou o conteúdo na internet. A “republicação” das edições trouxe para o presente o fato que já estava esquecido porque a revista publicou na época matéria contando a história. A mulher pede a retirada da matéria do acervo digital com medo que a filha, que era pequena na época, descubra o fato acessando a matéria ou “dando um Google”.

Contraponto
O advogado Eduardo Mendonça, um dos participantes do debate, criticou o conceito. “O único direito ao esquecimento que vou defender enfaticamente será caso eu omita algum nome importante no meu agradecimento”, brincou, antes de iniciar a sua apresentação. Para ele, a ideia coloca o Estado numa posição muito delicada que se aproxima à de um editor. Isso porque se pede ao juiz que faça a avaliação de que se determinada informação continua devendo circular livremente.

Nas palavras dele, o juiz, ao analisar os processos, faz um juízo de conveniência, o que não pode ocorrer no Direito. “São 17 mil juízes no Brasil hoje, censores potenciais para dizer se o mundo vai ficar melhor ou não sem determinada informação. Todos eles poderão dar esse palpite em diferentes contextos”, afirmou.

Mendonça destacou ainda que, apesar da tradição libertária do STF e STJ, a base do judiciário ainda exerce juízos repressivos baseado na lógica de coibição do excesso, do mau gosto e daquilo que parece uso indevido da liberdade.

Conforme o advogado, a Constituição protege “enfaticamente” a liberdade de expressão, informação e imprensa. E que essa proteção, de acordo com a jurisprudência constitucional dos Estados Unidos, Alemanha, Espanha e também do STF, é explicada pela lógica de que a liberdade de expressão não é só um direito fundamental, mas projeção da liberdade do cidadão, ou seja, pressuposto para o regime democrático.

“As pessoas só confiam que vivem numa democracia se tiverem certeza que as informações circulam livremente sem manipulação do Estado”, afirmou o advogado e professor.

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